Anônimos: entre a vida e a bebida, histórias interrompidas pelo álcool - Parte 7

Por Gustavo Rubim*


AUJAMIRO

SEU AUJAMIRO, AUJAMIRO VIANA DOS SANTOS, nascido em Pirapora-MG, foi criado até os doze anos em Várzea da Palma-MG. Mudou-se para Patos de Minas em 1979. Tem três irmãos. Já perdeu o pai, Geraldo Bispo dos Santos, e a mãe, Maria Viana dos Santos. As duas irmãs possuem bons empregos, na área da saúde, uma no Hospital Regional, para onde enviaram seu Cleto, nos períodos difíceis. A outra em um lar de idosos. Possui duas filhas, de dez e doze anos. Não tem a guarda, que está com uma das irmãs, a mesma que o levou para o Caps.

Os primeiros goles foram por maio do pai, folião, colocava uma dose de pinga em uma xícara gasta, que já dava na lata, punha no chão e dava para cada filho; uma espécie de ritual. A partir daí, conheceu o cigarro e a maconha, depois foi apresentado a maconha misturada com craque, por meio de Marcio Dias Costas. Mais barata e mais forte. Aujamiro, cita todos os nomes completos, de quem quer que seja, está lá: nome, sobrenome e endereço. Se é aquilo mesmo, não sei. Mal ele sabe que jornalistas sempre perguntam, ou sabe e quis já dizer de uma vez.

É um homem, sofrido. Negro de olhar humilde, conversa cabisbaixo, me trata com respeito, como nunca fui tratado. Por vezes, me sinto mal por isso. Não era mais que aquele homem, quem me dera possuir a nobreza de Aujamiro, nobre, é essa a palavra, é um homem nobre. Possui um olhar fixo e sincero, senta com postura e age educadamente.

Depois da “pedra” passou a dormir na rua. Foi o ponto mais crítico, quer dizer, ainda não. Houve uma briga, o motivo: supostamente Aujamiro agrediu a mãe e vendeu os pertences da casa para consumir drogas. Numa confusão, uma das irmãs, a de que pouco fala, e quando fala é com rancor, o espancou à pauladas. A gente tende a querer acreditar neles, digo em todos, até no caso de seu Cleto com a esposa, na inocência do seu Israel, é a proximidade, a forma de nos enganar quando aceitamos uma história sem pé nem cabeça de um amigo querido ou até mesmo os amantes que acreditam um dia no amor verdadeiro. E assim nos enganamos, todos.

O resultado da briga? Três meses e quinze dias de prisão, também enquadrado na Lei Maria da Penha. Mas o pior foi depois, a rua, “a rua é pior que a prisão”. Dormia no mato, perto de casa, os 200 metros exigidos pela justiça, comia o que davam. “Tinha a noite para passar frio e o dia para passar fome”, quanto tempo ficou nessa situação? Três meses e quinze dias.

“Minha irmã me trouxe até o Caps, não queria ficar, tinha apenas a roupa do corpo”, e ficou, por quanto tempo? Três meses e quinze dias. Três meses e quinze dias era uma forma que seu Aujamiro utilizava para marcar o tempo, falava de modo sincero, sem mover uma linha do rosto, dizia manso e com clareza, como se não houvesse dúvidas na resposta, para que calcular o tempo?

A única resposta que fugiu dos três meses e... foi o tempo que não utilizava qualquer tipo de droga, “um ano e quatro meses”. Vai ao Caps apenas às segundas-feiras, para pegar os remédios da semana, por isso não tínhamos nos encontrado antes. Mas ainda não realizou o sonho, que resta àquele homem de 50 anos, receber de volta a guarda das filhas, únicas que omite o sobrenome.

– Emily e Vitória, ponto, sem complemento.

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PARA SEGUNDA QUESTÃO, TENHO UMA RESPOSTA?
Maria Aparecida, a irmã de Lázaro.
Sempre cuidou dele, como do filho, hoje com um emprego informal; entregador de pizza. Quando Lázaro demora a chegar ou passa do horário, Maria nem dorme, fica preocupada por ele estar deitado em alguma calçada ou ter sido atropelado, é uma preocupação materna. Porém, agora quem está precisando de ajuda é ela, está com câncer e são frequentes as viagens para o Hospital do Câncer, em Barretos-SP. Foram cinco desde então, a última na companhia de Lázaro, já que o filho não podia faltar ao novo emprego.

