Patos de Minas ignora a pandemia

Por Caio Machado

Reprodução: WhatsApp
Felizmente eu estava em casa me privando de proliferar um vírus quando dezenas de comerciantes patenses bloquearam momentaneamente a rua principal da cidade para manifestar contra o fechamento parcial do comércio decretado, novamente, pela Prefeitura Municipal, pasmem, porque eles mesmos ainda não conseguiram entender que estamos vivenciando uma pandemia.

Sim, a Rua Major Gote foi palco de um protesto, em que uma incontável aglomeração de pessoas vestidas de preto e carregando inúmeros cartazes, bradavam pela permanência do funcionamento comercial. O motim, provavelmente, foi arquitetado dias antes, pois até de megafones os interlocutores dispunham para dar andamento nas atividades.

Não vou entrar em detalhes, porque como disse, eu não estava lá. Apenas recebi um vídeo pelo WhatsApp. Sorte minha. Vou apenas emitir minha mera opinião sobre o ocorrido. Semanas atrás eu já havia dito que a população patense havia se esquecido da pandemia do novo coronavírus, depois desta manifestação, arrisco a dizer que não se trata de esquecimento, e sim de indiferença.

Desde o começo da pandemia, o país já soma quase 1,3 milhão de casos de COVID-19. Uma marca até pequena se comparamos com o líder na lista de casos no mundo, Estados Unidos, com praticamente o dobro disto. Afirmo que se trata de uma marca pequena, pois o representante mor da nação ignora o vírus, propaga desinformação a respeito do mesmo, e por mais de um mês e meio, sequer nomeou um novo ministro da saúde.

Nesse meio tempo, 1,358,954 de casos estão ativos e mais de 55 mil pessoas já morreram. Pelo menos 1000 óbitos diários são registrados em solo brasileiro e uma projeção do instituto de métrica da Universidade de Washington estima que 5,2 mil pessoas irão morrer diariamente no mês de agosto no Brasil. Poderia ser pior, né? Tá tudo bem, vamos nomear mais um ministro da educação que mentiu ter doutorado. É mais importante.

Mas voltemos para nossa realidade no Arraial dos Patos. Os dados divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde no último dia 25 de junho mostram que 250 casos de coronavírus foram confirmados na cidade, dos quais quatro pessoas faleceram e, pelo menos outras duas, podem ter morrido em decorrência do vírus. O número parece pequeno e definitivamente não assustou a massa que manifestou durante a tarde.

Li no Patos Já que o ato foi batizado de “Movimento Pela Saúde Física e Econômica de Patos de Minas Social” (?). Achei a nomenclatura no mínimo curiosa. Me lembrou dos patenses que estão se aglomerando na orla da Lagoa Grande ou nas pistas de caminhada espalhadas pela cidade para cuidar da saúde. Afinal, estar com o corpo sarado vai ser importantíssimo nos leitos de UTI.

Falando nisto, esta era uma das reinvindicações grafadas nos cartazes dos comerciantes. “Socorro! Precisamos de + Leitos de UTI!”. Duas pessoas seguravam o painel com esta fala. Estavam tão preocupadas com a saúde que nem se importaram com o distanciamento mínimo ou com a aglomeração na qual se misturavam com esmero. Me pergunto se parte dos funcionários estavam ali por livre e espontânea vontade...

Um dos vários cartazes exibia os dizeres “Luto pelo comércio”. Sim, meus compatriotas, foi o comércio que morreu. Não foram as quatro, ou talvez seis vidas ceifadas pelo COVID-19, foi o comércio. Não foi o bom senso em buscar maneiras mais eficazes de protestar pelo direito de continuar trabalhando sem ameaçar a saúde alheia, foi o comércio. Descanse em paz!

Volto a repetir que a Nova Zelândia reduziu a curva de contaminação e basicamente voltou a viver como era antes da pandemia. A vizinha Austrália também cortou o mal pela raiz. E por ironia do destino, o governo neozelandês é sócio democrata e o governo australiano é liberal. Mesmo assim eles trabalharam juntos, porque entendem o óbvio de que a vida humana é mais importante do que o espectro político.

O segredo para controlar o contágio do vírus? Nada que não tenhamos ouvido em exaustão pelo Brasil: confinamento, distanciamento social, quarentena, higienização das mãos, uso de máscara, blá blá blá. Todo mundo está cansado de saber, mas não aguentam ficar quieto em casa, preferem pagar pra ver e colocar entes queridos em perigo, por não terem vergonha na cara.

Sobre o comércio parar e macro e microempresários falirem, etc.: o governo deveria estar subsidiando tudo e não dando uma esmola de 600 reais, mal elaborada desde sua concepção e que agora, na prorrogação por novos três meses, ganhou valores retroativos desrespeitosos. Cerca de 175 bilhões de reais mensais são arrecadados pelo governo só com os impostos que pagamos. Daria pra pagar 600 reais para sempre e parte da mesma grana voltaria para os cofres públicos em forma de imposto.

Se for pra se aglomerar e colocar tudo a perder, incluindo a própria vida, que seja para que o governo aja com eficiência no enfrentamento à pandemia! Que rezem Aves Marias e Padres Nossos em plena Major Gote, num baita fundamentalismo religioso descarado e “apartidário”, para que medidas econômicas verdadeiras e severas (que beneficiem as pessoas e não apenas bancos) sejam tomadas! Vocês estão no direito de protestar contra o que quiserem, mas o façam de forma efetiva!

Termino a crônica com um grande questionamento: se essas mesmas pessoas conseguiram ler o decreto que estipula o fechamento de atividades econômicas não essenciais, elas também deveriam serem capazes de lerem os boletins epidemiológicos publicados pela mesma prefeitura, que por sinal, caso ainda não saibam, evidenciam cerca de 20 novos casos de COVID-19, por dia! Under his eye.

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2 Comentários

  1. O que mais me indigna é a falta de empatia. Não no senso comum e da apropriação do termo para um vitimismo, mas para pensar que estamos todos no mesmo barco. Salvo exceções, o grande argumento do comércio parece ser uma briga de criança: "por que ele pode e não eu?", "Não foi eu, a culpa não é minha, foi ele". Sendo que não existe culpa em primeiro lugar, estamos todos sob a mesma variável (o vírus é bem democrático nesse sentido, vai pobre, rico, comerciante, desempregado, ateu ou cristão) e, novamente, estamos todos na mesma variável!!!! A falta de união e empatia pela população faz com que cada dia seja mais desafiador superar esse momento aversivo. Faço das suas palavras as minhas. E espero, talvez utopicamente, que a população de patos consiga enxergar que não é só você que está no barco tempestuoso, somos todos nós e se não colaborarmos uns com os outros, o barco vai pro fundo do oceano com TODOS.

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  2. Muito triste verificar que há tanta gente que ainda não pensou nas consequências desse ato tão inconsequente... É muita lamentável!

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