Deus, hipnose e morte em God told me to, de Larry Cohen

Por Agostine Braga


God told me to (1976), de Larry Cohen, sintetiza o caráter fragmentário e desencantado da modernidade. Fragmentário porque em 1h30min consegue (não-) ser investigativo e sci-fi, passando por blaxploitation e thriller. A história de um policial escolhido por Deus a eliminar seu lado fantásmico hermafrodita por si só é a história do ser humano desencantado com a perda de Deus, dilacerado por suas próprias narrativas — Impressionante como o momento mais realista do filme é justamente o sonho do protagonista, que, mais tarde, como em todos os sonhos, se demonstra como uma previsão: matamos por Deus, somos brinquedos de Deus, estamos jogados no absurdo que é a vida. Aqui, a gênese do b-movie em poder personificar cruamente temas universais da maior relevância, a existência de um Deus mal, o gnosticismo moderno de um Lautréamont, que será explorado por tipos como John Carpenter, David Lynch e Kiyoshi Kurosawa — em Carpenter, pela ideia do mal como coletivo abstrato, do homem que se vê refletido como monstro; em Twin Peaks, nos enviados por Deus, que são alienígenas; e em Kiyoshi, já que n'A cura se observa que o nirvana na verdade é o estado no qual conseguimos mesmerizar nossa presa — aliás, o fato da morte estar relacionada com um momento de transe vindo do Outro-hipnotizador é sintoma de uma sociedade na qual o homem está sempre desatento, atento a mil afazeres, sedento de concentração, de meditação. E God told me to, por fim, tem o caráter do desencantamento porque Cohen utiliza o mito para seu experimento (experimento fragmentário, como mencionado; um filme de retalhos) e a essência do mito é a decadência: houve um Deus, um escolhido, um Paraíso etc.; houve, enfim, um tempo, e esse tempo hoje pode ser revivido por meio da arte.


Agostine Braga é fotógrafo de rua, poeta e professor, situado em Patos de Minas

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