O menino fujão e as mais belas obras da arquitetura patense

Por Jô Drumond

Palacete Zama Maciel

Diversas belezas arquitetônicas patenses têm o toque de um menino fujão que atravessou clandestinamente o Atlântico e criou raízes na Terra do Milho. Como dizia um velho amigo, muitas vezes a vida supera a ficção.

O português Augusto da Silva Barão perdeu a mãe quando criança. Seu pai resolveu tentar a vida no Brasil e cruzou o Atlântico com os irmãos maiores. Como ele ainda era pequeno, ficou aos cuidados de uma avó muito severa, de rigidez medieval. Ele sabia que o pai e os irmãos tinham migrado para o Brasil. Não tinha noção da distância, nem das dimensões do país, mas sabia que a única maneira de vir ao Novo Mundo seria de navio. Naquela época ainda não havia tráfego aéreo transatlântico. Matutava uma maneira de se livrar da avó e de fugir para o Brasil. Como morava perto do porto, começou a frequentar a região e a assuntar sobre a travessia. Puxava conversa com marinheiros e com seus ajudantes. Oferecia-se para ajudar no que se fizesse necessário, mas era de pouca valia. Não tinha envergadura nem força física para carregamentos e descarregamentos. Na puberdade, aos doze anos, resolveu bater asas. Seu objetivo não era o ofício de ajudante, nem ajudar quem quer que fosse; era unicamente o sonho de evasão que embalava suas vigílias noturnas provocadas pelo ronco tonitruante da avó.

Com o tempo, fez amizades no porto e, às vezes, visitava o interior dos navios com o intuito de encontrar uma possibilidade de embarcar, às escondidas. Depois de algum tempo acabou fazendo amizade com um jovem marujo de nome Mateus, que prestava serviços subalternos de diversos tipos, ou seja, era “pau para toda obra”. Tratava-se de um rapaz que se propusera esse tipo de trabalho pelo prazer da travessia. Sentia-se nas nuvens, flutuando sobre a imensidão azul. Era como se o oceano fosse o elo entre céu e terra, e como se o seu futuro se escondesse além da linha do horizonte. Todavia percebia que o traiçoeiro horizonte se afastava a cada passo como se intencionasse manter acesa nele a chama da utopia. Mateus adorava a travessia transatlântica e pretendia fazer carreira na marinha.

Certo dia, Augusto confidenciou ao novo amigo sobre seu desejo de evasão para se livrar das judiações impostas pela avó carrasca, e para tentar reencontrar seu pai e seus irmãos, no além-mar. Mateus se prontificou a ajudá-lo no embarque clandestino, com a condição de que ele jamais o envolvesse no assunto, caso fosse descoberto a bordo, o que fatalmente aconteceria, mais cedo ou mais tarde. Augusto passou a pensar cada vez mais no assunto. Esperaria o final do semestre letivo, e partiria nas férias, levando algumas mudas de roupa, água e comida para o início da viagem, até ser descoberto. Eventualmente, seu amigo Mateus poderia ajudá-lo com sobras de refeições. Se fosse descoberto em alto mar, com certeza não seria jogado aos tubarões. Ele se ofereceria para trabalhar com o que quer que fosse para ter direito à alimentação até a chegada ao Rio de Janeiro.

