Quase uma Santa Casa da Misericórdia...
Por José Eduardo de Oliveira
“ANTÍGONA: Ninguém poderá me acusar de não cumprir um piedoso dever.” Sófocles
Neste dia 18 comemoram-se 90 anos da inauguração do Hospital Regional “Antonio Dias”, inaugurado no dia 18 de julho de 1930.
Recentemente a imprensa patense noticiou a fundação de uma Santa Casa da Misericórdia em Patos de Minas. Notícias de construção de hospitais são sempre alvissareiras, sobretudo em tempos de pandemias.
Desta feita, recordei-me que Patos de Minas no início do século XX quase já teve a sua Santa Casa da Misericórdia, que acabou se transformando no Hospital Regional “Antônio Dias” de Patos de Minas.
Nada a lamentar.
Pois, neste brevíssimo proêmio desejo apenas ressaltar, que no presente o atual Hospital Regional a despeito de suas dificuldades de toda a ordem, seus problemas, suas mazelas e seus dilemas e inúmeros detratores – inclusive neste período de pandemia, onde nem ele e nenhuma instituição de saúde pública estava preparado para essa tragédia-, durante estes últimos 90 anos, no meu ponto de vista, superou em muito o que seria uma Santa Casa de Misericórdia de gênese portuguesa, em todos seus os aspectos. A História destes noventa anos de atendimento hospitalar à comunidade Patense e toda a região ainda está para ser contada, uma história, não só das vidas que foram salvas e dos doentes que foram curados, mas de médicos, enfermeiros e funcionários dedicados e que alguns, pelo seu denodo e amor à profissão, possuem histórias que beiram à santidade por suas obras e suas nobres ocupações de salvar vidas e curar pessoas de todas as classes sociais. Eu mesmo sou testemunha, eu e toda minha família recebemos atendimento médico-hospitalar neste histórico e glorioso Hospital, e para encerrar esse exórdio, minha neta nasceu ali.
A ORIGEM DAS SANTAS CASAS DA MISERICÓRDIA
No contexto histórico europeu, do fim da Idade Média e o fortalecimento das cidades e paradoxalmente o aumento da miséria, pobreza urbana e surtos constantes de pestes, sob a invocação de Nossa Senhora, Mãe de Deus, Virgem Maria Mãe da Misericórdia, um grupo de leigos e um frade trinitário, sob a chancela imprescindível da Regente de Portugal, D. Leonor (1458-1525), foi fundada no dia 15 de agosto de 1498, a Santa Casa da Misericórdia em Lisboa. Já existiam em toda a Europa irmandades muito parecidas, inclusive em Portugal, e que talvez por sua vez, tenha se inspirado em alguma instituição, sobretudo de Florença, mas doravante, criou-se um modelo caritativo novo e mais abrangente.
Diferentemente de outras ordens terceiras, irmandades e confrarias religiosas do Império Português inclusive do Brasil, que prestavam assistência principalmente aos seus associados, a Santa Casa ou Casa de Caridade, de um profundo espírito religioso e caritativo, em suas obras tinha como finalidade atender aos pobres e desvalidos, católicos, independente de sua etnia, gênero ou nacionalidade.
Em seus estatutos iniciais, que variavam os números de irmãos da mesa diretora, de região para região, constavam de sete obras espirituais: ensinar os ignorantes, dar bom conselho, castigar com caridade a quem erra, consolar os infelizes, perdoar a quem nos ofendem, sofrer as injúrias com paciência e orar a Deus pelos vivos e pelos mortos; e as sete obras corporais: resgatar cativos e visitar os presos, curar os enfermos, vestir os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber ao que têm sede, dar pousadas aos peregrinos e pobres, enterrar os mortos. Outras obras que também executaram foram: cuidar das crianças expostas, garantir dotes para moças sem recursos e sem máculas, além de recolhimentos femininos, colégios para órfãos além de hospícios para alienados e gafarias. Nem todas as Casas de Caridades conseguiram executar todas essas obras, algumas, sobretudo no Brasil, apenas “curaram os enfermos”, em seus “Hospitais da Caridade”, o que foi uma das obras, talvez a maior e a mais premente, sobretudo no passado e até aos dias de hoje.
As Casas da Misericórdia, não surgiam do nada, ou como no caso português, mas suas criações foram impulsionadas pelas casas reais, ou Casas de Câmaras e elites e/ou potentados de vilas e cidades do Império Português e as receitas para suas fundações eram inúmeras inclusive, concedidas de rendas que eram para o Governo. Muitas se iniciaram através de rendas e benefícios e imóveis de testamentos, aliás, os legados foram uma constante fonte de recursos, sem contar as esmolas e doações de seus próprios membros. Mais tarde criaram-se loterias.
Com a expansão comercial e marítima, os portugueses levaram com eles a criação das Santas Casas da Misericórdia para todo seu império, além do Brasil, foram criadas na África, Índia, China, Ceilão, Malaca e outros lugares, muitas de duração efêmera.
No Brasil, apenas para se ter uma ideia, a primazia de fundação tem sido dada à que foi criada em Santos, em 1543 ou a de Olinda que disputa por ter sido criada entre 1539 e 1540, a de Salvador, 1549, a de Vitória, em 1551, Olinda de Ilhéus, década de 1560, Rio de Janeiro, 1582. No século XVII, elas continuaram sendo criadas, como a de São Paulo, c. 1605, mas no século XVIII, com exceção da de Ouro Preto, criada em 1735-1738, poucas outras surgiram como misericórdias de fato. Entretanto, nos séculos seguintes, se espalharam por Minas e por todo o Brasil.
A MEDICINA EM PATOS ANTES DO HOSPITAL REGIONAL, EX- SANTA CASA DA MISERICÓRDIA
Pensei inúmeras vezes em não escrever sobre este assunto, não que ele deixasse de ser relevante, mas porque depois de pesquisar alguns autores e autoras que escreveram sobre esse assunto e outras fontes, quase conclui que provavelmente não acrescentaria nada de novo sobre os projetos de uma Casa de Caridade em Patos de Minas que acabaram se transformando no atual Hospital Regional. E que o que seria mais interessante deveria ser a História do Hospital Regional de 1930 aos dias atuais. Depois, com otimismo, pensei que o que eu acrescentasse sobre o que já escreveram, talvez fosse importante, para alguém ficar inspirado e escrever alguma coisa mais consistente.
A verdade é que até 1930, Patos de Minas, ainda não tinha um Hospital, e infelizmente, outras partes do Brasil, a despeito das inúmeras Santas Casas, espalhadas por seu imenso território, ainda careciam dessa importante instituição. E não foi por falta de incentivo dos governos e nem das comunidades.
