O encerramento das atividades do Esquizito Bar & Botequim

Por Caio Machado


O encerramento das atividades do Esquizito Bar & Botequim Eu pilotava minha moto numa manhã qualquer seguindo para a redação do Patos Notícias quando vi a fachada do Bar Esquizito na Rua Ouro Preto pela primeira vez. O ano era 2016 e eu lembro que aquele excêntrico lugar, assim como tantos outros naquela rua, me chamou a atenção por se assemelhar a um depósito de entulhos.

Dias depois, fiquei sabendo por intermédio de amigos que nas redondezas do cemitério havia um bar novo de nome “esquisito” que servia comidas saborosas. Não demorou que o burburinho aumentasse e o local ficasse muito conhecido no meio underground de Patos de Minas.

Escrevo em primeira pessoa, mesmo não sendo o cliente do Esquizito Bar & Botequim mais adequado para contar esta estória. Não consumo bebidas alcóolicas, então estive no recinto no máximo dez vezes enquanto o bar esteve aberto, pois também não tenho uma alma tão notívaga, ao contrário da maioria das pessoas.

Não me lembro quando visitei o Esquizito pela primeira vez, mas a efervescência cultural que o local carregava foi algo inesquecível para mim. Com móveis rústicos de estilos diversos, cabaças dependuradas, grafites de cores efusivas, que disputavam o escasso reboco, das também escassas paredes, parecia até que o bar tinha vida própria.

Nada mais natural que um lugar que respirasse tanta arte, ganhasse em proporção reduzida, o mesmo status que a Cantina do Lucas possui para a classe artística belorizontina dentro do icônico edifício Maletta, e se tornasse um certo tipo de reduto para os artistas da cidade de Patos de Minas.

Era praticamente impossível adentrar nas noites do Esquizito e não se deparar com cantores, grafiteiros, músicos, escritores, professores, dentre outros membros do pulsante underground patense, que se sentiam acolhidos pela atmosfera exótica e aconchegante daquele botequim.

Fiquei sabendo do encerramento do Esquizito por meio de uma publicação no Facebook do Professor de História Bruno Silva, em que ele lamentava de estar desmontando as coisas do bar, mas de certa forma, se orgulhava ainda mais por tudo que aconteceu naquele mágico ponto.

A história indireta do bar teve início anos 2000, quando os amigos Bruno César de Oliveira Silva e Edson Ned, conhecido como “Buiu”, trabalhavam juntos como marceneiros e vendiam móveis rústicos pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Santa Catarina.

Após a proibição da atividade ambulante por parte de diversas prefeituras das cidades em que trabalhavam, os marceneiros decidiram se afixar e Bruno foi parar na cidade de Vinhedo em São Paulo, e Edson foi para Cachoeira do Itapemirim/ES, onde permaneceram por uma década.

No tempo em que esteve em Vinhedo, Bruno cursou História para ocupar o tempo ocioso noturno e por infortúnio no negócio, retornou para Patos de Minas em 2015, onde certo dia enquanto andava pelas ruas da cidade, encontrou Buiu que também havia retornado após o negócio não prosperar.

Pelo fato de terem montado vários bares para clientes nos estados em que trabalharam, os amigos decidiram abrir o próprio negócio mesclando o interesse de ambos pela beleza do artesanato, com ares rústicos e semi-industriais que eles tanto admiravam.

Junto do irmão Helvis, Bruno havia comprado o famoso ponto comercial da Rua Ouro Preto que daria vida ao esquisito e boêmio recinto. “Decidimos comprar após o falecimento da antiga dona. Aquele lugar era uma tapera tão velha - assim como continua sendo -, que as paredes eram até construídas de adobe”, contou Bruno.

Em novembro de 2015, os amigos iniciaram de forma prazerosa, a reforma que se estenderiam pelos próximos meses. “Nos divertimos muito, pois fazíamos aquilo para nós mesmos. As vezes discordávamos de algo, pois artesanato é algo muito pessoal, mas nossa principal ideia era a de quebrar paradigmas”.

Bruno relata que a principal ideia era a confundir e chocar a galera da cidade, pois como relatei no primeiro parágrafo desta crônica, num primeiro vislumbre, não se sabe ao certo se aquele mosaico emaranhado de madeira, ferro e reboco se trata de um bar, assemelhando-se facilmente com um ferro velho ou algo que o valha.

A estranheza daquela arquitetura rústica, a baixa iluminação, as cores fortes de madeira e dos metais que a cercavam, ou seja, tudo aquilo que compunha a singularidade do recinto, bastaram para que ele fosse inequivocamente batizado de “Esquizito Bar & Botequim”.

