As memórias paturebas a seguir, precedem a brilhante carreira literária que lhe renderia 22 publicações, quatro formações acadêmicas e premiações diversas que se seguiriam fora do solo patente, porém não teriam o mesmo impacto se Jô não tivesse as vivido em Patos de Minas.
Josina Nunes Drumond é a penúltima filha a nascer dos 18 irmãos, dos quais cinco fazem parte do primeiro casamento do pai. Em Patos de Minas, ela viveu com a família numa chácara na Rua Teófilo Otoni. Cursou o primário na Escola Estadual Marcolino de Barros e o restante dos anos escolares na Escola Estadual Professor Antônio Dias Maciel, que na época se chamava “Escola Normal Oficial de Patos de Minas”.
Guiomar Nunes / Acervo Fenamilho |
Ela conta que aprendeu a nadar por meio das aulas de natação realizadas no Patos Tênis Clube (PTC), e afirma que também frequentava partidas de futebol de salão e vôlei no mesmo local. Com o vôlei, ela gosta de lembrar das torcidas organizadas durante os campeonatos anuais entre os colégios.
Ainda criança, ela não perdia nenhuma edição dominical do programa das crianças transmitido pela ZYB4, a famosa Rádio Clube de Patos. A atração era apresentada às 10h, pelo radialista Patrício Filho e vez ou outra, Jô participava cantando, quando tinha dez ou onze anos de idade.
O autoritarismo de Padre Almir
Outra lembrança dominical se deve às missas celebradas pela manhã na Catedral de Santo Antônio na Avenida Getúlio Vargas, frequentadas, na ocasião, pela alta sociedade patense. "Era um verdadeiro desfile de modas e as madames se esmeravam na aparência", afirmou Drumond.
Atrelada a esta recordação está a figura do Padre Almir, nas palavras de Jô Drumond, um pároco conservador ultrarradical, de fala contundente e mordaz, que impunha a fé pelo temor e constantemente colocava os patenses em maus lençóis expondo e escancarando tudo aquilo que ele considerava errado.
Segundo Jô, após assumir o posto, agindo com uma austeridade quase medieval, o vigário provocou mudanças substanciais na paróquia e já foi logo separando arbitrariamente homens e mulheres, mudando a posição dos bancos da catedral.
"Ele colocou várias fileiras nas laterais do altar, formando um semicírculo. Reservou essa área nobre, mais próxima de si, para os homens, dos quais não mais podiam permanecer ao lado de suas esposas e filhas. Tinham melhor campo de visão, melhor audição e maior concentração", relembrou.
Os vestidos das mulheres deveriam cobrir os joelhos. Decotes e golas curtas era algo inimaginável no recinto. Para estas, entrar na igreja sem véu, missal ou sem o devido decoro, resultaria na expulsão imediata, pois o Padre Almir, em pessoa, vistoriava a ala feminina antes do início da missa.
Ordalina Vieira Arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho |
Da Escola Normal, ela guarda as melhores recordações possíveis. Começando pelo uniforme, que incluía uma "boina azul, sapatos e meias pretos, camisa de fustão branco, de mangas compridas, com punho em azul marinho, combinando com a gravatinha da gola de marinheiro".
As colegas foram sempre as mesmas durante sete anos, sob a tutela da professora Dona Filomena de Macedo Melo. Após a formatura o grupo se dispersou. 1/3 foi para BH, 1/3 para Brasília e o restante ficou em Patos. Com o advento da Internet, elas se reencontraram virtualmente e passaram a promover eventuais encontros presenciais em Patos de Minas, Belo Horizonte e Brasília.
E por fim, o nascimento da paixão perene pela França e pela literatura que a seguiria pelo restante da vida, originada por influência da ilustre Dona Ordalina Vieira, idolatrada e considerada por Jô a melhor professora que já teve em toda sua vida.
Aos 11 anos ela começou a estudar francês e civilização francesa com "Ordalinda", como gostava de chamá-la. Para os olhos de criança de Jô, a mestra era uma fada com "seus vestidos esvoaçantes e saias rodadas, presas à cintura de pilão, que farfalhavam sobre anáguas engomadas".
Com olhar esperto e sorriso sempre aberto, Ordalina fez com que Jô e as colegas praticamente percorressem o Museu do Louvre, o Palácio de Versailles, os Castelos do Vale do Loire e diversos pontos turísticos franceses, por meio das aulas. "Ela era comunicativa, alegre, simpática, divertida, carismática, e evoluída, uma mulher além de seu tempo".
No primeiro mês de aula com a professora, Jô soube que ela faria aniversário e pediu para que a irmã Francisca lhe ensinasse a recitar algum poema em francês. Ela passou um dia inteiro treinando o texto do parisiense Mme E. de Pressensé e durante a surpresa, recitou os versos tremendo. "Dona Ordalina abraçou-a longamente e chorou".
Infelizmente no ano de 1963, uma mudança na grade curricular do ensino fundamental fez com que os quatro anos obrigatórios do francês caíssem pela metade e Drumond foi privada dos dois anos que ainda estudaria com Ordalina Vieira. Hoje, as disciplinas francesas foram abolidas da educação pública.
De Patos de Minas a Paris
A paixão de Jô Drumond pela França não iria se esvair com tanta facilidade. Ao completar 18 anos, ela entrou para a faculdade de Letras da UFMG para graduar-se no idioma do Velho Mundo. Foi aí que ela deixou Patos de Minas, pois ainda não existia nenhuma faculdade na cidade para que ela continuasse a estudar.
