Roda de conversa sobre desigualdade racial que seria mediada por brancos é cancelada

 Por Rubens Alves Veríssimo

Imagem: Divulgação


Patos de Minas possui uma população estimada de aproximadamente 170 mil habitantes segundo dados do IBGE. A economia do município gira basicamente em torno da produção agrícola e pecuária da região de modo que a indústria é, senão integralmente, pelo menos majoritariamente dependente dos produtores da região. Da mesma forma, grande parte cultura da cidade é voltada para o novo modo caipira de ser: sertanejo universitário estourando nas caixas JBL e caminhonetes, estas financiadas em planos de baixos juros como se fossem para uso de trabalho, mas que são pilotadas para uso recreativo. 

Em uma época especial do ano, todo esse ecossistema se encontra em frenesi para celebrar a capital nacional do milho. Organiza-se uma festa que se pretende popular, mas que segrega aqueles que não podem pagar o ingresso dando a eles uma semana de shows e apresentações gratuitos; na outra semana, o local exclusivo para quem pode pagar, é palco de “artistas” de maior relevância (e cachê) nacional, e como não poderia deixar de ser, os hinos dos sertanejos em eterno processo de graduação celebram o orgulho de ser patense.

Em consonância com a economia dependente do campo que indica aversão ao novo e ao diferente está a ausência de diversidade na cidade. Não há mal algum em ter um mercado agropecuário pujante, o problema está na dependência que não permite industrialização diversa ou desenvolvimento de outros mercados que tornem a economia mais dinâmica.

Em episódio recente, a Prefeitura de Patos de Minas decidiu organizar uma roda de conversa a respeito da desigualdade no mundo do trabalho intitulado “Diálogos de Consciência e Carreira”, um esforço para conscientizar, orientar e (talvez?) ouvir os sujeitos vítimas da disparidade social que é perpetuada em nosso país. Um gesto louvável, não fosse uma pequena pedra no caminho que a própria administração do município colocou e tropeçou: as palestrantes eram todas brancas. E o debate que aconteceria amanhã, justamente durante a programação da Semana Municipal da Consciência Negra, por pessoas ditas competentes e escolhidas a dedo por um Executivo que grita a plenos pulmões sua atenção aos pedidos e necessidades da população, não soube montar uma equipe com pessoas três pessoas pretas em um município com aproximadamente 170 mil habitantes.

Por sorte, ou obviedade, a roda de conversa precisou ser cancelada e o mérito é todo de integrantes dos movimentos negros patenses, que não se calaram perante tamanho absurdo.

Esse evento não causa estranheza, uma vez que reflete a incompetência para lidar com o preconceito racial que o nosso país insiste em negar, além da falta de interesse para com as pautas raciais. O episódio em que a Ministra Aniele Franco teve que fazer uma lista indicando profissionais competentes pretos para trabalharem na Pasta de Simone Tebet, pois essa estava tendo “dificuldades” em encontrar tais pessoas, ainda é recente na memória de quem é racializado; já não se pode garantir o mesmo em relação aos brancos, em especial, às três palestrantes brancas que aceitaram ensinar sobre desigualdade aos pretos patenses.

O domínio do mercado por apenas um segmento, a cultura e o turismo da cidade que giram em torno de uma festa anual monotemática, a classe política que apresenta as mesmas proposições de sempre e tem nos bastidores os mesmos atores, tudo isso conversa diretamente com a falta de interesse ao combate ao racismo patense diário. Aqueles que são protagonistas desde quando a cidade era um brejo, ainda querem ser protagonistas hoje.

A ação proposta pela Secretaria de Desenvolvimento Social (SMDS) vai de encontro ao slogan da atual gestão municipal que escreve “O futuro já começou”. Indago como construir o novo cultivando o mesmo pensamento mesquinho e comportamento racista de privar o preto de protagonizar? Porém, talvez realmente estejam construindo o futuro como querem e, como sempre foi, o preto não terá voz política nele.


Rubens Alves Veríssimo é biólogo, escritor, músico e servidor público em Patos de Minas.

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