A questão da saúde pública continuava praticamente a mesma, onde não tinha Santa Casa, os pobres e viajantes, às vezes contavam com a caridade de algumas irmandades, que apesar de não tratar deles, às vezes por misericórdia e por ato caritativo lhes davam um enterro cristão. Os mais favorecidos tinham tratamento em casa por médicos e cirurgiões particulares, situação que chegou até ao século XX. E acontecia de um ou outro médico prestar algum atendimento a quem não podia pagar, mas o resto se valia de boticários, curandeiros, raizeiros e charlatães.
Ficando apenas em Minas Gerais, que em outros estados não foi diferente, e pesquisando sobre a história da saúde, a situação sempre foi precária desde o século XVIII. Falta de médicos, remédios e hospitais foram a regra e não a exceção. Como já citei, pode-se dizer, que em Minas no setecentos, tivemos de fato, apenas a fundação de uma Santa Casa em Ouro Preto, fundada oficialmente em 1738, e que mudou várias vezes de lugar e que aos trancos e barrancos existe até hoje. No século XIX, outras surgiram, a de Belo Horizonte, capital desde 1897, seria fundada em 1899.
E um fato curioso, segundo o Jornal, A Ordem (Ouro Preto, 25.01.1890), no ano anterior, no dia 18 de junho de 1889, “foi inaugurada na cidade do Carmo do Paranaíba uma Santa Casa de Misericórdia, ali fundada a esforços de generosos e distintos cidadãos, à frente dos quais se colocaram os Srs. Dr. Antônio Zacharias Álvares da Silva...”... E que “...no respectivo hospital está prestando desinteressadamente seus serviços médicos, e ainda, com caridade exemplar, fornece grátis remédios e dietas a enfermos.” E que funciona lá até hoje. Um detalhe, Dr. Antônio Zacharias (1847-1905), foi o primeiro médico a residir em Patos e havia sido nos dois anos anteriores, Presidente da Câmara Municipal de Patos, até que mudou-se para o Carmo.
Assim, com a saída do Dr. Antonio Zacharias, a situação aqui se agravou, inclusive, parece que a nossa cidade ficou sem médico nenhum, o Jornal, “O PHAROL”, de Juiz de Fora, nº 249, de 24/04/1902, publicou o seguinte, “AOS MÉDICOS – A cidade de Patos não tem médico e o povo reclama a presença de um. O que para lá for ganha dinheiro, na certa.”
E também, segundo o site da Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio, foi inaugurada em 7 de setembro de 1938. E no convite para a inauguração consta: “...a Santa Casa é o fruto laborioso de sua gente trabalhadora e empreendedora, que tudo faz para ver a sua terra grande, próspera, feliz, cheia de conforto para o bem comum da humanidade.” Também está em exercício até hoje.
Entretanto, parafraseando, o ex-presidente da República Washington Luiz, que governou de 1926 a 1930, “A saúde pública era um caso de política”, mas as leis eram feitas, mas nunca eram cumpridas.
Com no início do século XIX, era público e notório a precária situação de atendimento hospitalar no Brasil, o imperador D. Pedro I (1798-1834), acabou por decretar a Lei de 1º de Outubro de 1828, que dava mais autonomia para as Câmaras Municipais de todo o Império, e em seu artigo 69, estipulava que elas, “Cuidarão no estabelecimento, e conservação das Casas de Caridade, para que se criem expostos, se curem os doentes necessitados, e se vacinem todos os meninos do distrito, e adultos que o não tiverem sido, tendo Medico, ou Cirurgião de partido.” Letra-morta!
Dez anos depois, no dia 2 de Maio de 1839, Bernardo Jacintho da Veiga (1802-1845), governador da Província de Minas Gerais (1838-1840 e de 1842-1843), sancionou uma lei que em síntese preconizava: “É permitida a ereção de um Hospital de Caridade em todas as Cidades e Vilas, que ainda estiveram privadas deste benefício. (...) As Câmaras promoverão subscrições pelos habitantes dos seus Municípios para a construção ou compra dos edifícios indispensáveis, e para os fundos das despesas dos ditos Hospitais...”. Letra-morta!
Depois de uma lei imperial e outra provincial, passemos a uma lei de âmbito municipal, e como Patos ainda era uma vila desde 1866, mas de fato, desde 1868, a Resolução, entretanto, veio de cima, assinada pelo então presidente da Província de Minas (1876), Francisco Bonifácio de Abreu, o Barão da Vila da Barra (1819-1887). De acordo com a Resolução Nº 2367, de 12 de julho de 1876, que são as Posturas da Câmara da Vila de Patos: “Sobre a Educação e Casa de Caridade. Art. 157. A Câmara, logo que puder, estabelecerá uma casa destinada a recepção de expostos para depois serem distribuídos por amas. Haverá na casa uma roda de expostos, uma ama de leite para amamentar os meninos, enquanto não forem dados a quem os crie...”. Na verdade, a obrigação de cuidar de expostos, ou crianças enjeitadas pelos pais e abandonadas nas rodas dos expostos, até o século XVIII, eram obrigações devidas às Câmaras Municipais, posteriormente além delas, algumas Casas da Misericórdia ficaram com essa incumbência. Aqui, também letra-morta!
Dezenove anos depois, quando o Brasil já era uma República, desde 1889, no dia 14 de maio de 1895, e três anos depois da Vila de Patos ter se transformado na cidade de Santo Antonio dos Patos, o Agente Executivo, Major Jerônimo Dias Maciel (1831-1906), que além de ter sido boticário ou farmacêutico, foi o primeiro presidente da Câmara Municipal da Vila de Patos de 1868 a 1873 e depois de 1895 a 1906, quando foi o signatário da Lei Nº 17 de 14 de maio de 1895, o Estatuto Municipal do Município de Santo Antônio de Patos, que trás como sendo atribuições da Câmara, “Capítulo VI, Dos serviços municipais”, em seu “Art.14. A inspeção dos cemitérios, hospitais, ...” e em seu “Art.29. São serviços municipais:”, inciso, “27. A fundação de hospitais para doentes pobres, asilos para mendigos, casas de maternidade para parturientes pobres e outros estabelecimentos de beneficências...”. Letra-morta!
