Nas sombras do devaneio

Por Mikael de Melo

Ante a bruma noturna que ilumina,
Ecoa-se ao longe sua presença.
E sob o gélido vento e a fria neblina,
Anuncia-se vagamente a sentença.

Reacende-se no cume do pensamento
O anseio íntimo e toda sacra prece
Que devolve, reconstitui e oferece
A condolência e o sofrimento
A todo homem que no escuro adormece.

Desacordado, sem vívido semblante,
Encontro-me em novo espaço, relutante.
A realidade lá fora torna-se insignificante.
Não há mais o que perder doravante.

Num estágio de profundo devaneio
Chego à gruta apreensivo, com receio.
Não sei, entretanto, como cheguei,
Mas sei porque vim e a que ele veio.

Aflora aos poucos a sensibilidade...
Sinestesia, coletânea de realidades!
Vivo sem questionar o que a mim aparece.

Ressignifico o que não se esquece
E tudo que observo é incrível
Potencializo o que me assombra e aborrece
Eu estou vulnerável e sensível!

Sensível à cor, sensível ao corte.
Sensível ao belo, à sorte, à morte.
Sensível à pele, sensível ao ensejo.
Sensível à queda, bem como ao desejo.

E então disse-me diretamente:
“Sou o resultado do teu eu consciente”.
Agi, portanto, indiferente.
Perante as sombras do humano,
Contestar a imaginação é ledo engano.
Aceito-a, dessa forma, passivamente!

Para ruir ao chão as catedrais,
Implodir o profano, o sagrado
E todas as experiências sensoriais,
De meus sonhos fui embriagado.
E deles banhei-me e fui saciado.
E através deles revi meus ancestrais!

Mikael de Melo é professor, ator do Grupo TUPAM e poeta. Graduado em Jornalismo, é ex-repórter da Rádio Jovem Pan.

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