Me lembro que pouco depois de sair da casa dos meus pais, a pandemia começou e consequentemente com ela, perdi meu emprego de redator no Patos Notícias. Eu não sabia o que fazer da vida e pensava seriamente em abandonar o jornalismo e seguir carreira na produção musical, área que me arriscava desde 2019.
Eu estava no quarto com a Talita numa noite de abril, quando tive a ideia maluca de abrir meu próprio jornal e ao invés de lançar outro veículo convencional de notícias, preferi criar algo que fugisse do lugar comum de acidentes de trânsito, prisões e outras coisas que naquela altura do campeonato consumiam minha saúde mental.
Cresci lendo revistas e as editorias de cultura sempre me interessavam muito e decidi então que a cultura seria o carro chefe do jornal. Tracei num bloco de notas as editorias que fariam parte deste projeto e na ocasião, também havia culinária, esportes e outros temas que hoje sequer aparecem no jornal.
Não me lembro como escolhi o nome, mas apesar de se tratar de uma revista digital, a nomenclatura “jornal” me pareceu mais palpável e saudosista e, pra melhorar, fugia dos inúmeros sufixos encontrados nos nomes dos sites patenses, todos começados em Patos e terminados em isto ou aquilo. Por exemplo: Patos Hoje, Patos Agora, etc.
Sem entender nada de design, criei o lúdico logotipo numa versão de avaliação do Corel Draw. A mascote me veio como uma singela homenagem à ave que ilustrava a antiga embalagem do Iogurte Patinho da Coopatos. Quem foi criança nos anos 90 em Patos de Minas sabe o quanto aquele patinho era icônico e inesquecível.
Também não entendo nada de programação, então sabendo de minhas limitações cadastrei o site na plataforma Blogger, escolhi um layout qualquer e paguei 40 e poucos reais para ter o domínio .com.br. 40 reais, esta foi a bagatela que gastei para que o sonho de ter meu próprio jornal acontecesse.
Confesso que meti o pé pelas mãos e no começo eu não fazia a menor ideia do que estava fazendo. Eu sabia que precisava ter conteúdo para os cinco primeiros dias e que depois a coisa se alimentaria naturalmente. Por incrível que pareça funcionou e depois de um ano, o site ainda funciona mais ou menos assim.
A primeira pessoa que entrevistei para o Jornal de Patos foi o incrível artista plástico José Vilmar, que naquela ocasião eu sabia que morava perto da minha nova casa, mas não me lembrava onde. Me recordo de sair com a Talita (sempre ao meu lado desde o começo) batendo nas portas das casas do bairro até achar aquela ilustríssima figura.
Depois dele, entrevistei presencialmente o radialista Toninho Cury (para a coluna chamada “Jornalistas Patenses”, influenciada por um quadro do Programa Encontro da Fátima Bernardes em que ela entrevistava e mostrava a trajetória de jornalistas globais, adaptado aos comunicadores da cidade). E em seguida, a artista plástica Gisa Fonseca.
Dali em diante, a pandemia agravou, impossibilitando que eu me encontrasse com as pessoas e as mensagens do WhatsApp e as videoconferências do Zoom se tornaram minhas ferramentas de trabalho para que os perfis de novos artistas e figuras patenses fossem traçados. Viva a tecnologia!
Naturalmente o conteúdo do site ia se moldando, numa mistura de entrevistas com artistas, notícias de lançamentos culturais, crônicas e artigos de opinião sobre alguns acontecimentos polêmicos da cidade, como por exemplo, o dia em que comerciantes se ajoelharam na Major Gote orando para que o comércio reabrisse. Jesus!
Um movimento cultural foi surgindo devagarzinho ao redor daquele mero blog que ostentava a tosca figura de um patinho e tentava mostrar o quão talentosos os artistas patenses poderiam ser, mas dificilmente eram vistos. E por uma sorte que eu jamais poderia agradecer, pessoas se aproximaram de mim por acreditarem no projeto.
