Poética

Texto e imagem por Agostine Braga


Vai, abre um livro de poemas...

Não, não assim o devorando em prelúdios,
Como se fosse roendo dos lírios os olhos, o couro e o cabelo,
Mas como se feito formiga você cortasse uma estilha de folha três vezes o seu peso
E a levasse satisfeita às suas noites de descanso, subsistência e domínio.

Vai, abra-o a dedo, assim por acaso,
E aponte a si um primeiro verso outro, sem tempo a dedicado e título,
Na sorte como se consultasse uma cartomante sobre seu recente término.

Não se atenha ao norte dos fios,
Que ele é o veio de cortesias do poeta;
É esconso índice de índices;
Codex de cancioneiro que a ti ele se faz astrônomo,
Costurando no lombo as estrelas em nós e linhas,
Pegasus e capricórnios, sílfides e tríades afora pelo espaço.

É cortesia do autor, pois,
Que para ti ele se faz no leme,
Que bestas, montes e ilhas surjam de oceanos
Cartografados em sonhos de tinta e compasso.

(sim, até mesmo o mais maldito, pobre e condenado poeta pensou em ti como se escrevesse a um deus próprio)

Ou então me venha e abra este livro a dedo numa estrofe perdida,
Que talvez nela você caia sem rima em livre ribanceira de sete versos,
Como se você tivesse que tanger com o dedo a chaga de um homem
Para acreditar que neste fragmento houve parte na cruz de toda dor...
Contudo, venha sem que se sinta em queda ou em pudor de ressentido,
Mas ciente que também o sol me aqueceu no peito millágrimas frias,
Como João na ceia quedou seu espírito no seio do Filho único.

E como se me lambesse o pescoço,
Me cuspa no canto de uma folha,
Me leia sozinho de imagens,
E com os olhos fechados se perca em mim —
Vendo-se sem sentido, sorrindo, pode ser
Que você me jogue no escuro da sua estante;

Mas pode ser que, por fado, depois de anos,
Você se depare com o mesmo poema lido,
E nele descubra que

Toda esta tua luz, amor e ternura
Já vivia na sua alma em imanência,
Por um poeta amigo a ti refletido.


Agostine Braga é um poeta situado em Patos de Minas.

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