Em 1986, Chico Buarque e Caetano Veloso comandaram um programa na Rede Globo. A atração se chamava Chico & Caetano. A banda RPM participou. Estritamente quanto àquilo de que tratarei, não me lembro agora se foi a banda ou se foi apenas o Paulo Ricardo que esteve no palco do programa mensal. Do que me lembro, é que Caetano e Paulo Ricardo, enquanto cantavam “London, London”, aproximaram-se um do outro. O auge da proximidade teria sido um selinho trocado entre os dois.
Há pouco, vasculhando o YouTube, achei apresentações do RPM no programa Chico & Caetano. Não consegui achar o selinho, mas achei uma intimista troca de olhares e de abraços entre Caetano e Paulo Ricardo enquanto cantam “London, London” (link para assistir). Na época em que o programa era veiculado, presenciei uma então jovem senhora reprovando as performances de Caetano e de Paulo Ricardo. Ela disse que os dois haviam perpetrado, num programa de TV, uma bizarrice contra a família, os bons costumes. Fosse hoje, ela diria que os dois praticaram um afrontamento contra o cidadão de bem.
Achei uma bobagem, a revolta da mulher; achei caretice. O tempo foi passando. Eu e ela, de modo natural, fomos perdendo contato um com o outro. Muito de vez em quando, encontrávamo-nos por acaso nas ruas da cidade. O “contato” entre mim e ela somente foi reativado quando recebi dela, não sei com precisão há quanto tempo, pedido de amizade via Facebook.
Conferindo o perfil dela, bastou uma postagem para que eu constatasse que o conservadorismo que eu presenciara em meados da década de 80 passou por uma gradação. Li mais algumas publicações dela na rede social. Não sei se o conservadorismo de décadas atrás era a semente de ideias sinistras que viriam ou se a defesa de um pensamento nefasto já existia na mulher no distante ano de 1986. Do que sei, é que a senhora careta do passado é hoje defensora de tortura, de ditadores, de terraplanismo, de cloroquina para tratamento contra covid.
Lívio Soares de Medeiros é autor de Leve Poesia, Algo de Sempre, Dislexias, Amor de Palavra, Anacrônicas, O Livro de João, Entrevista com o Professor e O Fim do Brasil. Dedica-se também à fotografia.
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