Sobre o viver e o morrer

Por Elza Maia

Foto: Victor Caixeta

As flores morrem. Pouco depois de colhê-las, umedecidas pela bruma da manhã, as pétalas padecem lenta e calmamente. Até se perderem ao vento. As flores morrem, entre suas mãos, enquanto você as segura pelos vãos dos dedos velando sua singela e preciosa beleza. O coração daquela criança, que pouco sabe sobre a perda, acelera e se entristece em angústia pela impotência de não segurar na mesma mão a resplandecência daquele sabor. Era saboroso e inspirador, o aroma e a magia de poder ter ao alcance livre de custos um prazer simples e recompensador. Mas a criança não sabia, ou fingia que não via, o custo de romper a vida. Doía. Como doía, pungia em seu peito, era um corte de papel agudo que não sarava e se afiava com o passar do tempo. Era um martírio. Porque a próxima colheita sempre havia de morrer. A vida era incrível, cheirosa e repleta de anseios. A vida era acelerante, aventureira e desbravadora, ao nunca se saber o que há de acontecer. A vida era pairar no anseio, no perpétuo infinito que havia no finito. Mas era justamente o fim que fazia o começo. Era dor. Ao ponto de se debruçar sobre os joelhos, apertar bem forte o estômago no desejo de entrar em si e alojar-se naquele lugar seguro, era derramar lágrimas incessantes e soluçantes que se transformavam em tempestade tortuosa, uma onda vasta de sentimentos retumbantes que reverberavam naquele canto do coração. Era sufocante e intangível, o tempo que não se recupera e não se prende, que se sente e ressente na angústia da saudade e impossibilidade. A vida é vício. A morte é, mais nada do que quer dizer, fim. A flor, que sempre murcha, floresce um dia. Mas o dia em que ela se esvai nunca é como o dia em que nasce. Sobre o viver e o morrer, estamos sempre diante aquela criança ingênua que persiste em colher das folhas o frescor que traz a chuva e o vento. A vida morre. A morte revive. Em dias de constante torpor em que nos lembramos que existimos. E nada acaba, afinal, o fim infindável é o martírio de existir. E nessa dualidade que mais parece uma fatalidade o sentir se torna uma dependência. O adeus que ressoa a lembrança, o término que vem te saudar ao anoitecer e a dor que se torna prazerosa. São lágrimas que escorrem na chuva. Camuflam, não se vê, se misturam no amortecer das gotículas sobre a pele quente. Sobre o viver e o morrer, sozinho, sob o pôr do sol doce e cálido que começa a esmaecer. Então, a plenitude. De saber que se está. Ainda que em um sonho.


Elza Maia é uma amante da escrita e aprecia colocar no papel os sentimentos da vida cotidiana. Futura psicóloga, pretende mesclar as duas paixões em uma.

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