"Pouco antes de me mudar, eu me lembro de assistir à aula inaugural da futura Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, nas instalações do Colégio Marista, onde ela funcionaria, inicialmente. Naquela época, quem quisesse continuar os estudos, tinha que se mudar".
Jô lamenta ao recordar que muitos contemporâneos que saíram da cidade para estudar, ingressaram no mercado de trabalho em outros locais e não retornaram a Patos de Minas. Sua família se mudou para Belo Horizonte, e felizmente, ela não perdeu nenhum semestre entrando diretamente para a faculdade.
Aos 21, ela começou a colher os frutos do esforço e paixão pela literatura francesa e ganhou uma bolsa de estudos da Universidade de Sorbonne, em Paris. Ela voltou a receber bolsas em mais três ocasiões e até se graduou em Littérature, Langue et Civilisation Françaises pela Université de Nancy.
Ao chegar em Paris pela primeira vez, Jô conta que se deslumbrou. “Quase tudo em Paris é magnificente. Posso resumir minhas primeiras impressões em temor, emoção e deslumbramento: Temor, porque transporia o oceano sozinha, pela primeira vez, sem nunca ter viajado de avião. Emoção, porque, por diversas vezes, tive a sensação do “déjà vu” em Paris. Era como se eu já tivesse estado em certos lugares e presenciado certas cenas”.
A vasta produção acadêmica e literária
Ela lecionou francês em Ouro Preto, onde conheceu o primeiro marido Marcelo Gonçalves Drumond, com quem teve as filhas Juliana N.V.G. Drumond, mãe de Danilo e Guilherme, e Andreia N.V.G. Drumond, mãe de Sarah e de Sophia. Em seguida mudaram-se para Vitória, no Espírito Santo, onde ainda reside.
Drumond divorciou-se na década de 80 e casou-se novamente com Antônio de Pádua Reis e Silva. De lá pra cá, Jô fez outras duas graduações, sendo uma delas em Artes Plásticas, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e desde então, divide a paixão da literatura com as belas-artes.
O currículo de Jô Drumond é gigantesco, além das quatro graduações, ela também possui pós-graduações em Literatura (UFES) e Arte e Cultura Barroca (UFOP), mestrado em Estudos Literários (UFES), doutorado em Comunicação e Semiótica (PUC/SP) e pós-doutorado em Literatura Comparada pela UFMG.
Como escritora, ela lançou 17 livros individuais, num entremeio de contos, crônicas, ensaios e poesia. Organizou outros três livros e traduziu duas obras poéticas do francês para a língua portuguesa. Na internet, colabora semanalmente com o portal Acontecendo Online e redige o próprio blog. Em Patos de Minas, volta e meia colabora com o jornal impresso Folha Patense.
As aulas da Dona Ordalina Vieira se transformaram em realidade após o desembarque de Jô Drumond em solo francês. A escritora chega a considerar tal país como sua segunda pátria. Quando a pandemia passar, ela planeja lançar o livro bilíngue de poesias "Poemáqua" em Paris. O trabalho de poemas e aquarelas é dedicado à sua mestra favorita.
Entretanto, por mais que ela resida em Vitória, a primeira pátria da escritora seria a amada Patos de Minas, local para onde ela sempre sonhou em retornar. Drumond planejava voltar para a cidade após se aposentar, mas desistiu do sonho devido aos netos.
"Não conseguiria ficar longe deles, mas volto com frequência ao Alto Paranaíba e ao Triângulo Mineiro, pois tenho muitos familiares em Patos de Minas, Guimarânia, Patrocínio, Coromandel, Araxá, Uberaba e Uberlândia", concluiu.
9 Comentários
Ela não disse, mas vou dizer, mesmo não a conhecendo muito, eu sei, ela como o Poeta, tem "...o coração maior que o Mundo..."
ResponderExcluirTem mesmo.
ExcluirAlém de ter o coração maior que o mundo é muito inteligente, perspicaz e litalmente faz arte com as palavras!
Suas narrativas em contos, poemas e livros nos prendem do início até o final.
Sempre me delicio lendo Jô Drumond.
Super recomendo!
Amiga posso imaginar sua busca atravéz do tempo por conhecimentos mil traduzindo ao nosso viver o seu saber inquestionável ,com trabalhos infindos e super gratificantes ...
ResponderExcluirÀs vezes fico pensando que pessoas como o padre Almir não deveriam ser tão sérias quando ninguém estava olhando... geralmente é assim.
ResponderExcluirIsso aconteceu no Colégio Arquidiocesano, em São Paulo, onde o Irmão Plácido - que nome casto! - foi um dia pego em atitudes pecaminosas com um aluno. Discretamente foi mandado para bem distante...
Jô é uma artista singular: talentosa, produtiva e generosa!! Belíssima trajetória!!
ResponderExcluirTENHO MUITO ORGULHO DE VOCÊ! QUERO ESTAR PRESENTE NO LANÇAMENTO DO SEU LIVRO EM PARIS! É... IREI SIM!!!
ResponderExcluirAlém de todos os talentos que nossa querida Jô Drumond tem, também pertence ao Clube do Livro de Vitória onde sempre tem uma participação muito ativa . A ela os parabéns e abraço carinhoso de todas as associadas.
ResponderExcluirMuito talentosa! Uma escritora e tanto! Um ser humano inigualável!
ResponderExcluirJo, sua trajetória é esplêndida!
ResponderExcluirObrigado por comentar!