Pertencer

Por Elza Maia

As cores da janela traziam reconforto. Em dias pacatos, onde a mente divaga melancolicamente para terrenos distantes. Sonhos itinerantes, devaneios constantes que trazem a fuga da realidade excruciante. Às vezes tentamos nos tornar as expectativas alheias, recebemos e depositamos no canto do coração a melodia monótona das obrigações. Seria eu suficiente para pertencer ao que é esperado que seja? Seria eu tão bom quanto digo precisar ser? Seriam as minhas palavras gentis e sinceras ao ponto de serem válidas ao olhar do outro?

Sento-me, na cadeira de braços longos; aconchego-me na madeira antiga, fito o horizonte como se pudesse alcançá-lo. Como se pudesse tocá-lo, junto aos pássaros que recolhem-se ao pôr do sol árido, translúcido no nevoeiro empoeirado de dias secos. Meu rosto recosta afavelmente sobre o ombro esquerdo, os fios dourados deslizam pela face, os dedos roçam a pele desnuda dos braços e recolhem o toque que me recorda que a mente transposta pertence a matéria sensível que abraça a delicadeza de cada olhar. Inconcebivelmente estrangeira a minha volta, seria possível pertencer?

A sala vazia, o silêncio que reverbera os desejos irrompidos, as pontas dos pés que repousam tácitas sobre o assoalho por onde lhe subiam calafrios. Sorrisos escapulidos, medos escondidos, quem poderia os descobrir? À meia luz que ilumina a solidão de se fazer bem. A escuridão que chega, de passos lentos e abafados, quando todos vão embora e cerram-se os interruptores, despedem-se no ímpeto de preencher uma lacuna ao rolar os dedos pelas telas. Seriamos nós, mesmos, no sigilo de quatro paredes? Precisaríamos ser, constantemente, bons o suficiente?

O viver de um sonho, a busca incessante de se tornar, o poeta que se recolhe no centro de um cômodo e deixa-se levar pela plenitude do mais impossível divagar... Se preenche do mundo, se recolhe nos pequenos prazeres de liberdade, alcança a tênue tenacidade de permanecer genuíno a correnteza revolta de estar condenado a devanear. A mente que inquieta-se diante do medo de nunca conseguir... Adoece muda, desperta sem acordar.

Ao poeta que se recobra da sua natureza, leva-se ao som do farfalhar das folhas. Subitamente desprende-se das normas sociais, deixa-se dos entrelaços velados dos murmúrios que os ventos reverberam, do brilho apático de uma tela e se agasalha na doçura que é poder ser quem se é. Distante do que as vozes incessantes lhe disseram para ser. E a serenidade te acolhe, na sinceridade de se fazer seu lar. A alvorada do seu olhar.


Elza Maia é uma amante da escrita e aprecia colocar no papel os sentimentos da vida cotidiana. Futura psicóloga, pretende mesclar as duas paixões em uma.

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