Minha amiga Kerolayne Aíssa, que conheci numa fatídica noite no finado Sweet Home Rock Bar, surgiu para me dizer que achou a ideia do jornal incrível e como boa publicitária que é, me aconselhou a dar uma atenção maior ao design do projeto. Eu disse que queria muito melhorar, mas que não sabia o que fazer.
Me honrando de uma maneira que eu jamais poderia retribuir, ela se ofereceu para desenvolver artes para o jornal e desde então, me aconselhou inúmeras vezes com ideias mirabolantes que fizeram o projeto se profissionalizar tanto a ponto dele se tornar uma das coisas mais lindas desta cidade. Não é modéstia, ela é incrível mesmo!
As artes lindas que ilustram as publicações do Instagram, que aliás sempre foram evoluindo para melhor, e toda a estética das cores das editorias são iniciativa da Kerolayne. O pato tosco que aparece com chapeuzinho de jornal, de festa, de Papai Noel ou de operário é coisa minha... O que seria de mim sem você, Kerolayne?
Nessa altura do campeonato, o site não nos rendia nenhum mísero centavo e como o jornalista Flávio Sousa havia sido realocado de cargo após criticar a elite patense na Clube FM, eu decidi que jamais procuraria patrocínio de empresas patenses para que eu nunca fosse censurado e deixasse de publicar o que eu quisesse em meu jornal.
Provavelmente foi a pior ideia que eu tomei, pois o jornal não se sustenta. Criamos um financiamento coletivo para que os leitores que acreditassem no projeto nos apoiassem e isto bastaria. Até hoje o máximo que conseguimos ganhar num mês foi 300 reais. Dividido por dois é pior até que o auxílio emergencial do Governo Federal...
Quem sabe um dia o jornal se torne auto-sustentável e a nossa cobertura exclusiva da cultura patense melhore ainda mais? Enquanto isso, eu posso afirmar tranquilamente que a maior riqueza que este endereço virtual conseguiu angariar foi o conteúdo produzido em suas páginas.
Além da Kerolayne, 22 outras pessoas acreditaram no Jornal de Patos e colaboraram escrevendo pelo menos um artigo para o site, sem pedir nada em troca. O primeiro destes foi o psicólogo Esequias Caetano, que não faz a menor ideia do que provocou em minha vida ao me colocar em contato com a terapeuta Vania Melo.
Ele colaborou comigo antes quando eu trabalhava no Patos Notícias e se ofereceu para que o primeiro artigo da coluna científica do jornal ganhasse vida. Ele sempre some e volta, mas meses atrás surgiu com outra publicação. Notou que eu estava deprimido e me indicou a Vania, outra pessoa que eu não faço a menor ideia de como agradecer.
Isso não tem nada a ver com o Jornal de Patos, porém eu não poderia deixar de citar. Outra pessoa a quem devo muitos agradecimentos é meu amigo de longa data Gustavo Lagares, internacionalista e segundo colunista a aparecer no jornal, que acertou a mão em um artigo sobre como evitar pandemias futuras.
Depois disso veio outro internacionalista, o Vitor Salomão que colaborou com três incríveis artigos sobre política, mas que deixou de acreditar no jornal em um momento em que eu mesmo não conseguia acreditar ao lhe barrar um artigo que hoje eu me arrependo de não ter publicado.
O que aconteceu a seguir eu descrevo como um dos feitos mais importantes do Jornal de Patos: a consolidação de uma cena literária que hoje conta com 12 escritores assíduos que publicam textos autorais inéditos semanalmente e que já renderam quase 100 publicações nas páginas do site.
Tudo começou após eu entrevistar os escritores Lívio Soares de Medeiros e Teófilo de Arvelos e perceber que poderia haver um espaço no jornal para que literatura fosse publicada, assim como acontece nas páginas da Revista Piauí, por exemplo. Uma coisa que sempre me fascinou e que eu jamais imaginei acontecer em Patos de Minas.
