Texto e imagem por Elza Maia
"Já estivemos aqui várias vezes, não é?"
A Morte perguntou, sentada no tamborete de madeira, meio encurvada pela falta de apoio para as costas. E, ainda assim, parecia uma postura exasperada e acolhedora, como a de um terapeuta cansado de um longo dia de trabalho. Seus olhos escuros, a depender do relance, reluziam à luz da casa.
Estavam sentados no quintal desta vez.
Um pouco distante, a luz da cozinha e o céu eram tudo o que havia que os revelasse.
Ao perguntar, a Morte olhou para ele. Sentia-se compaixão no mirar lânguido daqueles olhos escuros. Mas, com o silêncio, lhe restou apenas um lento suspiro que escapou de suas narinas, como se soltasse uma fumaça de cigarro.
"Já estivemos aqui por muito tempo, não é?"
Perguntou-lhe novamente. Sua voz grave e rouca era distante, como um trovão em uma tempestade que ainda não chegara. Mas ao mesmo tempo, era terna e serena, como o aroma que anuncia sua chegada.
Não conseguia responder. Estava sentado, abraçando os joelhos, o queixo repousado sobre eles. Entreolhava, às vezes, para a figura conhecida e envergada ao seu lado. O buscava sorrateiro, de soslaio, mas sem medo. A Morte lhe era conhecida e lhe acompanhava há tempo. Ela aparecia para quem ousava "pensar", dizia. "Pensar demais".
De alguns, ela apenas gostava e fazia companhia. Ou a queria, já que, como o Tempo, odiava estar sozinha.
Mas, para si, ela era uma protagonista, que volta e meia surgia, com sua habitual melancolia. Sua barba mal feita e seu rosto marcado. As sobrancelhas negras, como seu cabelo mal cortado, por vezes eram tudo o que conseguia enxergar na sombra que se formava ao seu redor.
"Você não se cansa de mim?"
Outra indagação.
"Eu sinto seu coração. Não pense em mentir."
Voltou seu olhar para a escada que havia no fundo do quintal. Seus olhos castanhos reluziam o reflexo da luz da cozinha. Pareciam marejados. Queria dizer que sim. Mas então seu coração o trairia. Porque ele doía, na verdade. Lá estavam, ele e a Morte. Ele, sentado no chão; ela, no tamborete. Ele, fitando a escada por entre os joelhos. Ela... suspirou e continuou a olhar para o Vazio.
Elza Maia é uma psicóloga humanista, não escritora. Alguém que não se contém em um só mundo e que escreve o que transcende nas sutilezas do sentir e do olhar.
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1 Comentários
Parabéns pelo texto. Gostei!
ResponderExcluirObrigado por comentar!