Em uma ensolarada manhã de verão, lá se foi o menino em direção ao porto, de mala e cuia, cheio de expectativas. Mateus pegou a bagagem de Augusto e guardou-a, discretamente, no porão. Escolheu um local onde ninguém entrava, de modo que o amigo pudesse se esconder ali por algum tempo. O esconderijo era escuro e insalubre, mas o fujão não esmoreceu. O primeiro dia de viagem foi nauseabundo. Mareado com o balanço do navio e nauseado com o mau cheiro do porão, arrependeu-se da aventura. Sabia que o navio a vapor gastava de 20 a 30 dias para a travessia. Como suportar isso por tanto tempo? No dia seguinte, ouviu um ruído. Alguém se aproximava. Escondeu-se atrás de uns barris e ficou imóvel. Era Mateus, que lhe trazia alguns petiscos surrupiados na cozinha. Trazia também uma notícia alvissareira. Como o navio transportava passageiros, ele podia se misturar aos demais. Se se apresentasse limpo e bem vestido, poderia passar por passageiro durante o dia; à noite, voltaria para seu fétido esconderijo. Mateus lhe passou as coordenadas, para que usasse o WC e para que fizesse sua toalete sem ser notado. A estratégia deu certo. Apresentava-se em público limpo e bem penteado. Tinha boa aparência. Ninguém desconfiava de sua clandestinidade. Em público, Mateus fingia não o conhecer. Augusto passou a frequentar uma pequena biblioteca do navio, à disposição dos passageiros. Pegava um bom livro, assentava-se no convés e passava parte do dia apreciando a paisagem e lendo. Mateus tinha acesso à cozinha, pois às vezes trabalhava como copeiro ou garçom, nos horários das refeições. Discretamente, passava por perto do leitor compulsivo e deixava, a seu lado, algo para beber e comer. Augusto evitava travar conhecimento durante a viagem com meninos de sua idade, pois não saberia o que dizer sobre o fato de estar viajando sem nenhum familiar ou responsável. A cada dia escolhia um local aprazível, no convés e se punha a ler, com seu augusto porte de gente de bem e de bens. Os adultos ficavam encantados com sua atitude. Em vez de brincar, de jogar ou de zanzar como os outros de sua idade, preferia mergulhar na leitura. Era um bom exemplo aos demais garotos. Aos olhos dos mais velhos, se todos os jovens fossem como ele, certamente o mundo seria melhor.

A viagem transcorreu sem incidentes. Sua figura passou a ser conhecida por quase todos, como se fosse um garoto acompanhado da respectiva família. Usava o WC comum, dos passageiros. Sua roupa era lavada juntamente com as do amigo, como se dele fossem. Tinham ambos quase a mesma estatura.

Ao chegar ao Rio, Mateus providenciou a saída imperceptível do clandestino, em local e horário apropriados. Avisou-lhe que o navio ficaria cerca de dois dias ancorado. Se precisasse de algo, que o procurasse. Despediram-se com um forte abraço e lá se foi Augusto, sem saber que rumo tomar. Soube que o Rio de Janeiro era muito populoso. Encontrar seu pai ali seria como procurar agulha num palheiro. Sem saber o que fazer, nada fez. Sentou-se no primeiro boteco e pediu algo para beber. Abordou um grupo de três senhores que ocupavam uma mesa ao lado e lhes perguntou se alguém conhecia um português conhecido como o Barão do Estuque.

Um dos três lhe dirigiu um olhar inquiridor e lhe perguntou:

− O que queres com ele?

− Vim ao Brasil em busca dele. É meu pai.

− O quê ? Qual é teu nome?

− Augusto da Silva Barão.

− Não acredito! É muita coincidência! Dá-me cá um abraço, meu filho. Como tu estás mudado! Eu jamais te reconheceria. Quando me mudei para estas terras, eras mui pequenino. Já és um rapagão!

Manoel Estuqueiro era perito na arte do estuque. Na Europa, já havia trabalhado na decoração de muitos palácios. Seu trabalho consistia em criar um revestimento decorativo, muitas vezes imitando o mármore ou o alabastro, usando uma argamassa composta da adição de gesso, pó de mármore, cola, água e cal como revestimento decorativo dos edifícios mais nobres.

Encontrou ótimo campo de trabalho no Rio de Janeiro, onde a construção civil estava de vento em popa. Seus filhos enveredaram nesse ramo de trabalho. Foi convidado a Trabalhar na construção da imponente Igreja de São José, no centro de Belo Horizonte. Seu trabalho se tornou conhecido na capital mineira. Daí surgiu a oportunidade de trabalhar em Patos de Minas, por indicação de Olegário Maciel. As mais belas construções de Patos passaram por seu crivo: o Grupo Escolar Marcolino de Barros, A Escola Normal Antônio Dias Maciel, o Fórum, o palacete do Zama Maciel, a casa de Olegário Maciel, a casa do Binga e outras belas residências que ainda existem no centro da cidade.

Vejamos, em algumas imagens das construções mencionadas, o ecletismo arquitetônico da época, que engloba diversas concepções estéticas, sem se prender a um único estilo.

Como o garoto inexperiente conseguiu encontrar seu pai, sem passar pelas agruras da procura? Artimanhas do destino.

