A protuberância da voz

Por Vinícius Ferreira

Arte por José Eduardo de Oliveira

De tempos pra cá, venho trazendo um dos meus maiores prazeres para fora do meu lar, dormir.

Mesmo que acompanhado (com a melhor cia imaginável diga-se de passagem), sempre tive um dilema em dormir. Tenho observado, nesse caso a observação sonora, que uma voz protuberante é a que mais exala num ambiente deveras sinuoso e familiar (quem imaginou um bar antes da minha colocação, saiba que admiro tal sagacidade). O bar da esquina é tipicamente tradicional, tendo como maior requisito o jogo de colocar bolas em um buraco utilizando um pedaço de madeira.

O jogo de sinuca nunca é solitário, apesar de ser corriqueiramente individual, e ter comentários e observações dos demais jogadores ou amantes do jogo, a disputa é extremamente minuciosa. Na maioria das vezes a aposta acontece, mas não para definir o melhor jogador, e sim para definir quem sai com mais respeito da banca.

Em diversos jogos, a voz é fundamental para se impor diante dos adversários. inspiração própria, aprovação do público, desestabilização do adversário, comemoração de algum ato, enfim.

Devido a tal tradição do bar o respeito sempre é evidenciado em qualquer circunstância, mas o fato curioso é que quem carrega boa parte dele, nesse caso, não tem voz para se manifestar, ou pelo menos não tem fala.

Sim, uma peripécia do jogador mais escandaloso do bar, um mudo.

Talvez pela falta de tal cognição ele se torna muito mais expressivo que os demais. A sua manifestação de tristeza, alegria, deboche, desgraça, sempre se destaca perante os outros, com isso a figura cativa da banca se torna cada vez mais caricata e fundamental para o aprendizado social.

Eu já de olhos fechados esperando o sono vir, me indago naquele pensamento reflexivo de que nem sempre a fala será a maneira mais ideal para se comunicar. Um pretexto antigo, quase neandertal e que me desestabilizava toda vez em que eu escutava aqueles grunhidos altos e corriqueiros que partiam da mesa de sinuca do bar da esquina.

Agora, dormir fora de casa já não é um problema mais.


Vinícius Ferreira tem 25 anos e é professor de música em Patos de Minas. Faz parte dos projetos musicais LINGVINA e Banda Livre.

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