O hospital só seria fundado 35 anos depois. E por uma ironia do destino, teria o nome de seu irmão, Antônio Dias Maciel (1826-1910) e quem foi por assim dizer, o benemérito e que se destacou dentre tantos, e quem possibilitou a concretização da ideia e a sua inauguração foi o seu sobrinho, Olegário Dias Maciel (1855-1933), que inclusive o inaugurou, no dia 18 de julho de 1930, como presidente do Estado de Minas Gerais (1930-1933).
E neste ínterim, vem a luz, vem a água encanada, a educação, a urbanização, o comércio, menos o hospital. Mas este florescente burgo nunca ficou totalmente desassistido. E de acordo com Oliveira Mello, Geraldo Fonseca e Giovanni Roncalli Ribeiro, além de vários farmacêuticos, e desde 1886 com a vinda do Dr. Antônio Zacharias Álvares da Silva, o primeiro médico da Vila, vários outros médicos aqui trabalharam. Com destaque para o baiano Dr. Eufrásio José Rodrigues (1873-1957). E depois, os primeiros médicos naturais daqui, primeiro em 1913, Dr. Adélio Dias Maciel (1889-1953) e depois em 1914, Dr. João Borges Júnior (1886-1980).
Roberto Capri, em sua publicação, “O Município de Patos de Minas”, de 1916, registrou que aqui atuavam os seguintes médicos: Dr. Eufrásio José Rodrigues, Dr. Adélio Dias Maciel e João Borges Júnior; os farmacêuticos: Agenor Dias Maciel, João Gualberto Amorim Júnior, Wagner Correa, Aurélio Theodoro de Mendonça e os dentistas: Afonso Borges, Lindolfo Nogueira, Osório Correa da Costa, Bernardino Correia da Costa e José de Ulhôa Mello.
Dr. Eufrásio |
Dr. Adélio |
Dr. João |
Fotos: Roberto Capri, 1916
O SONHO DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA E A REALIDADE DO HOSPITAL REGIONAL
Se em 1916 ainda não tinha um hospital em Patos, entretanto os sonhos e os projetos para que isso se concretizasse estavam em andamento e como veremos, brotaram no ano de 1906.
E pelas fontes que possuo, a primeira menção ou pelo menos o primeiro apelo que não partiu dos legisladores, para que isso acontecesse veio através do médico baiano, Dr. Eufrásio José Rodrigues que para aqui se mudou no início do século XX. Natural de Salvador, onde em 1549, foi fundada talvez a mais sólida, organizada e importante Santa Casa da Misericórdia do Brasil desde os tempos coloniais e ainda hoje em funcionamento: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Então ele tinha uma boa referência.
Dr. Eufrásio desde 1905 já colaborava com alguns artigos no primeiro Jornal de Patos, “O Trabalho”, onde assina como “Dr. E. Rodrigues”, e foi aí, no dia 9 de Dezembro de 1906, em seu número 4, do ano 2, página 1, na matéria, “Rabiscos e Sinecuras”, depois de fazer diversas observações sobre os diversos problemas da cidade, exorta: “Agora dizemos nós, para aqueles que querem iluminações, automóveis, carros de praça etc., preferimos um serviço de desinfecção, um pequenino hospital, ...”.
Quase dois anos depois, no mesmo jornal, “O Trabalho”, de 29 de março de 1908, em seu número 55, do ano III, página 1, no artigo, “A Casa de Caridade”, ele faz nova e mais séria admoestação: “Em nosso País mesmo, a História das epidemias nos traz páginas desastrosas. Que será de uma população como a de Patos se não tiver um hospital, quando a varíola, o cólera ou a febre amarela vier visita-la?- Morrerão todos porque foram imprevidentes, ou porque tiveram dó de gastar um pouquinho de dinheiro em favor daqueles a quem a mesquinha fortuna vai retendo escassamente no centro da penúria. É preciso que nos unamos todos em uma cristalização de ideias, e fundemos uma Confraria de Misericórdia, para a aquisição de uma Santa Casa; se esta [não] nos servir de utilidade, servirá para algum de nossos filhos, cuja sorte não podemos prever.” Este mesmo texto seria publicado novamente no Jornal “Cidade de Patos” do dia 18 de abril de 1915, sabe-se lá para quê!
Mesmo Patos não sendo um deserto seu clamor foi ouvido. E segundo depoimentos escritos dos mesmos autores que citei acima, Oliveira Mello, Geraldo Fonseca e Giovanni Roncalli Ribeiro Caixeta, incluindo os de Dilson Abel Pacheco e Risoleta Maciel Brandão, estes dois últimos de 1980, quando do quinquagésimo aniversário do Hospital Regional, o jornal “Cidade de Patos” – que infelizmente não tive acesso -, noticiou o início para a realização do sonho do Hospital de Caridade.
Nas palavras de Giovanni Roncalli Ribeiro na Revista ALPHA, nº. 9, 2008, p. 74, que tomei a liberdade de transcrever por ser a síntese mais completa destes acontecimentos, relatou que: “Em fevereiro de 1915, o semanário ´Cidade de Patos´ anunciava a ideia da construção de uma Santa Casa de Misericórdia. Foram os líderes desse movimento os médicos Dr. Adélio Dias Maciel e Dr. João Borges, os farmacêuticos Agenor Dias Maciel e João Gualberto de Amorim Júnior e o cônego Getúlio Alves de Meio. Por sugestão do Dr. Adélio, comitês foram formados na cidade e nos distritos, chegando a ser fundado, no papel, o Hospital Santo Antônio. O capitão José de Santana, o major Gote (Sesóstris Dias Maciel) e o senhor Zacarias Albino fizeram a doação de um terreno, sendo iniciadas as obras em 1920. Foram utilizados todos os recursos do caixa conseguidos até então, contribuições da Câmara Municipal, de dona Etelvina Maciel e outras senhoras, além de materiais da antiga Igrejinha do Rosário, demolida no ano anterior. - Por falta de financiamento, as obras foram paralisadas até que Olegário Maciel, vice-presidente do Estado, ocupando a presidência devido à ausência de Raul Soares, retomasse a sua construção, em 1924. Três anos depois, diversos materiais que já estavam armazenados em Patos foram levados para o hospital de Barbacena, pela força política dos Andradas. Em 1929, por intermédio de Olegário Maciel, então no Senado Mineiro e Dr. Adélio Maciel, na Assembleia Legislativa, o presidente Antônio Carlos destinou, com diplomacia, novas verbas para o término do hospital.”
E sobre estes mesmos acontecimentos, o interessante é que o Hospital ora aparece como Santo Antônio, o Padroeiro da cidade, ora aparece como Casa de Caridade ou mesmo Casa de Misericórdia. Abaixo transcrevo parte de uma série incompleta de jornais e outros documentos que tratam da construção do Hospital até cerca de 1930. Desde já, agradeço ao Prof. Altamir Fernandes de Sousa que me forneceu grande parte destes documentos e que contribuíram para que eu cometesse essa transgressão escrita.
