Entardecer

Por Elza Maia

Imagem: Victor Caixeta
Modelo: Paloma Saldanha

Existe medo em seus olhos.

O Medo que se aproxima sorrateiro, em vestes maltrapilhas, aparece por entre o véu do entardecer, passa pela porta sem fazer qualquer barulho, lhe encara com o semblante taciturno e os olhos anuviados, lhe convida para sentar-se à mesa na sala de estar, grande e vazia. O homem quebrantado aceita o convite irrecusável, toma o seu lugar sobre a luz cinza de um tempo nublado, bebe do copo vazio e ceia palavras afogadas em tintas borradas. O sabor agridoce termina amargo no paladar, engole em seco a incerteza do que aconteceria, acolhe o próprio reflexo que enxerga no talher, se vê no espelho cansado do caminho por onde deixou pedaços se soltarem à deriva e esses espaços, agora vazios, formavam um recanto para os sussurros inseguros ressoarem por seu corpo. O Medo prosseguia, cantando-lhe ao ouvido a sequência assustadora do que era não pertencer, temer não atingir o que gostaria de ser, amarrava-lhe os pulsos com ataduras de seda e dizia-lhe como aquele sonho tão vívido era apenas uma utopia. Sua mão tremia e tecia palavras manchadas de tinta mais uma vez, derramadas até acertarem a arritmia que descompassava o tique taque do relógio.

O Medo, vendo quem se aproximava, desfez-se tão etéreo quanto a sua chegada. Aquele homem então apercebia-se, sentado sobre a cadeira velha de madeira, que estava rompido e refeito em retalhos costurados na companhia da Solidão. Aquecia-se sob essa coberta, escondia-se entremeio aos vieses, contemplava a completa certeza de que naquele lugar à mesa o tempo passaria lento e talvez, quem sabe, nunca provasse de fato que durante todo aquele entardecer o Medo estaria enganado.

Elza Maia é uma amante da escrita e aprecia colocar no papel os sentimentos da vida cotidiana. Futura psicóloga, pretende mesclar as duas paixões em uma.

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