Convidei os dois, que aceitaram de prontidão e logo em seguida chamei a jornalista Isadora Tavares, que já exercia atividade literária, além de meu amigo Mikael de Melo. Ambos aceitaram e ficou pré-determinado que a coluna seria semanal e que cada escritor publicaria uma vez por mês.
Eu trouxe o modelo de fotopoemas do Lívio Soares para a coluna e, desde então, cada escritor necessita obrigatoriamente de publicar os escritos com uma imagem a ilustrando. Lívio é fotógrafo e sempre trás esse recurso imagético para seus poemas, na maioria das vezes curtos, certeiros e cruéis.
Teófilo é praticamente o Arthur Rimbaud da coluna, pois trata-se de um escritor prodígio que já havia publicado dois livros antes mesmo de atingir a maioridade. Ele segue mais ou menos a mesma pegada de seu mestre Lívio, porém é de uma clareza e sensatez muito consolidada para alguém de sua idade.
A Isadora engloba elementos de crônica aos textos que escreve e não tem medo de explorar, utilizando estéticas modernistas e até mesmo concretistas. Já o Mikael segue uma linha mais espiritual e com uma linguagem rebuscada, aborda temas religiosos e até mesmo psicológicos.
Com o lançamento da coluna, outros escritores entraram para a roda e o advogado Thiago Arantes me procurou para se juntar ao time. Eu nunca o vi pessoalmente, mas se tem uma coisa que este escritor consegue fazer sob o pseudônimo de Neto Moreira, é dar vida ao inimaginável com uma escrita sensacional imersa no realismo mágico.
Em seguida eu convidei a Elza Maia, que ao lado do Neto Moreira, é uma das poucas escritoras que exploram a prosa no jornal, visto que a maioria descamba para a poesia. Ela sempre entrega um texto muito íntimo e absurdamente sinestésico que transforma situações minimalistas em conflitos internos gigantescos.
A Natália Marins entrou para a coluna transpondo o slam das ruas para o meio digital. Ela é sempre pulsante e resistente, dando voz a temas importantes. Para minha grata surpresa, a mãe da Kerolayne é escritora e naturalmente se juntou ao bando. De todos, arrisco dizer que Mércia Marques é a autora de escrita mais leve e singela.
Convidei meu companheiro de banda Rubens Alves Veríssimo para se juntar ao grupo, pois há dez anos interpretamos seus escritos musicalmente e não vi motivo para deixa-lo de fora do arranjo. Fã de Dostoievski, ele é prolífico, profundo e constante, assim como os russos devem ser.
Fazendo barulho nas redes sociais com uma poesia pungente sobre a sociedade, foi natural que eu convidasse o slammer Duarte para o time, que tirou de letra. Fechamos o quadro de escritores com o producente poeta Rogério Vaz e com o slammer de alma beatik apelidado como “Treta”. Toda terça e quinta esse povo arrasa no site, obrigado!
Não posso deixar de citar meu estimado pai José Eduardo de Oliveira, de quem herdei o amor pelos livros e que colabora esporadicamente com a longa coluna “Comentário Extemporâneo”. Ele é a única pessoa que tem carta branca para escrever de algo que não seja Patos de Minas no site, mas vai entender, quase só fala de Ouro Preto!
Outra pessoa que nunca conheci, mas que me contatou via e-mail e colabora com crônicas incríveis é a biotecnóloga Júlia Duarte Megale, que carrega um frescor na escrita sem igual e consegue provocar identificação em cada verso proferido. Ela acaba de me enviar a pupila Lorranne Marins, que logo mais estará nas páginas do jornal.
Outras duas cronistas também começaram a colaborar com o site. A literata Jô Drumond, que figurou no site como a primeira entrevistada da coluna “Memórias Paturebas” e a Juliana Canhestro, do qual aguardo ansiosamente por novas colaborações.
