Buzinávamos melhor

Por Júlia Duarte Megale

Foto: Sophia Megali

Carreata costumava ser um bocado diferente nos meus tempos. Não que eu tenha tido muitos tempos em vinte anos redondos – que nem me permitem a graça de dizer meus vinte e poucos –, mas creio que boas carreatas já tive.

Não só carreatas, inclusive, mas também a magnitude de algumas cavalgadas, com lustrosos cavaleiros em fortes cavalos bem grandes que sempre acabavam dando um espetáculo muito maior do que eu jamais poderia sonhar em meus próprios cavalos, e às vezes pôneis, emprestados de um vizinho grande amigo do senhor meu pai. Geralmente minha participação se resumia a segurar as rédeas até que o animal tentasse algo espalhafatoso demais e quem quer que me acompanhasse (novamente, costumava ser meu pai) tivesse que tomar o controle, para evitar uma criança jogada à lama e pisoteada por muitos cascos polidos.

Sem todo o sentimento intrínseco de honra por cavalgar, todavia, dentro de alguns carros não muito novos, também pude apreciar a emoção de seguir um caminho comum, com as mais inusitadas manobras (e com isso quero dizer alguns ziguezagues e algumas buzinadas), geralmente em celebração conjunta. E acaba sendo um conceito até bem engraçado, não é mesmo? Entrar em um carro com as pessoas mais próximas que compartilham de sua euforia com a causa e comemorar com outros carros cheios de completos desconhecidos também eufóricos e também carregados pelo espírito da união automobilística, tão mais imponente do que alguns outros gestos públicos mais simplórios. Os vizinhos das ruas e estradas escolhidas certamente amavam tanto na época quanto amam agora, talvez apenas com a sutil diferença de que não haviam, então, grupos de condomínio para que todos pudessem reclamar em conjunto.

De toda forma, era um evento bem emocionante. Pessoalmente, minhas participações mais notáveis foram: aquele dia em que o time de futebol do tio da mãe de uma amiga próxima venceu algum campeonato ou torneio provavelmente importante (perdoem a falta de conhecimentos futebolísticos), e por acaso possuía um carro legal e, também por acaso, resolveu nos levar todos para gritar na carreata; um outro dia em que, já velha, meus colegas de faculdade resolveram comemorar o fim do semestre nos poucos carros econômicos que tínhamos entre nós; e, a melhor de todas, quando por acidente parei acompanhada no meio da comemoração da padroeira dos viajantes (perdoem a falta de conhecimentos bíblicos também, por favor), enquanto íamos buscar minha prima de um casamento.

Todos eventos muito nobres, é claro. A maior diferença com a atualidade, creio eu, é que nesses meus tempos não ficávamos tão eufóricos a ponto de “carrear” por causa da chegada à impressionante marca de 400 mil mortos.


Júlia Duarte Megale tem 20 anos, adora escrever, é fã de Virginia Woolf e estuda Biotecnologia na UFU

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2 Comentários

  1. Julia, você é um excelente exemplo para esta nossa nova juventude, com a cabeça no lugar, usando a inteligência para o bem, com ótimo senso crítico, um vocabulário e uma escrita de encher os olhos. Parabéns e continue usando a abusando deste seu talento.

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    1. Muito obrigada, Diego, fico feliz demais com um comentário desses!!

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