O cotidiano patense capturado pelo fotógrafo de rua Agostine Braga

Por Caio Machado


Com seis anos de trajetória artística e cerca de 1500 fotos publicadas pela internet, o fotografo de rua Agostine Braga dos Santos registra e transforma em assunto o cotidiano de Patos de Minas, documentando com olhar aguçado, o que cerca a vida dos patenses e passa sem ser notado pelo peso da rotina dos mesmos.

Conhecido pelos amigos mais próximos como “Tim”, o fotógrafo de 34 anos é formado em Letras pelo Centro Universitário de Patos de Minas (Unipam) e atua como professor da rede privada. A fotografia é a atividade não remunerada que ele pratica como manifestação catártica perpassando os limites da experimentação.

Toda a realidade das imagens capturadas pelo fotógrafo também ganhou repercussão nacional na rede social Instagram, ao serem repostadas algumas vezes em grupos especializados de fotografia de rua como @br.street, @streetphotographybrazil e @everydaybrasil.

Em uma entrevista concedida ao Jornal de Patos por meio de uma videoconferência, Agostine Braga conta o que vivenciou durante a vida e como passou por inúmeros empregos e ocupações até se encontrar na literatura e, principalmente, na fotografia de rua.


Jornal de Patos: Você é natural de Patos de Minas? Onde cresceu e estudou?
Agostine Braga: Nasci em Lagoa Formosa e minha família quase toda também é daquela região. Não só da cidade, mas das roças ao redor, nas regiões de Mata Burro, Cabeceira e Monjolinho. Mudei para Patos de Minas bem cedo, acredito que com uns cinco ou seis anos de idade, e constituí a maior parte da minha vida aqui.
Cursei o Ensino Fundamental na Escola Estadual Santa Terezinha e o Ensino Médio na Escola Estadual Zama Maciel. Não consegui concluir o Ensino Médio nessa época, eu não gostava muito de escola e tomei duas bombas. Depois comecei a trabalhar e decidi sair da escola.
Voltei a estudar tardiamente, quando tinha uns 23, 24 anos, no Cesec Ordalina Vieira Roriz da Costa. Devo muito àquela escola, pois tudo que eu não aprendi no Zama, quando era baderneiro e só zoava, aprendi na marra pelo EJA (Educação de Jovens e Adultos). Esse supletivo me dava toda a estrutura necessária: tinha biblioteca, atendimento individual e um rango muito bom. Lembro que eu trabalhava num supermercado e, logo que saía, ia para lá e ficava até a noite.
Sou muito agradecido por isso, pois tive um grande estímulo para cursar Letras e ir para o meio acadêmico, graças também à professora de física Adriana. Ela me via lendo na biblioteca e quando conversávamos dizia que eu tinha que ir para a faculdade. Na época, e até hoje, ir para o Ensino Superior significava adentrar ao mercado e se tornar alguém.

JP: Com o que você trabalhou antes de começar a lecionar?
AB: Trabalhei como auxiliar de escritório, depois fui para supermercado, vendi roupas pela internet e também atuei como cobrador de ônibus (eu adorava este emprego pois eu tinha bastante tempo para ler nas viagens longas para Belo Horizonte ou Uberaba). Também trabalhei num frigorífico, em lan house com videogame e fui atendente de padaria.


JP: Soube que nos anos 2000 você participou de uma banda de rock. Como foi a experiência?
AB: Tive duas bandas. A primeira chamava Benedito Rules. Era uma bandinha de cover de Ramones e a gente se apresentava só em garagens e eventos punks alternativos. Isso foi em 2003, eu acho. Eu “tocava” baixo (não sabíamos tocar nada, era um lance mais performático), Adriano “Lento” fazia as guitarras e o Natim tocava bateria. Com a saída do Adriano, Bruno Santos “Goiaba” assumiu o baixo e eu fui pra guitarra. Quando ele entrou na banda, se é que podemos chamar isso de banda, mudamos o nome para “Porco Suado”. Lá pra meados de 2005, tocamos em eventos como o Mercado Negro do Rock, nesse tempo já existia uma cena alternativa bem forte na cidade. Me diverti muito nessa época.

JP: Quando você ingressou no curso de Letras?
AB: Entrei no curso de Letras do Unipam no ano de 2012. De imediato gostei muito e vi que era isso mesmo que eu queria. Não pretendia ser professor, sempre gostei de literatura e tinha aquela ideia bem inocente de ser escritor. E durante o curso aconteceu o contrário e eu desanimei completamente de escrever. Isso infelizmente ocorre quando você entra em contato com textos muito aprofundados e críticos e entra numa onda errada de perfeição e autocrítica passando a ter vergonha do que escreve. É difícil superar isso para quem estuda poesia e literatura. Ao mesmo tempo comecei a sentir vontade de ser professor durante os estágios. Eu gostava de educar e transmitir conhecimento.
No último ano do curso eu já estava dando aula de literatura no Colégio Nossa Senhora das Graças (CNSG), o que foi desafiante, mas depois disso eu continuei na escola, e fui emendando pós e mestrado. Enfim, encontrei meu lugar e devo muito aos professores do Unipam por este enviesamento. Hoje leciono Artes no CNSG e Literatura nos colégios Marista e Fonseca Rodrigues, além de atuar em alguns cursinhos.