Após sete meses de reforma, no dia 13 de maio de 2016, o botequim abriu as exóticas portas em Patos de Minas e como o dinheiro de Bruno e Buiu havia acabado, eles associaram com Maria Terezinha e Pamela Quínquio, mãe e ex-esposa do professor Bruno, respectivamente.

Bruno e Buiu dividiam o atendimento às mesas dos clientes, enquanto Pamela ficava no caixa. Maria Terezinha era a responsável pela cozinha e ficou famosa pela iguaria mais conhecida do Esquizito: um macarrão alho e óleo com bacon que ganhou o coração e paladar dos frequentadores do bar.

Uma das coisas que cativava os clientes era a ausência de cômodos que pela falta de portas e janelas, transformava os espaços em diferentes e aconchegantes ambientes. Pegando emprestado e modificando o poema de Vinícius de Moraes, era uma casa muito engraçada, feita com muito esmero, mal tinha parede, mas tinha teto.

Falando em paredes, o grafiteiro MV Cal deu ainda mais extravagância ao local após imortalizar com uma paleta vibrante de cores, os músicos Jim Morrison, Elis Regina, John Lennon, Cyndi Lauper, Raul Seixas, Belchior, dentre outros, no interior da tapera. Definitivamente, a marca registrada do Esquizito Bar & Botequim.

Música também era uma das tônicas que conduzia o fio das inusitadas noites naquele bar. As minúsculas caixinhas de som penduradas no teto do recinto anunciavam canções de rock, MPB, samba ou tudo aquilo que os clientes estivessem pilhados em escutar.


O ambiente não era muito grande e em noites de lotação, era natural ter que dividir as mesas, bancos e balcões com demais frequentadores, o que propiciava a aproximação das pessoas e a formação de novas amizade. Cliente assídua do Esquizito, a dentista Juliana Vilela Mota descreve o que mais gostava do bar do amigo:

“O Bruno é um grande amigo de infância, que para mim, além de muito querido, é superinteligente e um cara incrível. Quando ele voltou de São Paulo, onde morou por um tempo, me mandou uma mensagem dizendo que iria abrir um bar chamado Esquizito. Eu logo gostei da ideia e disse que o ajudaria levando alguns amigos para conhecer e hoje são todos amigos dele também, graças ao bar. A ideia de um lugar mais alternativo, com a pintura de ídolos do rock e um macarrão delicioso feito pela sua mãe Terezinha rapidamente conquistou a todos. Pouco tempo depois o bar já lotava, deixando muitas histórias, bons momentos e boas músicas. Foi um privilégio participar dessa história linda que o Esquizito nos proporcionou, ao lado de pessoas queridas e em especial, ao lado do meu grande amigo Bruno, que amo muito”.

Em todas as poucas vezes que visitei o Esquizito Bar & Botequim, uma figura que sempre esteve por lá e que mantinha forte amizade com Bruno, era o professor de literatura e fotógrafo de rua Agostine Braga, que por muitas vezes não deixou o recinto até que a última garrafa de cerveja fosse esvaziada. Nas palavras dele:

“Penso no Esquizito como algo que foi muito além de bar: como um ponto cultural alternativo de Patos. Antes de falar sobre a produção cultural que rolou ali, é importante lembrar que o ambiente em si já se configurava alternativo ou “esquisito”. Falo da arquitetura e da decoração ali presente.

Nesse aspecto, o Bruno e seus colaboradores iniciais (seu irmão Helvis e nosso amigo “Buiu”) deram ampla importância para as artes plásticas, de modo que a arquitetura, primeiramente, lidou com uma casa do tipo colonial, ao mesmo tempo em que seus muros são formados por biombos feitos de grades, portões, arames e outras parafernálias que, segundo o dono, vieram de um ferro-velho de Brasília. Ainda sobre a arquitetura, é bom lembrar que a apropriação da antiga casa (um prostíbulo periférico) manteve seu corpo básico, já muito destruído pelo tempo. O que mais me impressiona é que esse tipo de arquitetura daria uma ambiência um tanto soturna para o bar, porém o Bruno conseguiu quebrar isso fazendo uma parceria com o artista plástico Marcos (@mv.cal), que grafitou diversos ícones da música brasileira nas poucas paredes do bar, desenhos experimentais e bem coloridos. Ainda sobre os aspectos plásticos, além da arquitetura e da pintura, o bar também era composto por mobílias rústicas de muito bom gosto, feitas, em boa parte, pelo próprio Bruno; além de artesanatos, fotografias etc.

Pois bem, além dessa parte plástica, o Esquizito será sempre lembrado por mim e meus amigos pela ampla produção cultural que abarcou em nossa cidade. Falo das inúmeras apresentações musicais, dos debates acadêmicos e de outros eventos que, sempre, favoreceram a cultura marginal, intelectual, vária de Patos de Minas.

