Impermanência

 Por Elza Maia

Nesses tempos moribundos, sujos e decadentes, as mãos acumulam poeira como uma estante cheia de livros não tocados, não lidos, não vistos, apenas estáticos. 

Meros acessórios, estórias ornamentais de um tempo em que os olhos sentiam, ouviam, reluziam um mundo a ser desventurado e desbravado.


Nesses tempos monótonos, ressoa-se um único som, uma única voz, como um uníssono de um compasso dificilmente alterado, cadenciado de tal forma que o tempo se torna um pêndulo perfeito.

Sem qualquer transgressão ou pulsação, sem arritmia ou emoção que desfaça o peito em uma súbita sensação de medo de que algo escape, que se acabe, que se perca em um singelo apreço pela, agora então desnatural, impermanência.


Nesses tempos plásticos, encontrei o plácido sabor de ouvir, um tanto que seja, um enquadro no dia apressado, o que ressoa naquele coração aprisionado em uma sala estéril.

Incrivelmente apertada em quatro paredes vastamente largas, comprimidas e oprimidas pelo dissabor das tristezas, das angústias, dos fracassos, tão acumulados, impregnados em cada canto da respiração do peito pesado.


Encontrei, enfim.


Parte da realidade que era inalcançável. A liberdade de ser malfeito, inacabado, errado e contraditório. Que me leva a sorrir, acolher e sentir o tão singelo defeito que pinta, colore, refresca e preenche de um aroma cálido aquelas paredes austeras de por quem eu esbarro.

E minhas mãos, tão empoeiradas como aquela estante de livros decorativos, de repente compõem melodias que me levam para fora. 


Elza Maia é uma psicóloga humanista, não escritora. Alguém que não se contém em um só mundo e que escreve o que transcende nas sutilezas do sentir e do olhar.

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