A todos aqueles que cansaram de temer a bandeira do Brasil

Por Caio Machado


EDITORIAL - Sem medir consequências, milhares de caminhoneiros e manifestantes bolsonaristas bloquearam centenas de rodovias país afora, por simplesmente não aceitaram o resultado do segundo turno das eleições, em que Lula saiu vitorioso por uma pequena margem de diferença com o atual mandatário Jair Bolsonaro.

Para alguns, a alegação é que um político acusado de corrupção não pode governar o país. Parece justo, apesar do péssimo timing. Mas para outros, a eleição teria sido fraudada. Sim, leitor: na cabeça de bolsonaristas, o Partido dos Trabalhadores teria fraudado o pleito em que a maioria da oposição se elegeu na Câmara e no Senado.

Na cabeça deles, até a eleição de 2018 - em que parte da bancada bolsonarista que hoje infesta os poderes, começou a se eleger, bem como o próprio Jair - também teria sido fraudada. Sim, o PT, que no imaginário bolsonarista detém os meios fraudulentos, teria preferido perder. Quem fraudaria a própria derrota? Risos.

Como seria possível acreditar em tal pataquada? Simples, o próprio presidente Jair Bolsonaro passou quatro anos gritando aos ventos que o processo eleitoral democrático, que o elegeu por mais de 30 anos seria inseguro, para se assegurar de que nunca iria ser destituído em uma iminente derrota...

Mas voltando aos bloqueios criminosos das rodovias. Sim, estão pedindo a anulação da eleição de um criminoso, cometendo... crimes. Estão pedindo por democracia, enfiando um mastro da bandeira do Brasil no coração da própria democracia. A troca de que? Manter no país a figura de outro criminoso convicto, o próprio Jair.

Bloquear uma via sem autorização é infração gravíssima de acordo com a lei 253 do Código de Trânsito Brasileiro, sujeito a multa e apreensão do veículo. Além disso, os manifestantes podem responder criminalmente por desobediência e resistência a prisão, além de ferirem o artigo 5º da constituição que garante o direito de ir e vir.

O próprio Bolsonaro, que foi conivente e omisso aos atos antidemocráticos que ocorrem a sua defesa, pediu para que a massa de manobra liberasse as rodovias, pois eles estariam, ora bolas, cerceando o direito de ir e vir. Mas é importante dizer que o bolsonarismo já ganhou vida própria há muito tempo e talvez nem isso irá pará-los.

Acontece que essas manifestações estão prejudicando a economia, atrapalhando o traslado de pacientes a hospitais, impedindo o transporte de alimentos e medicamentos e acima de tudo, mobilizando policiais que deveriam estar atendendo outras ocorrências a vigiarem (e não punirem) tais atos antidemocráticos.

Além disso, temos a imprensa - que já está ocupada o bastante noticiando os fatos e trabalhando dobrado, por ter que desmentir milhares de notícias falsas expelidas pela máquina de mentiras que trabalha a favor de políticos - que também precisa se deslocar para os bloqueios e noticiar tais atos estapafúrdios.

Para dificultar, com a chegada do feriado de finados, os bloqueios se tornaram pequenas micaretas em que os covardes que não abriram mão de ir trabalhar para se juntarem aos caminhoneiros (que são usados como massa de manobra desde 2018), decidiram comparecer. E o resultado catastrófico era meio óbvio.

Ontem tivemos a lamentável cena de sulistas fazendo saudações nazistas ao som do hino nacional (mesmo a maioria deles sendo imigrantes de europeus judeus fugidos da Segunda Guerra) e claro, bolsonaristas aos prantos comemorando a notícia falsa de que o ministro do TSE Alexandre de Moraes teria sido preso, e por aí vai...

Um show de horrores alimentado e regido por um universo paralelo de notícias falsas. Aliás, acho que ninguém estaria em tais atos antidemocráticos se não se informassem apenas por áudios, vídeos e mensagens de textos duvidosos recebidos por WhatsApp, Telegram ou em qualquer outro meio não jornalístico.