Eu também espero por mais artigos da minha amiga de Twitter Tallita Stéfanne, que trouxe um interessante artigo científico sobre as vacinas contra a Covid-19. E quem sabe o poeta José Humberto Fagundes, que reside na África do Sul, volte a colaborar com poesias. Só tenho a agradecer pela homenagem feita por ele ao finado Wandão.
Por fim, o último e não menos importante colaborador do Jornal de Patos é o gestor cultural Helvécio Furtado Júnior, que surgiu literalmente do nada com muita disposição e excelentes ideias para que a cultura patense saia da mesmice e prospere. Em breve ele trará novidades audiovisuais para a cidade, estejam avisados.
Acredito que não deixei ninguém de fora destes longos agradecimentos, mas se tem alguém que me apoia mais do que minha mãe nesta empreitada, eu desconheço! Pode rolar para o campo de comentários de qualquer publicação do site, é garantido que a Nádia Lúcia publicou algo carinhoso e incentivador por lá!
O site não seria nada sem todas essas pessoas e menos ainda sem os artistas da cidade. Pelo menos 50 músicos, atores, dançarinos, artistas plásticos, fotógrafos, escritores, produtores musicais, gestores culturais, etc. foram notícia durante estes 12 meses em que o site está no ar.
O Jornal de Patos acaba de completar uma volta ao redor do sol! Quem diria que um site independente voltado exclusivamente para a cultura patense iria tão longe? São mais de 250 publicações que foram visualizadas mais de 100 mil vezes, um número pequeno considerando o tamanho da cidade, mas enorme por ser tratar de um nicho.
Durante estes 365 dias, artistas de Patos de Minas desfrutaram de um espaço dedicado que busca a consolidação de um legado de valor imensurável gerado pelas obras de artes por eles mesmos produzidas, que jamais antes nesta cidade, receberam uma cobertura jornalística produzida com tanto esmero e zelo.
Muito obrigado, que venham os próximos anos!
Caio Machado é bacharel em Jornalismo pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Além de editor-chefe do Jornal de Patos, também atua como produtor musical e artista independente.
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2 Comentários
Estou muito feliz e orgulhosa por saber que você meu filho e todo esse batalhão de gente capacitada sobreviveram e nos encantaram com um ano de muita arte e cultura!!! Parabéns por esta ideia genial!!! Gratidão a você e à todos que enriqueceram o Jornal de Patos!!! E que venham anos e mais anos do melhor de todos vocês!!!
ResponderExcluirObrigada, Caio, por ter nos proporcionado o primeiro giro cultural patense ao redor do sol. Parabéns pelo arrojado projeto e pelo sucesso da empreitada. Fiquei comovida com seu relato do histórico do jornal e das agruras iniciais no afã de perseguir o sonho de um site independente. Mesmo sem dinheiro, manteve a firmeza de recusar patrocinadores cujas eventuais peias poderiam tolher sua liberdade de ação. Seus pais, Nádia e José Eduardo, devem se sentir orgulhosos de seu empreendimento cultural. Um jornal voltado para a cultura, sem subvenções e com um número importante de publicações em um ano de existência, já demonstra o sucesso de sua iniciativa. Sinto-me honrada por ter sido a primeira entrevistada na coluna “Memórias paturebas” e me disponho a colaborar com doações mensais para o financiamento coletivo e também no que se fizer necessário. Sei que você já conta com uma grande equipe de colaboradores, mas pode contar com minha singela participação.
ResponderExcluirApesar de estar distante geograficamente de Patos, sinto-me próxima de minha terra, dos conterrâneos e familiares, por meio de seu jornal. Guardo, da Terra do Milho, as melhores lembranças de minha juventude.
Parabéns, conterrâneo. Vá em frente.
Jô Drumond
Obrigado por comentar!