Uma das primeiras manifestações impressas, que possuímos aqui, sobre a concorrida e importante reunião do dia 21 de Fevereiro de 1915, para a Fundação da Casa de Misericórdia foi através do Jornal, “O Grito”, do dia 22 de Março de 1915, foi uma matéria assinada e cheia de otimismo e o espírito das velhas Casas da Misericórdia e que dizia o seguinte: “HOSPITAL S. ANTONIO – Como se sabe trata-se nesta cidade da fundação de uma Casa de Misericórdia. – Foi esta alevantada ideia movida por sentimentos de caridade e de amor aos desprotegidos da sorte, sentimentos estes que exornam sobremaneira as qualidades morais dos promotores de tão edificante empreendimento. – Ninguém negará aplausos francos a esta grande obra humanitária, a maior que esta cidade poderá se ufanar de possuir. – Ali encontrará o nosso irmão pobre, o pão quotidiano para satisfazer-lhe as exigências do organismo debilitado pela miséria, os medicamentos para lhe minorar as dores até então sofridas com resignação: os sacramentos para tranquilizar-lhe a consciência deturpada pela falta de assistência espiritual. – Não basta porém que de braços cruzados aplaudamos a ideia, aguardando a realização da mesma; preciso é que cada um de nós se compenetre do grande e impreterível dever do amor ao próximo e trabalhe esforçadamente, seja angariando esmolar, seja promovendo festas em benefício do hospital, como representações teatrais; quermesses etc. – Para tanto contamos em nosso meio, moços inteligentes, capazes de desempenhar papeis que no drama, quer na comédia. – Proporcionaremos deste modo ao público, algumas horas de gozo, contribuindo ao mesmo tempo para a construção rápida do prédio destinado aos nossos irmãos pobres. – Quanto às quermesses, ficarão a cargo das nossas caridosas senhoritas, que temos hábeis costureiras, exímias bordadeiras, consumadas desenhistas, que não se negarão, para fim tão louvável, a oferecer uma prenda ou melhor, vende-la pessoalmente. Assim, serão em breve satisfeitas, as ardentes aspirações do povo essencialmente altruísta desta cidade, - Se terá ou não bom acolhimento?...é ideia do Jademiro Gomes.”
Outra avaliação do que foi a reunião do dia 21 de fevereiro e os seus resultados, foi a que apareceu no Jornal, “O Riso”, do dia 10 de abril de 1915, p. 1, que apesar de não ser assinada, era público e notório que o responsável foi o jornalista Alfredo Borges (1878-1940), que comenta de forma crítica e exacerbada, em uma longa matéria os eventos iniciais sobre a fundação do Hospital ou Casa de Caridade, : “CASA DE CARIDADE – Irá avante este louvável empreendimento? - Em vista dos diligentes cidadãos que se acham à sua frente, da enorme concorrência que houve à reunião que aqui se realizou aos 21 de fevereiro no Cinema Magalhães, onde se deram os primeiros passos a respeito, era de se crer que assim em breve acontecesse. – No entanto, nós apesar de nos acharmos ao lado daqueles que vêm pugnando para levar à realidade a fundação do Hospital de Santo Antônio, já nos sentimos, não desanimados, visto como em prol da grandiosa ideia havemos de trabalhar animados até [ao] final, mas um tanto duvidosos, um tanto descrentes... – De fato, em consideração às diminutas quantias com as quais os nossos capitalistas, comerciantes e boiadeiros, etc., abriram as subscrições, que, pelo Comitê Central, lhes foram apresentadas, podemos afirmar, ainda que sentidos, tão cedo não teremos Casa de Caridade, tão cedo essa nossa justa aspiração não será satisfeita. – Sim, porquanto angariar donativo, tirar esmolas para a edificação dum prédio, por singelo que seja, não é o mesmo que pedir auxílios para a construção dum pequeno jardim, para a construção duma pequena linha telefônica, porque com estes se gastam 2 a 3 contos e com aquele 30, 40 e mais. E no entanto, o povo desta terra, assim não compreendeu. - Tanto é assim que os nossos mais fortes capitalistas, causa-nos admiração, subscreveram-se apenas, com 100$000 [cem mil réis], o que ora nos faz perguntar-lhes – Essa quantia é a primeira prestação? Sendo as demais feitas mensalmente, durante um ou dois anos consecutivos e de conformidade com as condições de casa um? - Desse modo é que devíamos proceder. Pois, se somos deveras caridosos, se alimentamos com sinceridade em nossos corações esta sublime virtude cristã, e não ignoramos o quanto é mister em toda a cidade uma Santa Casa, onde os desvalidos, os desprotegidos da sorte se abrigam, porque não distribuímos com eles, o que para nós as mais das vezes é supérfluo?!...- Porventura ignoramos que, quem dá de coração ao pobre empresta a Deus, a juros de cento por cento? – Ou somos um povo indiferente? – Não! Estamos certos que não! – Houve, apenas, má compreensão do que se tratava. – Façamos, então, como em Dores, onde o Rvmo. Vigário, abriu a primeira subscrição com a quantia de 5:000$, seguindo diversos outros cavalheiros com 2:000$ [dois contos de réis], e 1:000$, quando iniciaram a construção da nova Matriz. – Procedamos de igual modo e havemos de ver, com satisfação, em um curto espação de tempo, o nosso louvável empreendimento coroado de êxito. – Há no município capitães, donde se podem tirar, um, dois até cinco contos sem o todo sofrer o menor abalo. Avante, pois, senhores capitalistas, comerciantes, boiadeiros e ricos fazendeiros, reformemos as quantias subscritas, tenhamos mais caridade para com os pobres e menos amor ao nosso dinheiro. – Que as nossas palavras não sejam ditas no deserto e que os 50$ e 100$ sejam logo transformados em 1:000$ e 2:000$, são os votos sinceros do O RISO.”
