Estou longe de ser qualquer coisa fixa no que a palavra defina. Não sou nem mesmo o traço que antecede a fala, ou a vírgula que divide o argumento. Me defino como pensado! Alguém me pensa enquanto penso nele simultaneamente.
Sou um personagem coadjuvando uma cena mental de algum escritor bêbado na mesa de um pub com péssima trilha sonora.
Nasci de um arroto torto pós murmúrio de um poeta cansado de dramatizar os detalhes.
Ou sou o sonho de um deus menino que dorme no colo de sua mãe.
Antes eu era um ovo, impensável, intocado.
Até eclodir num canto de ninar, no bico de um peito.
Antes de ser os espaços vazios infinitos do finito, vagando inconsciente no cosmos, até uma estrela cansar de existir. Eu era o rei de nada, e governado lugar nenhum!
A quem diga que antes de uma certa mulher, que antes de comer maçã era nua, e antes de ser nua era feliz, e antes de ser feliz era a costela de um homem que aparentemente tinha costelas sobrando. Eu era argila!
A mim foi delegada infinitas definições que permeiam e orbitam os conceitos de “ser”. Perspectivas transmutadas nas palavras que cada vocabulário teve o cuidado de colecionar. As palavras passam pelo tempo desfigurando sua forma, já eu, fico inerte enquanto o tempo passa por mim desfigurando minha forma.
A diferença é clara. As palavras existem, eu não!
Sou os cacos de um copo de vidro que há de virar areia para que um dia volte a ser um copo.
Sou o ciclo caótico da folha que cai na terra e alimenta as folhas da árvore que me abortou.
Eu sou um sopro!
fffffff...
E antes que o fôlego de Deus acabe, eu sinto o dever de atribuir significados a minha existência, enquanto existo. Viver enquanto sobrevivo.
Parece fácil, mas não pra mim que tenho dificuldades de fazer escolhas. A liberdade em excesso tem cheiro de cárcere úmido e frio. Pois bem sei que no mundo de escolhas, a experiência tem o tamanho da vida.
Natural de Vazante, Igo Maia residente em Patos de Minas desde 2019, é músico e compositor e trata a poesia como uma religião.
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