A casa n° 180

Por Juliana Canhestro


Como de costume, todos os dias, no meu intervalo das 11 horas, durante meus últimos sete anos, próximo à rádio local da cidade, observava aquelas raízes entrelaçadas pelo barro maciço da casa n° 180. Aquela humilde árvore gameleira respirava acanhadamente entre as fissuras do concreto, sem incomodar ninguém. Quando de súbito roubaram-me tal visagem, naquela manhã alvacentada, os tijolos dos porões já estavam sob o passeio. Em desértica harmonia, o verde já não se via e o céu era visto através das poucas paredes que ali restavam. Permaneceu apenas um monturo. De modo obtuso, a bela casa foi substituída por quatro vagas a mais no estacionamento. Penso “o que será a reminiscência da cidade? Palacetes derrubados que hoje são farmácias? Mais um casarão demolido perto da matriz? O velho cinema da cidade onde hoje também é um estacionamento?” Esquecer a história é tão fácil quanto derrubar tijolos. Construir prédios é mais célere que revelar fotos. Assim, remeto-me à fala da minha avó, “o presente é também o passado bem recordado”, mas nem o tocável deixado por ele, existe mais.

Graciosa casa desolada, sentava ali no banco da praça que havia em frente, e me vinha indeléveis lembranças de tempos de quimera que, eu mesma, nunca vivi. Talvez seja até um poder das estruturas antigas. Sua melodia silenciosa que era transmitida, sentia apenas as vibrações do meu afago. Ao olhar para ela, logo me transporia de lembranças congêneres à jasmins dos poetas. Quantas gerações passaram por aquelas janelas verdes de madeira, com sofisticados detalhes trazidos pelo tempo. Quantos suspiros na beira da janela entreaberta ao ver o amor passar. Quantas cartas guardadas e segredos nunca revelados, temores emudecidos e desejos varando pelas frinchas do teto. Desígnios daqueles que não viveram nessa época, e ali, olhando pelo lado de fora da imensa casa, com seu teor mineirismo europeu, devaneavam.

Hoje, sentada na praça, à minha frente, resta apenas um muro de cal. Fecho os olhos. A bela casa continua ali. E assim, sempre irei me perder nesse exercício arqueológico, pois o que nos persegue é o esquecimento. Repouso meu olhar sob as estruturas insistentes, sepultando-os em retratos dentro da minha memória.


Juliana Canhestro é uma futura advogada, apaixonada pela música e a natureza. Em constante crescimento e conhecimento, gosta de escrever e sonhar nas horas vagas.

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2 Comentários

  1. Que texto lindo!!!! 👏👏👏👏

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  2. Por mais textos assim, que valoriza a beleza da nossa cidade. Texto lindo

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