A descrença, a falta de perspectivas com a saúde no Brasil e em Minas particularmente, era geral na Primeira República (1889-1930), o fim da Primeira Guerra (1914-1918) e depois com a Gripe espanhola (1918), alguma coisa tinha de ser feita, infelizmente aqui, não é possível discorremos sobre todos os eventos destes anos, mas direi mais uma ou duas palavras. Neste mesmo e conturbado período, sobretudo com a mudança da Capital de Ouro Preto para Belo Horizonte em 1897, e a construção de sua Santa Casa de Misericórdia e todas as outras dependências de especialidades ligadas à saúde e os seus desdobramentos, inclusive a Faculdade de Medicina (1911), além das mudanças não só dos paradigmas em tratamentos e pesquisas, mas de profundas mudanças na forma de tratar e pensar a Saúde Publica, principalmente a partir de 1918. E é nesse momento, por exemplo, que os governos federal e estadual começam a construir e regionalizar os hospitais, além de olharem com mais atenção para o interior do País, sobretudo com a criação dos serviços de profilaxia rural. (CHAVES, 2011, P. 50) Aliás, beneficiando, Patos, e que, “Graças à interferência do eminente personagem [Carlos Chagas], a 19 de março de 1924, instalava-se o ´Posto de Profilaxia Rural’ em Patos.” (BRANDÃO, 1981, P. 127)
Mas a insatisfação era reinante não só nos pacientes, claro, mas também das autoridades ligadas à medicina. Relatarei somente um desses casos, e que não deixa de estar relacionado com o brado do jornalista d´O Riso, Alfredo Borges. Quando o médico sanitarista Belisário Penna (1868-1939), que sempre discursava de forma acirrada, como por exemplo: “´Minas é, sob o ponto de vista da precariedade de saúde, do definhamento da raça e da pobreza dos seus habitantes, o mais infeliz dos estados da federação (...) incrível o descaso ou a indiferença dos governos estadual e municipal de Minas pela sorte de seus filhos, e mais inacreditável ainda é esse abandono criminoso (1918)´. Penna salientava ainda que Minas Gerais é um lugar onde se deu mais importância ao boi e ao porco que à saúde de sua população.” (CHAVES, 2011, P. 49)
Entretanto, a campanha de arrecadação, para a Santa Casa de Caridade, estava em andamento, como nos mostra o Jornal “Cidade de Patos” de 11 de Abril de 1915, na página 1, “SANTA CASA – Consta que o Prof. Oscar Rodarte, está promovendo para o dia 21 deste, uma bela festa infantil que se realizará no Cinema Magalhães em benefício da Casa de Caridade. – Nesta cidade, segundo estamos informados, já montam a perto de 6 contos de reis os donativos angariados para a fundação da Santa Casa. - O Comitê Central, avisa, por nosso intermédio, às Exmas. Senhoras que fazem parte dos Comitês dos distritos que devem promover o mais rápido possível subscrições populares cujo produto deverá ser recolhido mensalmente à Tesouraria do mesmo Comitê.”
De qualquer forma, alguns patenses contribuíam de uma forma ou de outra, como nos mostra o Jornal “Cidade de Patos” de 2 de maio de 1915, na página 2, é publicada uma carta do Prof. Oscar Rodarte, onde ele “...agradece desvanecido as palavras que a ´Cidade´ se referia às festas que se fizeram, em 21 e 22 do corrente, em auxílio ao hospital de ´S. Antonio´.”
E no mesmo Jornal e na mesma página, aparece: “SANTA CASA – Comunica-nos o Sr. Cap. João Gualberto de Amorim, tesoureiro do Comité encarregado de angariar donativos para a fundação da casa de misericórdia nesta cidade já se acharem [em] seu poder as seguintes importâncias:- Importância entregue pela Exma. Sra. Georguetta Maciel, e recebida na lista a seu cargo até 25 de abril – 740$000. – Importância do produto líquido da festa dada em benefício do Hospital, pelo Prof. Oscar Rodarte recebida do Dr. Albergaria em 28 de Abril de – 211$700. – Importância do benefício oferecido pelo circo de touros, e recebida do Dr. João Borges em 9 de abril – 162$500rs. – Importância recebida pela Exma. Sra. D. Olímpia Caixeta de Mello, na lista a seu cargo – 30.000rs. Total 1:144.200rs.”
E parece que o apelo instigante feito pelo jornal “O Riso”, surtiu algum efeito, nem tanto pela qualidade, mas pela quantidade, de doadores, e no dia 16 de Novembro de 1915, publicaram uma lista de contribuições para o Hospital S. Antônio, e pasmem, os doadores são de Carmo do Paranaíba: “Hospital S. Antônio – Vieram em nosso auxílio, para a construção de nossa Casa de Caridade, mais alguns caridosos Srs. Moradores em Carmo do Paranaíba – Aristheu Caetano, 10$; João Caetano, 10$; Horácio Araújo, 10$; Francisco Carlos da Silva, 10$; Dr. Ferreira de Mello, 10. – Na antiga lista de D. Lina Borges, assinaram e pagaram os seguintes Srs.: - Paulo Gomes, 5$; Bernardino C. da Costa, 5$; Augusto Borges, 5$; Vicente P. de Andrade, 5$.”
Apesar de escrever este artigo com apenas amostragens documentais e séries totalmente incompletas, é de se supor que esse tipo de contribuição dos carmenses e de patenses, tenha ocorrido em todo o período em questão, como podemos ver impresso no mesmo Jornal “O Grito”, do dia 31 de Abril de 1916: “Hospital S. Antônio – Para a construção da nossa Casa de Caridade, que brevemente virá preencher uma sensível lacuna em nosso meio, concorreram os seguintes senhores, moradores em Carmo do Paranaíba: Pe. Gregório Lombraña, 20$; Francisco Cherubim Vargas, 10$; Jovino da Costa Sampaio, 10$; Azarias José da Silva, 10$; Braz Domingues de Araújo, 10$; Ananias Antônio de Menezes, 10$; Dr. Leôncio F. de Melo, 10$.”
