Sonho

 Por Elza Maia

Era um sonho. 

Se via ali, naquele descampado amarelado, desbotado pelo céu opaco coberto por nuvens esparsas. O vento sinuoso fazia farfalhar o mato alto enquanto roçava seus cabelos pelo rosto pálido. Enquanto caminhava descalça, enxergava o horizonte tão de perto, mas sem saber ao certo qual era a direção que levava.

Pela pele, sentia surgir a nostalgia de um lugar familiar, um aroma conhecido que a fazia lembrar de certa ternura que há tempos não experimentava. Seu peito se enchia de uma contradição de plenitude e anseio, ao mesmo tempo em que não parecia ser preciso respirar.  

Mas inalar aquela atmosfera era como flutuar. 

E, tão sutilmente, entendeu o que iria encontrar.

A mesma ponte invisível, do mesmo tempo, que só existia naquele lugar. Naquele espaço transitório, onde o limiar era o véu que a realidade estendia por algumas vezes. Nunca saberia dizer quando aconteceria, mas naquele momento lhe era permitido a satisfação de realizar o impossível. 

E este era o se encontrar com o que já não mais estava. Com o que partiu e com o que sobrou dentro de si. Com o toque que acalentava e que já havia se esquecido de como era. Com a voz cálida que lhe assegurava e os braços enlaçados que a acobertavam. E sentia em sua pele o calor, como se realmente fosse. Sentia em seu coração a tranquilidade, como se pudesse ter de novo. Já não era mais só uma foto desvanecida ou uma memória que se dissipava aos poucos. 

Naquele encontro, com a concessão do tempo, a realidade lhe dava um presente que por natureza era incompleto. E seu fim ocorria naquele olhar marejado. O único capaz de transmitir o ímpeto urgente de traduzir tudo aquilo que não havia tempo de se dizer – o amor que não foi permitido entregar, a dor que não foi possível compartilhar, o colo que cabia em um enlaço que não poderia mais ser atado.

O anseio febril de que, se pudesse, jamais deixaria aquele lugar. 

Mas já era tempo de despertar. 

E era um trágico alívio. 

Um presente divino que a condenava a um eterno partir.


Elza Maia é uma psicóloga humanista, não escritora. Alguém que não se contém em um só mundo e que escreve o que transcende nas sutilezas do sentir e do olhar.

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