Por Jô Drumond
Imagem: Ylanite/Pixabay |
“Deixei meu sapatinho
Na janela do quintal
Papai Noel deixou
Meu presente de Natal
Como é que Papai Noel
Não se esquece de ninguém
Seja rico ou seja pobre
O velhinho sempre vem”
Nos natais de minha infância, em Patos de Minas, eu sempre cantava essa música natalina e nunca me esquecia de colocar os sapatinhos na janela do quintal, na expectativa do que encontraria na manhã seguinte. Diziam-me que Papai Noel preferia descer pela chaminé. Como nossa chaminé era estreita, ele entalaria, com aquele “barrigão”. Por isso, sempre saltava o muro. Os adultos me botavam pra dormir mais cedo, e se preparavam para ir à igreja, antes da ceia. Eu não queria dormir. Gostaria de surpreendê-lo em sua passagem pelo meu quintal. A cada ano o Bom Velhinho certamente envelhecia, assim como o vovô. Será que ainda conseguiria saltar o muro? Eu fingia estar dormindo, mas mantinha a vigília, de olhos fechados, atenta a todo e qualquer ruído, no quintal. Nunca conseguia permanecer acordada por muito tempo. Por conseguinte, nunca consegui vê-lo.
Antigamente, as crianças não eram tão questionadoras como as de hoje. Na atual era tecnológica, parece-me que são mais perspicazes e mais inquiridoras. Meus irmãos e eu acreditávamos piamente em tudo o que os mais velhos diziam a respeito do mito natalino.
Minha sobrinha novaiorquina, Gabriela, veio passar o Natal conosco, em Belo Horizonte, aos três anos de idade. Durante a festa, a chegada de Papai Noel carregando um saco cheio de brinquedos foi motivo de grande alegria para a criançada, mas também fonte de especulações para pequena Gabi. A primeira pergunta dela foi:
− Como ele veio parar aqui, sem lareira?
Foi-lhe explicado que em prédios, nos quais não há chaminés, ele chega pelo elevador. Logo depois, nova pergunta:
− Por que ele não está falando inglês?
Sua avó interveio dizendo que ele fala a língua do país, por onde está passando.
− Mas por que ele está sem luvas?
– Porque está muito quente, respondeu sua mãe. Em Nova Iorque faz muito frio, no Natal, não é mesmo, Gabi? Por isso, lá, ele usa luvas.
− Mas ele está de óculos! Papai Noel não usa óculos!
O que responder? Resolvemos distraí-la com brinquedos para dar fim ao interrogatório.
Perguntei-me, naquele momento, se seria bom manter o mito natalino nos dias de hoje e até que idade ele deveria ser mantido. Nada melhor que a fantasia infantil, mas a descoberta do mito, dependendo da sensibilidade da criança, pode ser motivo de desapontamento ou de decepção. Fazer o quê?
Jô Drumond é escritora, tradutora juramentada e artista plástica. Já publicou 26 livros. Pertence a três academias de Letras: Afemil, AEL e Afesl. É colaboradora do Jornal de Patos, da Revista cultural Desleituras e publica no próprio blog.
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