Voltando ao valor da cobertura jornalística, ontem diversos repórteres que se aventuraram pelas masmorras bolsonaristas nas rodovias do país foram hostilizados. Incluindo a repórter da TV Paranaíba, filial da Record em Patos de Minas, Anna Paula Lemos, que com muito profissionalismo conseguiu lidar com a coação fascitóide.

Era por volta das 18h quando ela se preparava para entrar ao vivo e uma mulher trajada com as cores sequestradas pelo ódio (verde e amarelo) começou a incomodá-la, dizendo que ela não estava mostrando a realidade, ao escolher um local menos movimentado para noticiar os atos golpistas.

Anna Paula trabalha sozinha. É só ela, um tripé, um smartphone, um led e um microfone. Ela compareceu ao Posto Patão, local ocupado pelos bolsonaristas, todos os dias, para noticiar a baderna que, para princípio de conversa, nem deveria estar acontecendo. Mas naquele dia, devido a lotação, Anna estacionou longe.

Ela começou o link dizendo que o local estava muito cheio e que ela estava distante da muvuca, quando a maluca invadiu o espaço pra dizer que na verdade ESTAVA MUITO CHEIO E QUE A REPÓRTER ESTAVA DISTANTE. Confesso que fiquei na dúvida se aquela mulher possuía problemas auditivos ou apenas distorções cognitivas... Enfim!

A invasão foi suficiente para desestabilizar Anna, que felizmente conseguiu lidar com o tumulto e finalizar a transmissão ao vivo. Ao término do link ela ainda tentou conversar com a mulher e outros manifestantes que também se acovardavam contra ela, mas o diálogo unilateral acabou resultando na quebra do led da repórter.

Eles não queriam conversa. Anna começou a chorar e por sorte, não foi agredida. Ela conseguiu correr em direção ao próprio carro e ir embora do local. Entretanto, ela acredita ter sido seguida por uma motociclista numa moto adornada por uma bandeira do Brasil e então ligou para o namorado encontra-la, temendo represálias.

Nos stories do Instagram da conta pessoal de Anna, em que ela relata o lamentável ocorrido, com lágrimas nos olhos, a repórter finalizou o desabafo com uma colocação muito marcante: “Não quero sair para trabalhar amanhã, olhar para a bandeira do meu país e sentir medo”. Ouvir aquilo foi de cortar o coração.

Mas infelizmente é esse o trato dos “patriotas” e usurpadores dos símbolos nacionais endereçado a nós jornalistas. Se a verdade desagrada bolsonaristas, automaticamente aquele fato se torna uma fake news. Se a mentira é confortável e atende os anseios deles (vide a falsa prisão de Moraes), ela se torna concreta.

Perdi as contas de quantas vezes fui interrompido enquanto tentava gravar passagens pelas ruas de Patos de Minas, porque alguém passou de carro gritando “Bolsonaro”. Sim, pessoal. Gritar o nome do presidente para um jornalista significa amedrontá-lo, coagi-lo ou pelo menos perturbá-lo. Nos atrapalham a trabalhar gratuitamente.

Já imaginou entrar num hospital e se deparar com algum “patriota” gritando no ouvido de um médico na mesa de cirurgia? Você leitor pode até considerar isto uma falsa simetria e achar que o jornalismo não tem o mesmo valor que a medicina, mas é o nosso ofício, nosso meio de sustento, então devemos ser respeitados.

Minha tristeza é grande por saber que o ato hostil vivenciado por Anna Paula Lemos não se trata de um caso isolado. Inúmeros jornalistas de outros veículos de comunicação foram agredidos e ameaçados neste feriado de finados, em que ninguém sequer chorou pela morte iminente da democracia.

Quando é que esta histeria coletiva irá ter fim? Tenho amigos e familiares incrustrados nesta cruzada sem sentido por “Deus, pátria, família e liberdade” e gostaria de saber quando eles serão curados e liberados deste estado de transe e zumbificação movido pelo ódio e por um falso sentimento de democracia.