Um ano e três meses depois do lançamento da campanha para a fundação do Hospital de Misericórdia, uma extensa matéria anônima de primeira página aparece no Jornal, “Cidade de Patos”, do dia 21 de maio de 1916: “Para quando ficará o Hospital de misericórdia? Será para as Kalendas gregas, ou para os idos de maio dos Romanos? – Há mais ou menos um ano, um grupo e moços, cheios de aspirações, com a alma repleta de sentimentos santos, lançou em Patos a ideia da fundação de um Hospital de Caridade. Esta ideia correu célere por toda a cidade; fizeram-se reuniões, a eloquência abriu as suas comportas, os oradores falaram sobre a caridade, os Padres trovejaram nos púlpitos acerca da caridade, as damas correram pressurosas a angariar donativos, mas como tudo passa neste mundo, passou também o espasmo caritativo do povo de Patos.(...) A eloquência dos Padres, evolou-se nas abobadas do santuário (...) e por último as próprias damas despiram seus ricos vestidos domingueiros, feitos expressamente para festas de caridade e a fundação do Hospital, junto com sua irmã de leite a cruz Vermelha das Damas, passou para o rol das cousas esquecidas. (...) A miséria porém, fede e fede muito, as chagas aí são deletérias, senhoras que estão habituadas a respirar perfumes, não podem permanecer por muito tempo no antro da desgraça. Aí só descem habitualmente pela calada da noite, o padre e o médico pela estrada de espinhos de seus silenciosos sacerdócios. E a caridade vai-se como veio, o homem entrincheira-se de novamente atrás do seu egoísmo e de seu indiferentismo; e a humanidade caminha enquanto a mesquinha fortuna vai retendo escassamente no centro da penúria, os gafados pela doença e pelo contágio, perambulando pelas ruas na triste profissão de pedintes. Como seria belo, ao lado dos grandes edifícios destinados à instrução e à municipalidade, termos um destinado à caridade! – Ao lado do Fórum que é o santuário das leis, termos o Hospital que é o dos grandes devotamentos, onde os pulsos recomeçam a bater, onde as frontes recomeçam a pensar. (...) Se nos edifícios públicos tremula ´o auriverde pendão de minha terra que a brisa do Brasil beija e balança`, porque não desejar que tremule nas ameias de um estabelecimento de caridade em nossa terra o pendão da misericórdia? Na escala da perfectibilidade do sentimento na passagem do egoísmo para o altruísmo, a caridade que se exerce em proveito de uma só [é] insuficiente para remediar a situação aflitiva de milhares, é um sentimento bem primitivo comparativamente a este outro que existe encarnado nas almas benfazejas que fundam os hospitais, lugares onde se dá tréguas a desesperação, onde os combalidos se revigoram, onde os enfraquecidos se temperam.” Palavras, pungentes e eloquentes, que conjecturo, tenham sido escritas pelo baiano, Dr. Eufrásio José Rodrigues, ainda mais depois da citação do poema de Castro Alves, “o auriverde pendão de minha terra que a brisa do Brasil beija e balança” ...
Apesar dessas palavras um tanto poéticas, mas prenhes de descrenças, e de acordo com o livro, “Uma História de exercício da Democracia” (2006, p. 2004), “O vereador Eufrásio José Rodrigues apresenta projeto, na sessão de 18 de setembro [1916], autorizando o Agente do Executivo a auxiliar a construção da Casa de Caridade nesta cidade, com a quantia de 5:000$000, que deve ser entregue, de uma só vez, à comissão Construtora.” E em tempo, este laborioso e dinâmico médico, além de ter sido médico, cronista e rábula, foi também vereador na Câmara Municipal de Patos de Minas, em quatro legislaturas, de 1916 a 1926.
Teriam os patenses desistidos de sua Casa de Misericórdia? Não creio, não todos, e não podemos nos esquecer, que o mundo está em guerra desde 1914 e assim permanecerá até 1918. E, além disso, com o fim da Primeira Guerra Mundial e talvez por causa dela, uma outra iria continuar, sem sangue, mas com uma mortandade talvez cinco vezes maior e que já foi estimada em cerca de 100 milhões de mortos, a guerra contra a Gripe Espanhola. E nem Patos de Minas e nem lugar nenhum ficaria livre desse mal e desse medo que assolou o Mundo, como sói acontecer com as pandemias, como essa que estamos vivenciando hoje, essa terrível COVID-19, que provavelmente, como a Gripe Espanhola, servirá como marco, para repensar novamente a questão da saúde pública brasileira, para estes momentos inesperados. Pois como nos alertou Dr. Eufrásio em 1908: “Que será de uma população como a de Patos se não tiver um hospital, quando a varíola, o cólera ou a febre amarela vier visita-la?- Morrerão todos porque foram imprevidentes, ou porque tiveram dó de gastar um pouquinho de dinheiro em favor daqueles a quem a mesquinha fortuna vai retendo escassamente no centro da penúria.” [grifo meu]
No entanto, outra prova cabal de que a intenção de construir a Santa Casa ainda andava, ou se arrastava é que em 1917, foi elaborado um projeto da fachada da futura Santa Casa da Misericórdia, em cujo frontão do majestoso edifício seria estampado: Sancta Domus Misericordiae (Santa Casa da Misericórdia).
Fotos – José Eduardo de Oliveira e João Otávio Coêlho
Giovanni Roncalli Caixeta Ribeiro, no Informativo Laudo, da Associação Médica, n. 9, de dezembro/2014, nos diz que: “No último mês, chegou ao Centro de Memória ‘Dr. Adélio Maciel’ uma planta (fachada) da Santa Casa de Misericórdia de Patos de Minas. A descoberta se deve ao arquiteto Rogério Pina, irmão de nossa colega Maria Cecília Piau, aos quais agradecemos por gentilmente cederem uma cópia para o nosso acervo. Quem admira o desenho, exposto no nosso museu, fica impressionado com a beleza e a pujança da obra imaginada pelo arquiteto Octaviano Lapertosa, de Belo Horizonte, que assinou a autoria do projeto em novembro de 1917.” Otaviano Lapertosa (1889-1944), que assinou o projeto em Belo Horizonte em novembro de 1917, foi um arquiteto italiano que trabalhou na nova Capital de Minas e foi um de seus construtores a partir de 1910. (SOARES, 1997, P. 136-7). Biagio Polizzi (1871-1944), outro italiano que também assina o projeto, seria o construtor da obra. (Idem, p. 209) Uma pena este projeto não vingar, pois seria um dos mais belos edifícios de Santas Casas de todos que já vi.
Um outro fato curioso, é que esse arquiteto e também industrial, Otaviano Lapertosa, requereu junto à “Câmara Municipal de Patos”, na sessão de 19 de fevereiro de 1936, concessões e incentivos para “organizar uma sociedade para montagem de moinhos, cultivação e exploração da lavoura de trigo neste município”. (OLIVEIRA MELLO, 2006, P. 236). As concessões foram feitas neste mesmo ano e a Cia. Moinhos Minas Gerais S/A., funcionou perfeitamente, mas em 1944, Lapertosa faleceu e a empresa tomou outros rumos. (DANNEMANN, 2016)
Entretanto, e voltando ao nosso Hospital, uma questão continua uma questão: quando se iniciaram as obras da Santa Casa que seria o futuro Hospital Regional? Acredito que só um estudo mais acurado e específico em outros jornais e documentos, Cartórios, Atas da Câmara Municipal etc., a partir de 1916 poderão esclarecer melhor. E outras: quando paralisaram? Quando recomeçaram? Por exemplo, sabemos que o terreno para a construção do Hospital foi doado. Quando? Essa doação foi registrada em Cartório? A Comissão Construtora, obviamente possuía registros de receitas despesas, onde se encontra isso? A Câmara Municipal desse período interferiu até que pondo, além das verbas? Infelizmente com essa pandemia, não nos foi permitido pesquisas fora de minha biblioteca e minha quarentena.