Manter a sobriedade é a missão de Lázaro, agora com a chance de retribuir os anos de cuidados da irmã, que mora na casa da frente ou o irmão que mora ao fundo, como quiser. Ora ou outra, ainda dá uns goles na cachaça, como conta seu Israel entre gargalhadas aos companheiros. Foi no fim de semana, o período mais difícil para os internos, à volta para casa, à solidão, que muitas vezes encontra refúgio nos bares da vida. “Ainda bebo”, confessa Lázaro, “a pinga é desgramada”. Bebe menos agora; é o que todos dizem. Mas os delírios pararam, os delírios, as loucuras, o ponto mais crítico do alcoolismo.

A outra irmã mora em Brasília, o irmão mais novo em Lagoa Formosa, para onde planeja voltar, “lá não tem 10% dos bandidos daqui e é planinho”. Assim Lázaro busca o equilíbrio da vida, em um lugar plano e sem a tontura da bebida. Seguir reto e ajudar a irmã, que tem o nome escrito no papel em letras de fôrma, irregulares.

– Sim, se quiser seu Lázaro, se sentir melhor assim, diz Lorena.

– Também quero escrever, diz seu Cleto.

E escreve, não Júnior, mas Cleto, como seu nome, em um dos desenhos na parede da “Biblioteca”. Sim! Pensava no filho.

– Que sentido faz isso? Isso é para retardado? – Brada seu Alexsandro.

SILÊNCIO TOTAL. Nunca ouvi aquele homem falar, está sempre cabisbaixo, mal olha para o lado, agora questiona Lorena de modo tão grosseiro. Continua.

– Que música feia!

Era apenas um toque suave, uma canção instrumental, com som de águas correntes. Não era das piores, claro que não se tratava de um Beethoven, Chopin ou Mozart, meus companheiros de noites vazias. Ouvir música clássica é um remédio para a alma. Ali estirado na cama, com aquela melodia que penetra a pele em uma viagem para fora deste mundo. Mas era a opinião daquele homem: a música era ruim.

Lorena permanecia calada, olhei duas ou três vezes em sua direção, e quanto mais olhava, mais parecia irritada. Um princípio de desgosto já apontava no bico que tinha nos lábios, sobrancelha baixa e testa franzida. Agora a canção deixava de ser apenas som e repetia as frases do papel: sinto muito, te amo, me perdoa…

[CONTINUA]

Nota: nessa correção dei-me conta que o Capítulo 7 parece desconexo, pelo corte gigantesco que realizei na história. De Aujamiro pulo bruscamente para Lázaro, cheguei a pensava que se tratavam da mesma pessoa, creio que não, também descrevi Aujamiro como um homem negro, também não tenho certeza disso. Aos que não leram os últimos capítulos, tudo parecerá ainda mais esquizofrênico. Para amenizar, imagine que tudo se passa na sala “Biblioteca” e narro as ações e recordações de cada um.

Instagram: @gustavo_rubim
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FICHA CATALOGRÁFICA

RUBIM, Gustavo Pereira. Anônimos; entre a vida e a bebida, histórias interrompidas pelo álcool/ Gustavo Rubim – Patos de Minas: EDITORA, 2019, 116 p.

Capa: Gustavo Oliveira
Diagramação: Gustavo Oliveira
Fotografia: Gustavo Rubim
Revisão: Profª Ms. Regina Macedo Boaventura/ Profª Sintia A. Pereira da Silva
Orientadora: Profª Ms. Regina Macedo Boaventura

1. Livro. 2. Livro-reportagem. 3. Alcoolismo. Jornalismo Especializado I - Centro Universitário de Patos de Minas. Fundação Educacional de Patos de Minas, Patos de Minas, 2019.


* Gustavo Rubim, 22 anos, brasileiro, jornalista pelo Centro Universitário de Patos de Minas, Unipam - Brasil. Mestrando em Integração Latino-americana pela Universidade Nacional de La Plata, UNLP - Argentina. Vive em La Plata - Argentina.

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