Intrínseco

Por Juliana Canhestro

Imagem: Ogusto Rener

Esses dias, remeteu-me aquela apneia dos velhos tempos. Lembranças que equivalem a mais ou menos dois segundos antes da sensação aprazível de como se fosse a morte. Memórias que trazem o significado da existência rasa. A história do orvalho de licor de espinhos que mudou para sempre a vida daquela criança.

Árdua e mais árdua a cada segundo, mesmo em tempos depois, ainda se queima e rasga a sua garganta. A menina não consegue se lembrar de nada, não se sabe o que aconteceu, ninguém sabe. A única certeza é que sua vida acabou ali. Bom, talvez acabar seja nímio, de fato, não será mais a mesma.

Recorda-se de deitar-se sob aqueles lençóis brancos, olhar pela janela do 6° andar e chorar uma dor que a asfixiava. Ali dentro, mesmo sendo tão pequena e pura, desejava libertar sua alma que não possuía mais a aurora de uma criança. Não se vivia mais, apenas carregava a insuportável dor e o desalento talhado em seu peito. Ela ainda permanece dentro do silêncio, se encontra em lágrimas, mas ninguém vê, ninguém se importa. Clama socorro, perde o fôlego, mas sua única companhia ainda é aquela janela, por onde o vento não passa, apenas o barulho das sirenes que ecoem entre os prédios cinzas daquela enorme cidade chuvosa.

No fechar dos olhos se sufoca com as lembranças turvas. Em teus suspiros dobrados, salgados, a dor sangra. Viver tua vida bucólica, não seria mais possível. Aquela gota árdua lhe destruiu por dentro e deixou marcas horríveis por fora. Em teu gélido funcionamento, sua esperança se esvai. Não há mais refúgio diante deste fardo. Entre tuas lamentações frágeis e ilusões fantasiadas de esperança, ela se esgota.

Tudo isso faz parte de minha essência. Convenço-me na virtude do aguardo, e deixo o peso da minha existência sobre meus ombros. Dói muito, e nesse relance, continuo observando a minha alma inania, ao deixar este corpo exausto.


Juliana Canhestro é uma advogada apaixonada pela música e a natureza. Em constante crescimento e conhecimento, gosta de escrever e sonhar nas horas vagas.

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