O que eu tenho aqui e já foi citado, é que em 18 de Setembro de 1916, Dr. Eufrásio, "apresenta projeto, autorizando o Agente do Executivo a auxiliar a construção da Casa de Caridade nesta cidade, com a quantia de 5:000$000, que deve ser entregue, de uma só vez, à comissão Construtora.” Foi repassado?
Geraldo Fonseca (1927-1995) também menciona que, com a demolição da Igreja do Rosário, “...como era de grande importância o término da construção da Santa Casa de Misericórdia, o material foi desviado para aquela obra.” (1974, p. 97)
Risoleta Maciel Brandão (1910-2009), em sua emocionante comunicação sobre o “Cinquentenário do Hospital...”, de 1980, revela que depois das doações dos lotes, “Empregou-se, nesta arrancada, todo o dinheiro em Caixa e os materiais – pedras e madeirame – da Igrejinha do Rosário, demolida em 1919.” Mas na verdade a Igreja do Rosário foi demolida em 1920. E também, nos diz que, as obras paralisaram, restando apenas, “em sossego os alicerces (...) e logo sumido no capinzal”, mas não diz quando, e que, “Em 1924 o caso voltou à tona (...) Em pouco, reiniciava-se a construção. A ´Santa Casa de Misericórdia`, conforme chamam-na, expandiu-se em acréscimos, alarga-se em amplas dimensões, contando com gordas verbas estaduais obtidas por Olegário Maciel, na ocasião, vice-presidente do Estado, em exercício.” Entretanto, “Dado ao esgotamento das ditas verbas, foram suspensos os trabalhos. Não obstante Olegário na presidência do Senado Mineiro (1926-1930) e Adélio Maciel (...) na Assembleia Legislativa, em Belo Horizonte, uma corrente contrária agiu (...). E toda aquela barafunda de fios elétricos, ladrilhos, azulejos, banheiras etc... – já aqui de antemão armazenada, - tomou o rumo de onde viera, sendo desviada para o Hospital de Barbacena. Corria 1927. Mas acontece que, em torno da esfera política gravitam mundos e surpresas, e, em 1929, (...) Voltaram à carga com o projeto, desta vez, numa investida animadora. (...) aproveitando a base já curtida de tanto esperar. Da Capital brotaram engenheiro, construtor, técnico, mestre-de-obras, pedreiros e toneladas de materiais. O certo é que no final do quatriênio do govêrno Antônio Carlos, (1926-1930), pudemos contemplar o sonho convertido numa realidade.”
Seria interessante, em outra ocasião, um cotejo, do pronunciamento de Risoleta Maciel Brandão, com o “Levantamento das Leis e Decretos Estaduais Referentes a Patos de Minas no período de 1893-1930.”, feito por Galba Ribeiro Di Mandro em 1971. Dentre as leis e decretos estaduais que levantou, duas leis e cinco decretos, de 1920 a 1930, tratam de verbas destinadas ao agora Hospital Regional. Antes, porém, quero corroborar o que Risoleta Maciel Brandão escreveu sobre a presença de Olegário e Adélio Maciel nas esferas do Governo Estadual na década 1920. Realmente, Olegário Dias Maciel (1855-1933), foi quatro vezes governador, ou presidente, como diziam naquela época, do Estado de Minas Gerais, como vice-presidente em exercício, três vezes em 1924 e uma vez em 1926, e de fato eleito, de 1930 a 1933. Foi também Deputado Provincial, Estadual e Senador Estadual. Adélio Dia Maciel, Deputado Estadual de 1919 a 1930 e de 1934 a 1937, e Agente Executivo ou Presidente da Câmara, o equivalente hoje a Prefeito, de 1918 a 1926, e claro, médico.
Abaixo intercalarei as leis e os decretos na sequência temporal, para se ter uma ideia das verbas ou possíveis verbas para o Hospital de 1920 a 1930.
A primeira Lei de Nº 798 de 25/09/1920, “Orça a receita e fixa a despesa para o exercício de 1921 nº 33: auxílio ao Hospital Regional de Patos no valor de 2:000$000.” Note-se, que aqui o Hospital, não é mais Santa Casa da Misericórdia, nem Casa de Caridade, nem Hospital Santo Antônio, mas sim Hospital Regional de Patos de Minas.
“Decreto de Nº 7321 – 24/08/1926 – Abre crédito especial de 150:000$000 para a conclusão da construção e instalação do Hospital ´Olegário Maciel`, na cidade de Patos”. Aqui, o Hospital, já muda de nome e aparece como Hospital “Olegário Maciel”.
“Decreto de Nº 7938 – 27/09/1927 – Abre créditos especiais para ocorrer [sic] a despesas a cargo de secretaria da Segurança e Assistência Pública. 91:910$000 para pagamento de despesas realizadas com a compra de materiais para construção do Hospital ´Olegário Maciel´, da cidade de Patos, em 1926.”
“Lei de Nº 1016 – 03/08/1928 – Dispõe sobre a abertura de créditos especiais (200:000$000 para pagamento da conclusão das obras de construção do Hospital Regional ´Olegário Maciel´ na cidade de Patos).”
“Decreto de Nº 8738 – 30/08/1928 – Abre um crédito especial de 200:000$000 para ocorrer às despesas com a conclusão das obras do Hospital Regional de Patos.”
“Decreto de Nº 9641 – 25/08/1930 – Dá a Denominação de ´Coronel Antônio Dias Maciel´ ao Hospital Regional de Patos.” Aqui, depois da inauguração, o nome definitivo ou quase.
“Decreto de Nº 9665 – 02/09/1930 – Abre um crédito especial de 259:626$540 para ocorrer a despesas com a instalação de custeio do Hospital Regional de Patos.”
E, também alguns fatos curiosos que aconteceram nesta trajetória, curiosos e lamentáveis, mas infelizmente corriqueiro em nosso País, mesmo em se tratando da construção de um Hospital ou de uma Santa Casa da Misericórdia, aliás, que também aconteceram em muitas delas de cá e de lá do Atlântico.
