O amarelo de setembro

Texto e imagem por Elza Maia


Em setembro as folhas caem. Pela manhã caminhei pela praça coberta de folhas esparsas das árvores, amareladas, desbotadas pelo sol, quando ia trabalhar. Em setembro faz calor. Ao anoitecer, já de volta, o vento toma conta, levanta poeira e refresca a canseira do dia. Em setembro as pessoas se movimentam. Dia a dia, recebo propagandas e divulgações de campanhas para o chamado setembro amarelo. Papo em pauta, tabus sendo discutidos enquanto sentada assisto o diálogo, uma cerveja na mão e na outra o meu jantar. Amanheceu, hora de mais uma vez fazer o caminho a mesma hora para o trabalho. Meio do mês, sento-me na praça com o folhetim da cidade no celular, leio para me distrair enquanto tomo um ar antes de começar a trabalhar. As folhas continuam caindo, as pessoas ziguezagueando como se não houvesse por aí uma pandemia, o que observo sem comentar a menos que seja para mim mesma na minha mente... Resguardo meu olhar de volta para a tela, notícias de morte, doenças, criminalidade e um relatório sobre a corrida eleitoral insensível a calamidade pública. Suspiro. O sol bate forte em meu rosto o suficiente para franzir a testa, olho para baixo e vejo o passado. Em setembro as lembranças aparecem ao olhar das cicatrizes. Assisto a rotina comum do centro da cidade, lembro-me de todas as vezes em que passei por estes mesmos caminhos, quase sempre uma pessoa diferente. Era dolorido, sufocante quase ao ponto de não continuar mais ao final da noite, mas essa incessante dor amenizou quando mais uma vez chegou setembro e já havia alguém para me ajudar. Quando vou trabalhar e vejo as folhas amarelas pego-me cogitando o que há no outro. Ali, vivendo a vida superficialmente regular. Em setembro, mês de folhas ao chão, a solidão dissipa aos poucos em que vozes conseguem atingir e lentamente desmanchar o silêncio do sofrimento. 23/09/2020, marca o calendário. Ainda é tempo. De se dizer que se pode falar.

Elza Maia é uma amante da escrita e aprecia colocar no papel os sentimentos da vida cotidiana. Futura psicóloga, pretende mesclar as duas paixões em uma.


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