Por Diessica M. Luiz
Imagem: Nam Hoang/Unsplash |
Trânsito das seis.
Pressa em todos os lugares. Todos presos em algum lugar.
Ressoavam buzinas, motores, passos pesados, conversas apressadas, fiadas e narradas em dois tons mais altos que o natural. Apenas a sinfonia desorganizada para marcar o fim de um dia normal.
Pedro vinha andando pela via com uma segurança destoante, não era pressa, não tinha onde chegar. Parou na esquina para atravessar a rua com uma cautela de quem espera mudar o rumo da própria vida, mas quando o sinal de pedestres ficou verde, hesitou.
Havia algo invisível ali. A música no fone de ouvido, um buraco na porcaria do firmamento, um calafrio inconveniente que lhe percorreu de forma diferente, uma vibração de notificação no bolso já muito esperada ou o nada? Talvez tenha parado porque seguir em ritmo confiante não é assim tão fácil ou só não estivesse tão atento assim.
Ensaiou um passo curto, voltou para a calçada encarando o semáforo por um segundo, como que para ter certeza de que realmente estava fechado e só aí caminhou.
L e n t a m e n t e.
Algo que fazia todo o sentido. Se estivesse com o peito em ebulição, repensando todas as escolhas - de como deveria ter pedido demissão ou mandado aquele arrombado do Cristiano enfiar no cu o conselho não solicitado ou que devia ter se arrumado mais cedo, mesmo sabendo que sairia atrasado -, precisaria ir devagar para recuperar a firmeza do passo.
Mas se estivesse completamente seguro, poderia caminhar de qualquer jeito, então seria devagar, como a porra do dono do mundo.
No fim das contas, não importava.
Um passo após o outro, Pedro atravessou a rua como atravessamos a vida, sem certezas concretas, sem força nas pernas, sem saber o caminho exato ou escolhas certas, mas aproveitando pequenas brechas para seguir em frente, o único caminho possível.
Diessica Luiz é redatora, patense nascida e criada, apaixonada por narrativas, obcecada por pores-do-sol e poeta sempre que possível no Substack Pequeno Adendo.
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