Estes fatos foram transcritos de jornais de 1925 e 1927 e relatados por Altamir Fernandes de Sousa, no Jornal “Folha Patense”, de 29 de maio de 1999.
O primeiro fato foi: “A primeira paralisação das obras aconteceu no longínquo ano de 1925, quando o Presidente (Governador) de Estado, Mello Vianna proferiu as seguintes palavras: ´quero que os dinheiros públicos sejam aplicados visando o interesse da collectividade e escrupulosamente gastos´; ´não basta construir, é preciso bem fiscalizar e conservar o que o Estado constroe, evitando, assim, que tão elevados dispêndios dos cofres públicos sejam mal aplicados, em obras imperfeitamente executadas.` O Jornal de Patos, em sua edição nº 32, de 03 de maio de 1925, afirmava que a ´suspensão das obras foi tomada por não estarem os empreiteiros cumprindo, escrupulosamente o contracto´.”
O segundo fato foi: “HOSPITAL REGIONAL DE PATOS - Pela segunda vez foram suspensas as obras da construção do Hospital Regional de Patos, custeadas pelo Estado. Da primeira vez, o motivo de medida tão extrema foi o governo verificar que o material, a mão de obra e tudo mais não obedeciam as exigências contractuaes. - Foi o que se soube. O facto é, que o serviço, foi suspenso e, depois de reiniciado, por administração directa do Estado, remodelado o que já estava feito e prosseguido sob uma orientação diferente da primitiva e obediente às exigências administrativas. - Agora, novamente, nova suspensão. - Por que? - Dizem alguns que não há verba pra sua conclusão, e, já estando esgotada a que era destinada para tal fim, o governo resolveu paralisar o serviço, até segunda ordem; outros, porém, os que sabem tudo, ou antes tudo lêem no ar, enchem a cidade de novidades e affirmam que há nos serviços do hospital irregularidades bastante lamentáveis. - Propositalmente ainda não procuramos ouvir o engenheiro desta circunscrição a respeito das causas motivantes de semelhantes medida; contentamo-nos em registrar o facto, para conhecimento do público, e nada mais. - É por este e outros motivos que lá fora, em Belo Horizonte, quando os homens do governo ser referem aos serviços públicos em Patos, dizem significativamente – AQUILO ALLI, É UM PROBLEMA.” (Transcrito por Altamir Fernandes, na íntegra, inclusive a grafia do Jornal de Patos, nº 116, de 23 de janeiro de 1927).”
E o terceiro fato foi: “HOSPITAL REGIONAL DE PATOS – PERFÍDIA E INFÂMIA - O Hospital Regional de Patos, construção de vulto que, há dois annos, está sendo feita nesta cidade, a expensas do Estado, é o attestado indestructível, levantado em pedra e cal, do pouco escrúpulo dos que têm estado à frente de sua administração, tanto assim que, já por duas vezes, devido às irregularidades nas obras, impropriedade do material empregado e, mais ainda, devo ao desvio clandestino da matéria prima alli accumulada e destrahida para construcções particulares, teve o engenheiro, Dr. Lauro Rodrigues Valle, de suspender os serviços, sob o fundamento de que o Estado vae sendo lesado, em polpudas importancias, já subindo a centenas de contos o que foi gasto, fora do primitivo orçamento, e extra-muros do monumental edificio. - Por esses motivos que, em qualquer parte do mundo, onde a moral ainda é uma força, o caracter, uma verdade, a consciência uma sentinella e a honestidade um patrimônio sagrado dos administradores públicos, por esses motivos, justamente, o Dr. Lauro Valle despertou aqui, entre os que parece, desejam que a sobras sejam continuadas sem fiscalização e sujeitas a todos os inconvenientes apontados pelo illustre profissional, uma animosidade tal que, para seu afastamento desta Cidade, não trepidam em descer à perfídia e infâmia mais soez, à intriga baixa e tendenciosa, à ameaça e pressão, physica e moral. O Dr. Lauro Valle, em seu relatório, diz textualmente que: ´examinando as obras do Hospital de Patos, verificou que não havia honestidade em sua construcção; que o material, estava sendo desviado para construcções particulares, nesta cidade; e que outros materiais ainda tinham sido dalli retirados pelos próprios fornecedores...´” (transcrito por Altamir Fernandes, na íntegra, inclusive a grafia da época, do Jornal de patos, nº 151, de 23 de outubro de 1927).”
De qualquer forma, no dia 18 de julho de 1930, o Hospital Regional seria inaugurado, depois de uma década e meia, ou seja, depois daquele magnificente 21 de fevereiro de 1915, quando a comunidade, homens e mulheres, jovens e idosos, enfim, patenses se reuniram no Cinema Magalhães não faziam a mínima ideia de suas jornadas. E quem sabe quando se tem um ideal? E isso importa?
O que importa é que depois de quase ser uma Santa Casa da Misericórdia, Casa de Caridade, Hospital “Santo Antônio”, Hospital Regional de Patos, Hospital “Olegário Maciel”, acabou plantando suas raízes, sólidas raízes, com um sobranceiro e forte tronco de 90 anos, marcado pela intempérie cruel e às vezes benéfica, cujo frondoso folhedo continua com a sua quase secular missão de salvar vidas e minorar as dores de todos os patenses, como Hospital Regional “Antonio Dias”.
Hospital Regional – Década de 30 - Foto Geraldo Fonseca 1974 |
Hospital Regional 2020 - Foto José Eduardo de Oliveira |
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José Eduardo de Oliveira é licenciado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. É autor de três livros, sendo o último "Bento Rodrigues: Trajetória e Tragédia de Um Distrito do Ouro", lançado em 2018.
7 Comentários
Quanta história, professor.
ResponderExcluirParabéns por este belo trabalho.
obrigado.
ExcluirPrimoroso professor, Parabéns
ResponderExcluirobrigado
ExcluirEspetacular. Muita história mesmo.! Parabens!
ResponderExcluirobrigado.
ExcluirBelo trabalho sobre a saga que foi a implantação do Hospital Regional de Patos de Minas. Apesar de apontados desvios de verbas e materiais ao longo de sua construção,somados a tropeços administrativos e longas interrupções, o artigo faz justiça aos idealistas que realizaram o sonho de amparar a saúde dos mais carentes da comunidade patense.
ResponderExcluirNotáveis as admoestações proféticas de um dêles,o Dr.Eufrásio Rodrigues, prevendo,no início do século XX, a ocorrência de pandemias(e como ocorrem!...).
Parabéns ao Hospital aniversariante e ao brilhante historiador.
Obrigado por comentar!