Você é coronafóbico?

Por Caio Machado

Na semana passada, um amigo que eu não via a mais de uma década veio visitar os pais em Patos de Minas. Durante minha adolescência, costumávamos andar de skate pelas ruas da cidade, desbravando obstáculos com outros quatro amigos e até chegamos a inventar um nome para nosso grupinho.

Com o tempo nos separamos naturalmente. Um deles foi para São Paulo, outro para a França, e este amigo em questão, está morando em Brasília. Um deles continuou na cidade e na manhã da última terça-feira, me ligou convidado para relembrarmos os velhos tempos andando de skate na quadra do Bairro Boa Vista, com o visitante.

Eu faço o possível para não sair de casa devido ao vírus, mas como eu sabia que provavelmente não veria esse meu amigo de novo por um bom tempo, concordei com a ideia. Fomos para a “session” (nome dado aos passeios de skate) e revi meu amigo pela primeira vez desde o ano de 2010.

Aos nos reencontrarmos, ele quis me abraçar e eu recusei, oferecendo o cumprimento apenas com o cotovelo, um ato meio estranho que se popularizou devido ao distanciamento social. Ele aproveitou o momento para fazer uma piada dizendo: “temos um petista na rodinha”.

Eu acredito que meu amigo estava apenas fazendo troça, mas a brincadeira reflete o pensamento de muitas pessoas que ignoram o coronavírus. Sim, no país em que se morrem cerca de 1000 pessoas por dia, ser precavido é coisa de petista, comunista ou tudo aquilo que esteja à esquerda do bolsonarismo radical.

É até irônico constatar que o presidente conhecido por ser adepto à diversas fobias possíveis envolvendo minorias (e que em meio ao caos sanitário que assola o país, continue minimizando as 131 mil mortes provocadas pelo Coronavírus), não seja adepto da única fobia possível do momento: a coronafobia.

Uma pesquisa feita pela think tank Demos, no Reino Unido, ouviu cerca de 10 mil britânicos em relação às medidas de segurança tomadas para reduzir o contágio do Covid-19. O chocante resultado foi mais impactante e polarizador do que o próprio Brexit (acordo de saída do Reino Unido da União Europeia).

Duas a cada três pessoas que usam máscaras possuem atitudes negativas em relação a aquelas que não usam e 68% das pessoas que aderiram ao confinamento, desaprovam fortemente aquelas que quebras as regras. Não vou entrar em detalhes em relação ao Brexit, mas os interessados podem ler a reportagem do Telegraph na íntegra aqui.

Eu só queria exemplificar como a pandemia está criando um forte ressentimento entre as pessoas. Infelizmente eu acredito que em solo brasileiro, esta pesquisa teria surtido um efeito contrário e as pessoas que estão se cuidando, estariam sendo marginalizadas e enquadradas como antipatriotas ou provocadoras de falências alheias...

Na minha última crônica, de forma generalizada, citei que todo mundo possui um familiar que visita aquele parente, que com muita dificuldade, você havia convencido sobre o risco da pandemia. Logo, a pessoa acharia que você estaria inventando desculpa para não a ver ou exagerando, e todo o esforço seria em vão.

Uma prima minha vestiu a carapuça e veio se justificar dizendo que ela via a pandemia com outros olhos. Queria conseguir enxergar a morte de quase um milhão de pessoas com outros olhos também... Por fim, ela disse que não voltaria mais na casa de meus pais (que são idosos). Eu não respondi nada, mas gostaria de ter agradecido a ela.

Temos que colocar na balança se estamos dispostos a manter um climão com parentes jovens ou poupar a vida de entes queridos que fazem parte dos grupos de risco. Caramba... Acabei de demonstrar com estas últimas palavras que eu sou coronafóbico. E um dos incuráveis, inclusive.

Vale a pena diferenciar que na cabeça de um homofóbico, por exemplo, a existência de um homossexual fere a dele, e isso, como qualquer pessoa sensata sabe, é uma grande bobagem. Já para os coronafóbicos, a existência de um vírus altamente contagioso fere a existência de todos, inclusive a de preconceituosos e negacionistas!

Desde a minha infância eu sofro de motefobia, que por mais banal que pareça, significa simplesmente ter medo de borboletas. Atribuo isso a um quadro borboletário horripilante que meu avô Nery possuía na porta no quarto dele. Hoje a coronafobia disputa a cota dos meus medos com as lepidópteras.

Ao contrário das borboletas e mariposas (contanto que não se extingam), o Coronavírus pode desaparecer. E isso só irá ocorrer se mais pessoas se juntarem aos coronafóbicos. Não deixem a reabertura precoce do comércio confundir ninguém: a pandemia não acabou, e isto ainda está longe disso acontecer.


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