Nossa mudança

Por Júlia Duarte Megale


A primeiro momento, a sensação é, de alguma forma, bem agradável. Uma bela mudança no padrão anterior, que nada mais era que duro, farinhento e cansativo.

Vale notar que qualquer fenômeno disposto a alterar os padrões monótonos que tecem o maravilhoso tecido do cotidiano é, sem dúvidas, uma bela mudança. Especialmente se, como dito anteriormente, a monotonia for especialmente dura, farinhenta e cansativa. Além disso, agora, o que temos é algo suave e macio.

Um algo dessa magnitude, consegue, logo de cara, atiçar profundamente nossas mentes. Claro, pois não há, no mundo, coisa melhor que um mistério, não é mesmo? Não há sensação melhor do que a incerteza sobre as maravilhas e os perigos além da próxima esquina. A excitação, o leve tremor nas extremidades, o batimento louco e atropelado do sangue nas artérias e as chamas da curiosidade no estômago, competindo contra o gélido medo, que se acumula lentamente em nossos pescoços e axilas – para nossa insatisfação profunda, já que não há nada pior que medo nas axilas –, em uma perfeita sinfonia de adrenalina.

Com isso, nos deixamos levar... Tão facilmente carregados por nossa necessidade de saciar uma boa incógnita. Todavia, antes precisamos tirar um momento para sermos esperançosos, porque absolutamente não temos como saber se aquela mudança tão repentina e tão agradável em nosso ritmo cansativo, farinhento e duro será de nosso benefício a longo prazo. Pode, afinal, ser algo tão efêmero que a mera memória não valerá a pena em nosso futuro e isso, com certeza, seria imensuravelmente lamentável. É aí, portanto, que nos permitimos o luxo de cultivar nossas faisquinhas de esperança, nos agarrando a elas com força suficiente para nos queimarmos, caso saiam do controle e virem as temidas labaredas do otimismo e ingenuidade. Já prestes a soprá-las para fornecer o que falta para a combustão, estacamos, sentindo-o novamente.

Ele. O detestável medo, que nos umedece as axilas. Uma força tão cruel e avassaladora que, além de nos refrear em nossa excitação frente ao desconhecido, ameaça extinguir nossas preciosas quase chamas de otimismo. E nós o permitimos, por uma ridícula fração de segundo, apreciando a desesperadora sensação de que os corações decidiram dar uma grandiosa batida final e as entranhas resolveram se engajar em uma queda alucinante e gelada, deixando-nos sem nada na parte de cima, exceto pelo sopro da palidez.

Agonizamos. Profundamente. E eis que, enquanto sofremos, temos nosso lapso de lucidez. De forma impressionante, nossos neurônios nos convencem de que, mesmo que tenha uma força constantemente nos puxando em direção ao centro da esfera maciça e rodopiante que ocupa um lugar determinado em um ínfimo sistema de esferas se revolvendo ao redor de outra esfera (essa de fogo) e que mesmo que esse sistema seja apenas um dos infinitos sistemas presente em um negócio chamado universo, que já não possui fim e, insatisfeito com isso, nunca para de crescer... Mesmo assim, nos convencem de que não é necessário temer e de que podemos simplesmente ignorar, mais uma vez, nossas axilas.

Sendo assim, finalmente – inevitavelmente –, finalmente, olhamos para o algo que causou nossa mudança.

Olhamos para baixo e notamos que era apenas cocô de cachorro no asfalto.


Júlia Duarte Megale tem 20 anos, adora escrever, é fã de Virginia Woolf e estuda Biotecnologia na UFU 


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