E um recado para os manifestantes: alguns de vocês só não foram presos ou multados devido a mesma impunidade aplicada a Lula (lava jato, mensalão, tríplex, o que vocês quiserem) e que agora também blinda Bolsonaro de responder pelo orçamento secreto, rachadinhas, sigilos de um século, etc.

E não pensem que o fato de vocês não terem sido presos se deu por razão de estarem corretos. A conivência policial e a própria falta de efetivo e logística impossibilita enjaular de uma só vez milhares de pessoas e caminhões. O sistema carcerário mal acomoda criminosos condenados, imagina só os cidadãos de “bem”?

A movimentação de vocês deveria ser uma por uma reforma política, pelo fim da reeleição e por menos impunidade. Parem de cometer crimes em nome de políticos que só ali permanecem para se blindarem das grades. Parem de idolatrar ideologias e acima de tudo, aprendam a se informar!

Repudio todos estes atos golpistas que deterioram nossa economia e fragilizam nossa democracia. Repudio o destrato aos jornalistas, que nada fazem além de tentar manter em dia a sanidade de quem ainda não foi corrompido e condicionado a uma realidade paralela desencadeada pela difusão massiva das fake news!

Eu também não quero sair as ruas e sentir medo quando ver uma pessoa, um apartamento ou um automóvel adornado com a bandeira do Brasil! Para finalizar, peço que reflitam se realmente vale a pena estourar uma guerra civil por políticos desta estirpe e dar cabo da vida dos próprios brasileiros em nome do “patriotismo”.


Caio Machado é bacharel em Jornalismo pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Além de editor-chefe do Jornal de Patos, também atua como repórter televisivo, produtor musical e artista independente.

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1 Comentários

  1. Assino embaixo de tudo que escreveu, entretanto eu sei, nós sabemos de todas as iniquidades cometidas por seguidores, sim seguidores e não eleitores do candidato à reeleição que perdeu nos votos e nas compostura, se é que ele alguma vez na vida, tanto como militar quanto como político. Além do estelionato eleitoral que ele vem cometendo desde que foi eleito em 2018, e das ameaças que fez e vem fazendo a jornalistas, sobretudo, mulheres e sem contar seus atos, todos públicos e notórios, de racismo, homofobia, desdém com os acometidos pela Covid-19, proteção a marginais, a lista é grande, ainda aventa que as eleições foram fraudadas, e covardemente, não aceita o resultado. E se omite em dizer para sua matilha de chacais e hienas, travestidas de cordeiros e cordeiras verde-amarelos, para não fazerem os bloqueios tão prejudicais ao povo brasileiro, que mal saiu de uma pandemia e entra num turbilhão de fascistas perturbadores da ordem e do progresso conquistado por longos anos. Aliás, sobre as cordeirinhas-maritacas, nunca vi tantas mulheres raivosas nas ruas, agora portando armas e ameaçando cidadãos à luz do dia, sejam homens ou mulheres. A maioria delas nunca sequer amamentaram ou lavaram uma mala de roupas. Agora eu queria, que esses e essas patriotas, viúvas e viúvos do mito, não da pandemia, enumerassem para nós, nove coisas, para ficar com o achincalhe dos nove dedos do nosso futuro presidente, que esse mito fez durante quatro cuspindo, escarrando na dignidade de nossa Nação e que não foram nocivas? E o pior, contra a ignorância e o obscurantismo, as sanguessugas, os gados e fanáticos, não há argumentos, não verbais. Triste, pela primeira vez, vejo a verdadeira e vergonhosa face ignóbil e podre de alguns de meus conterrâneos conterrâneas golpistas de primeira hora, heróis uns para os outros e que defecam arrogantemente nos nossos mais sagrados símbolos, e pior, transformados em armas e armaduras de suas ignominiosas e pusilânimes ações .

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