A pandemia, o fechamento do comércio e o Coletivo Juntos Somos Mais Fortes

Por Esequias Caetano


A COVID-19 não chegou sozinha. Junto dela, veio o medo: medo da doença em si, do que ela pode fazer a nós e àqueles que amamos e do que as medidas necessárias para conter a doença podem provocar na economia, inclusive, a nível individual – muitos brasileiros não almoçariam amanhã se não trabalharem hoje.

Tudo isso somado às mensagens confusas vindas de nossas lideranças políticas, que ignoram por desconhecimento ou negligência as diretrizes dos achados científicos sobre como esmagar a curva da doença para retomar o crescimento econômico da maneira mais rápida possível, que não se esforçam para corrigir e combater mensagens falsas e teorias conspiratórias que circulam na rede, acaba criando uma situação caótica em que quase ninguém realmente tem um norte claro sobre como agir.

A Tempestade Perfeita
Nestas condições, existe mais confusão do que resolução de problemas. Obviamente isso tem consequências. Os jovens vão para as baladas (clandestinas), os bares abrem sem os cuidados necessários, as pessoas vão às ruas sem máscaras e não fazem a higienização de forma adequada, muitos até colocam máscaras, mas as utilizam de maneira inadequada e assim por diante.

Os efeitos desse caos, obviamente, se traduzem no aumento do número de casos de COVID-19 e no prolongamento da crise ao longo do tempo. Diante disso, mais pessoas adoecem, o sistema de saúde chega mais perto de colapsar, o medo das pessoas aumenta, as pessoas ficam com mais medo de consumir e os agentes políticos se veem pressionados a fechar o comércio, por um lado, e a reabrir o comércio, por outro.

Existe saída?
O médico brasileiro Ricardo Parolin Schnekenberg, doutorando do Departamento de Neurociência da Universidade Oxford e membro da Equipe de Resposta à COVID do Imperial College de Londres, discutiu em profundidade o assunto em uma entrevista ao Nexo Jornal, publicada em 26 de junho de 2020. Em suas palavras, o limite da capacidade do sistema hospitalar brasileiro é muito baixo, e mesmo que seja ampliada, só teríamos leitos suficientes caso todas as medidas de controle sanitário fossem aplicadas em conjunto e mantidas por alguns meses.

Sua afirmação é coerente com os achados do estudo The effect of large-scale anti-contagion policies on the COVID-19 pandemic, publicada na Nature Resarch em 8 de junho de 2020. Os autores fizeram a compilação de dados de 1.717 intervenções realizadas em cidades da China, Coréia do Sul, Itália, Iran França e Estados Unidos. Os resultados indicaram que, na ausência de qualquer intervenção, as infecções cresceriam 46% por dia, em média, nos seis países. Mostraram também que as estratégias mais efetivas para controlar o vírus foram aquelas que combinaram se isolar em casa, trabalhar em casa, colocar viajantes em quarentena, fechar escolas e templos religiosos, proibir viagens e aglomerações de qualquer tipo.

Locais que implementaram estas intervenções obtiveram maior êxito no controle do problema. O controle rápido da situação permite a retomada da economia, já que o problema não se prolonga indefinidamente no tempo. Com o comércio podendo retomar gradativamente suas atividades, as pessoas puderam voltar a trabalhar e ganhar seu dinheiro. Sem o clima de incerteza que o descontrole da doença gera, os consumidores provavelmente ficam mais seguros para ir às compras e gastar, o que obviamente movimenta o comércio. Do mesmo modo, menos pessoas doentes significa mais pessoas economicamente ativas, o que também gera movimento. Note: não estou falando de mortalidade.

Como tornar a situação mais leve, ao menos?
Situações complexas exigem respostas complexas. Isso significa que não há uma única forma de tornar tudo mais leve. Cada pessoa se beneficiaria de estratégias diferentes, que se apliquem à sua realidade. Nos artigos “Covid-19: seguindo a vida diante da avalanche de informações” (Patos Notícias) e “Psicólogo de Patos de Minas dá dicas para lidar com a ansiedade durante a pandemia de COVID-19” (Clube Notícias) já comentei sobre algumas. Hoje, porém, quero falar sobre algo que está na base da maior parte das medidas que nos ajudariam a passar por momentos difíceis: a conexão e o suporte social.

Falo a partir dos dados apresentados no manuscrito The Social Regulation of Emotion, de James A. Coan, publicado no livro The Oxford Handbook of Social Neuroscience. O que o pesquisador explica é que a percepção de suporte social – de que temos apoio para enfrentar um momento difícil – modifica o funcionamento de diversas regiões cerebrais associadas à regulação das emoções, levando por exemplo a menor atividade da amigdala e do cortex cingulado anterior, áreas relacionadas a ativação das emoções. Além disso, o suporte social parece nos ajudar a nos acalmarmos sem demandar ativação do cortex-pré-frontal, região associada ao processamento cognitivo, o que pode explicar aquela sensação de que é mais fácil se não estivermos sozinhos.

Mas isso não é novidade para a maioria de nós. Quase todos já tiveram a experiência de experimentar alguma redução no sofrimento quando se tem o apoio de alguém. Talvez por este motivo surgiu o grupo Juntos Somos Mais Fortes, em Patos de Minas.

O Coletivo Juntos Somos Mais Fortes
Criado em meados de março de 2020, o coletivo conta com um grupo no Whatsapp e com um perfil no Instagram. No whatsapp, os participantes trocam ideias sobre ações coletivas, pedem e oferecem ajuda e divulgam iniciativas individuais que podem beneficiar o grupo e pessoas externas a ele. No perfil do Instagram são divulgadas as ações promovidas pelos membros do Juntos Somos Mais Fortes, entre os quais se encontram profissionais autônomos, pequenos e médios empresários.

Conversando com Alessandra, uma das idealizadoras do projeto, eu soube que a iniciativa surgiu espontaneamente à partir da união de pessoas que se viram em uma situação difícil e incerta por causa do fechamento do comércio em Patos de Minas. Eles se juntaram para se apoiar mutuamente com ações que vão desde indicação de clientes, suporte jurídico, contábil, psicológico e de marketing, até apoio a grupos mais vulneráveis que, diante da pandemia, não tem condições de arcar com despesas básicas de sobrevivência.

Qualquer pessoa pode entrar no Juntos Somos Mais Fortes. Ao entrar, é possível contribuir com o trabalho do grupo e obter apoio daqueles que estão ali para não precisar enfrentar sozinho a crise. Quanto mais pessoas envolvidas, melhor.

Naturalmente, não basta participar do grupo no whatsapp e seguir no instagram para experimentar os benefícios psicológicos de fazer parte de um coletivo como este. É preciso se envolver ativamente nas atividades e discussões promovidas pelo Juntos Somos Mais Fortes. Sem esse envolvimento, não há a criação da conexão social necessária para que você se sinta apoiado no enfrentamento da COVID-19 e da crise financeira. Conexão demanda iniciativa e abertura. Se for muito difícil para você, você pode buscar por apoio psicológico.

Esequias Caetano é Psicólogo (CRP 04/35023), especialista em Psicologia Clínica (ITCR/ Campinas) e pós graduando em Neurociências e Comportamento (PUCRS/ Porto Alegre). Contato: ecaetano@ellopsicologia.com.br

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