Por outro lado, ainda estamos falando de um bar, de um botequim, de uma bodega e, nesse sentido, o Esquizito também não decepcionava: a música que rodava ali era sempre a mais diversa possível, de modo que o bar sempre foi tolerante às diferenças, respeitando todo tipo de música e cultura. Outro ponto que vale lembrar era a cozinha do bar, muito bem administrada pela Terezinha, mãe de Bruno, cozinha apreciada por todos. Também, o espaço era confortável, aprazível, com bom atendimento e frequentado por pessoas de vários tipos. Nesse cenário, não me lembro de ver brigas ou discussões que pudessem quebrar a harmonia local; era, de fato, um lugar para lazer e descanso.

Por fim, eu penso que além de tudo o que foi dito, o Esquizito será lembrado, principalmente, pela camaradagem e companheirismo, pela troca sem igual de ideias, pelos rolês, e por tudo isso que ficará sempre no nosso coração. Só tenho a agradecer ao Bruno, à Terezinha e aos envolvidos por toda aprendizagem e felicidade que nos proporcionaram — no fundo ainda tenho esperanças de voltar a tomar umas nesse bar e de filosofar e conversar fiado com o Bruno e meus amigos.

Salve Esquizito!”

O bar acolhia a todos que quisessem frequentá-lo e não fazia distinção de público. “Se você chegasse lá de chinelo e quisesse tirá-lo e coloca-lo em cima da mesinha de centro, estaria tudo bem. Assim como um trabalhador em fim de expediente que chegasse de terno também seria acolhido”, disse Bruno.

Ele conta que por mais que o bar carregasse uma identidade visual devido a tantos apetrechos e penduricalhos, o que mais caracterizava a áurea esquisita do estabelecimento era o sentimento de pertencimento formado naturalmente pelo próprio público.

O Esquizito Bar & Botequim fomentava o debate político e o copo de cerveja unificava o espectro político em calorosas discussões entre esquerdistas e direitistas. O bar foi palco de debates anarquistas, feministas e chegou a sediar aulas sobre esquizoanálise, saúde mental e inserção das pessoas nos espaços públicos, num contexto acadêmico.

Para Bruno, o que tornava o bar inesquecível era a apreensão que ele sentia a cada noite devido a imprevisibilidade dos acontecimentos. “Eu nunca sabia o que iria ouvir, as pessoas que estavam lá, conduziam a magia do que iria acontecer. De certa forma, a sensibilidade dos artistas guiava a noite, até que todas as cervejas acabassem”.

Bruno e Buiu planejavam manter o bar aberto por apenas dois anos. Após este período, Edson abandonou o projeto, mas Bruno continuou tocando o barco até onde conseguiu, porém infelizmente no fim de 2019, ele teve de fechar devido ao estado de saúde do pai, que perecia em decorrência de um câncer.

O pai de Bruno faleceu no começo de 2020, 20 dias antes do surto dos primeiros casos do coronavírus na região de Patos de Minas. Então após quatro anos, de forma natural, Bruno e Maria Terezinha decidiram encerrar a atividades, prezando pela saúde e integridade física dos clientes do Esquizito.

“Ser empreendedor num ano como esse requer muito otimismo em relação à vida. Foi um 2020 pesado, de muitas desencarnações e eu já estava desgastado por lecionar e sem contar que minha mãe já é idosa. Acredito que a melhor decisão que tomamos foi a de parar”, concluiu Bruno.

Nem mesmo o decreto que possibilita a reabertura de bares seria suficiente para que Bruno reabrisse o Esquizito. Caso ele o fizesse, isto aconteceria apenas se todos já houvessem sido imunizados, o que no momento, ainda é uma realidade distante para os brasileiros.

O cômodo continua sendo da família de Bruno e a esperança de que em algum momento no futuro o bar possa reabrir, não deve morrer. Bruno afirma que este foi o fim definitivo do Esquizito, mas eu prefiro acreditar na inconstância e nas esquisitices das coisas da vida, que permitem muitas reviravoltas.


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2 Comentários

  1. Grande Bruno, grande bar. Quando os melhores bares da cidade começam a fechar é o sinal do Apocalipse, e também que a humanidade está por um fio. O que é o ser humano sem um bar "e os integrantes da vida noturna", o que somos nós sem uma saideira lá no
    Esquizito? o que somos nós sem a porra de uma ressaca? Aquele bar era onde a fauna e flora exótica da cidade de confraternizavam, por algumas horas, mas era como se fosse a eternidade...

































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  2. Já a muito tempo sabemos que o mundo não para de girar, e a cada volta o acaso nos traz insides que transforma o futuro de todos, assim foi o "esquizito", quem sabe em mais algumas voltas teremos mais novos momentos!

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