Escola Estadual Marcolino de Barros

Escola Estadual Antônio Dias Maciel

Antigo Fórum e atual Semed

Casa de Olegário Maciel e MuP

Palacete ao lado da Catedral de Santo Antônio


Jô Drumond é escritora, tradutora juramentada e artista plástica. Já publicou 18 livros. Pertence a três academias de Letras: Afemil, AEL e Afesl. É colaboradora do Jornal de Patos, da Revista cultural Desleituras e publica no próprio blog.

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20 Comentários

  1. Muito bonito a História, acrescento que o Palacete da Avenida Getulio Vargas, não era do Zama Maciel.
    Mas de Amadeu Dias Maciel.e sua esposa e sobrinha Jorgeta Maciel.

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    1. Obrigada pela nformação. Na infância, eu conhecia esse palacete como " a casa de Zama Maciel". Era sua moradia.. Lembro-me de que, no dia de seu sepultamento, nós, alunas da Escola Normal, fomos uniformizadas, em fila dupla, todas muito sérias e compenetradas. Na volta do cemitério, consegui carona na carroceria de uma caminhonete, juntamente com algumas coleguinhas púberes. Voltamos fazendo batucada e algazarra. Se donaFilomena, a severa iretora, nos visse, seríamos expulsas do educandário.

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  2. Ótimo texto que a gente lê sem parar!!!! 👏👏👏👏

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  3. Texto muito interessante.Fiquei ciente de nosso belo patrimônio histórico.

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  4. Que texto maravilhoso!!
    Conhecer um pouco da nossa história, da nossa linda Patos de Minas.

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  5. Parabéns Jô! Como sempre arrasando nos resgates do seu torrão!!!!

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  6. Uma aventura que tinha tudo pra dar errado, atravessar o atlântico clandestinamente; nenhuma referência para encontrar o pai; mas relatou muito bem a autora, artimanhas do destino. Para o universo nada é impossível. Parabéns amada Jô, seus relatos me encantam. Neusa.

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  7. Jo, que relato aventureiro, a fuga deu certo. Gostei de saber que existiu uma avo dessas, parecida com a minha, kkk. Historias da vida sao sempre interessantes..iiniinteressanted

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  8. Jo Drumond nos presenteia com um texto rico em pesquisa, conhecimento e primoroso. Saboreei como quem o faz com o mais requintado jantar. Que maravilha de artigo. Senti-me na pele do menino fujão 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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  9. Que belo! História interessante! Que menino corajoso! E de sorte! Encontrou pessoas boas e sabia fazer amizades.
    Eu não sabia que sua cidade era tão linda!

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  10. Jo Drummond traz mais um relato carregado de mineiridade, que mostra a forca de um desejo, do "fujao" de fugir de uma avo carrasca e para encontrar o pai.

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  11. Como gosto de leitura!
    Este texto de aventuras reais foi uma sensação de expectativa para chegar ao final coroado de exito.
    Foi enviado pela neta do Sr. Augusto Barão

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  12. Uma belíssima história real
    A sua aventura no navio e emocionou,parabéns Jô por descrever tão lindamente está aventura do menino fujão

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  13. Como sempre prima,parabéns pela nova história real do menino fujão.
    Patos ganhou um artista
    Jamais imaginaria quem foi o artista decorador destas magníficas construções
    Obrigada por me enviar,bjs

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  14. Maravilhosa esta historia de vida de meu pai nao sabia de tantos detalhes fantastico obrigado fantastico. Moacir barao de campins

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  15. Jo, seus textos são primorosos, baseados em pesquisas reais, o que muito nos prende e fascina. Belíssima arquitetura da sua cidade, a qual conservada. Fiz a leitura atenta aos passos desse menino aventureiro, disciplinado e tão inteligente, graças a educação rígida que recebera de sua avó. Por sorte o desfecho foi feliz. Belíssimo relato.
    Denise Moraes - ES

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  16. Que história incrível!
    Vários imigrantes vieram e ajudaram a construir esta linda nação. Que possamos honrar nossos antepassados. Gratidão por compartilhar esta bela história. 💗

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  17. Belo texto e ótimo registro histórico de personagem importante da cidade. Jô é pescadora de histórias interessantes. Parabéns!

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  18. Belo texto e ótimo registro histórico de personagem importante da cidade. Jô é pescadora de histórias interessantes. Parabéns! As.: JC Mattedi

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