Estar

Por Elza Maia

Imagem: Victor Caixeta

Era cedo quando despertou. Esfregou seus olhos com delicadeza. Se habituou à luz amena que esgueirava pelas frestas da madeira. Estava fresco quando seus cabelos desmancharam pelo rosto tácito, como se fossem plumas plainando ao vento gentil que visita o fim das tardes de abril. Era de maneira lenta que se erguia e se via, sem saber bem dizer como, respirando mais uma vez, ainda embebecida pelo sono, estando sob o céu após ter se espreitado em caminhos escuros, soturnos, tortuosos, duvidosos. Era por entre eles em que do tempo corria, de quem mais temia e não suportava a ideia de encará-lo. Enquanto este lhe seguia e tentava, desejava, tão ávida e gentilmente, apenas lhe contar que não precisava se acelerar por entre o percurso que machucava. Tudo ficaria como deveria ser.

Era manhã quando sorria, arqueando os lábios com sutileza, e via a tão velha e surrada máscara repousar sobre a cômoda. À soleira estavam os pés feridos do tempo, lhe velando, garantindo com os olhos lânguidos e levemente apreensivos que não a assustaria novamente. Os dedos da mão dobrados suavemente, no batente, quase como um ímpeto para não se deixar entrar. Era um devaneio do acordar. E podia notar as feridas espalhadas, os cortes curados, as marcas surradas. Mas ainda lhe sorria. Eram suas. E jamais partiriam, os vestígios dos pés descalços no asfalto que suspeitava nunca ter fim.

No entanto, enfim, recobrava-se do calor ameno da brisa que salpica o rosto, do ar que infla os pulmões e eleva a devanear para além do mar azul que encara ao se voltar para cima. O tempo então se apercebeu notado, os olhos castanhos pousavam com tranquilidade para a sua figura protetora adiante. Deixou escapar uma lufada de ar por entre os lábios. E neste quase suspirar, pareceu escutar uma confirmação acolhedora pairar na atmosfera serena, sinalizando que já não precisava mais estar. Logo, de maneira passageira, seus dedos deslizaram pelo chão até se esvair, então.

Havia entendido, tão naturalmente, que a briga constante em que se metia era a recusa de se olhar no espelho e fitar a tão transparente verdade que, de quem fugia, era de si. E tão subitamente, como um sopro, já não era tão ruim e já não mais precisava se torturar com o peso da antiga máscara que havia se feito no tear das expectativas. Sorriu, de canto, por um momento etéreo em que se deixou levar. O tempo só queria lhe contar. E por fim, contente, passou a escutar.

Elza Maia é uma amante da escrita e aprecia colocar no papel os sentimentos da vida cotidiana. Futura psicóloga, pretende mesclar as duas paixões em uma.

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