Fotografia capturada durante estadia no Rio de Janeiro

JP: Seu mestrado em Ciência da Literatura foi realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como foi a experiência?
AB: Eu estava morando em Patos de Minas há bastante tempo, já estabelecido, mas numa decisão bem radical decidi deixar meu emprego e demais compromissos na cidade e ir para o Rio de Janeiro estudar. Eu já estava fotografando nesta época e achei que os novos ares seriam interessantes. Fiquei lá no ano de 2017 e parte de 2018, quando, já em Patos, eu fazia viagens recorrentes ao Rio. Dei sorte e, logo que voltei para Patos de Minas, fui chamado novamente para as escolas e consegui me estabelecer novamente. Foi interessante isso, quase como uma “volta do filho pródigo” à cidade.

JP: Além de lecionar, você também escreve poesia. Conte sobre as competições literárias que participou em Patos de Minas.
AB: Participei de dois concursos de poesia adulta no Balaio de Arte e Cultura e nos dois eu fui premiado em primeiro lugar. Naquele prêmio que leva o nome do Juca da Angélica, nosso grande poeta regionalista e trovador, que, inclusive, é de Lagoa Formosa.
Participei também deste último concurso “Patos, Coração e Chão”, da prefeitura, porém sem sucesso. Também participei de um concurso de contos no Unipam. Isso foi numa época em que eu estava me aventurando na prosa e que um professor me “alertou” que eu não daria muito certo no gênero. Aí me enveredei pra poesia e até hoje foco nisso e em textos de crítica estética... acho prosa muito difícil, não é a minha forma de raciocínio. Até acho que há um contato muito forte da fotografia com a poesia. Se pudéssemos fazer uma relação, acho que a prosa está mais para a linguagem do cinema, com um discurso mais linear, que não faz muito meu estilo. Exige algo de mim que não tenho propriedade.


JP: Falando em fotografia, quando surgiu o interesse por esta arte?
AB: Morei por um breve período em São Paulo com minha ex-namorada Mariana. Ela estava fazendo um curso de design e por isso aprendeu várias técnicas de fotografia. Com ela aprendi algumas coisas e nós fazíamos percursos pela rua fotografando. Me interessei vagamente por isso na época e fotografava ela, a minha casa e outras coisas, apenas por diversão. Nunca pensei que iria levar isso a sério.
Comecei a fotografar mesmo em 2014, já em Patos de Minas, quando peguei uma câmera Sony compacta, bem básica, com apenas 4 megapixels, emprestada com uma prima. Decidi fazer um percurso na paróquia da Igreja dos Capuchinhos. Sempre andei muito a pé ou usando o transporte público das cidades em que morei e já estava com essa ideia na cabeça de entrar nos lugares e perscrutar. Foi uma aventura redescobrir um ambiente que eu tinha vivenciado na minha infância e adolescência. Fiz um ensaio muito bacana e, inclusive, participei de um concurso no Balaio, no qual fiquei em segundo lugar com as fotos tiradas na igreja.
Isso também me deu um estímulo a mais e a partir daí já me interessei por fotografia e decidir comprar minha própria câmera. Queria uma câmera menor, que não fosse uma DSLR, e sim uma mirrorless, mais compacta, por conta da liberdade para fazer esses tipos de percurso. Quando ela chegou, comecei a andar nas ruas de Patos de Minas fotografando.

JP: Como foi o início com a fotografia de rua?
AB: Depois que comprei a câmera fui para Santana de Patos, onde fiz minhas algumas das minhas primeiras fotografias de rua. É um distrito minúsculo com apenas algumas ruas. Fiquei por lá o dia todo: cheguei de ônibus pela manhã e fui embora só à noite. Entrei na igreja e na casa dos habitantes. Eu não pedia para eles fazerem pose, eu ia fotografando de uma forma bem natural, que é a base da fotografia de rua, chamada de “candid photo”, aquela fotografia espontânea, que acontece no momento.
Achei muito interessante, pois cheguei na casa de um senhor chamado José, que na época estava com 100 anos de idade. Eu custava a entender o que ele falava e ele custava a me entender também. Ele já estava bem surdinho, vivia sozinho num casarão e eu, de bicudo, cheguei na porta para tirar uma foto dentro do quarto dele, pela janela. Uma coisa até “proibida” do ponto de vista moral, mas quando ele me viu, me chamou pra dentro pra explicar a vida dele. E, nisso, os habitantes começaram a aparecer e começaram a explicar como ele vivia.
Fiz um ensaio interessante com esse senhor, e expus três fotos dele num painel de um concurso do Balaio. A filha dele viu esse painel na exposição e ficou emocionada, me ligou quase chorando dizendo que tinha achado muito bonito. Eu até dei o painel para ela. Então tinha começado a fotografar com esse tipo de experiência, e, assim, não fiquei inibido e nem tímido, sequer intimidado diante das ruas e das pessoas. Isso facilitou bastante. Depois disso, comecei a acompanhar as cenas de fotografia de rua no mundo, que são muito potentes, do ponto de vista histórico e estético. Quando você começa, você entra numa onda e a acompanha, viciando cada vez mais em fotografar.


JP: Quem foram as suas principais Influências na fotografia de rua?
AB: Depois que comecei a pesquisar sobre fotografia, encontrei um coletivo chamado SelvaSP, formado por fotógrafos de rua de São Paulo e foi por meio deles, principalmente pela influência do fotógrafo Gustavo Minas, que tive a ideia de sair para fotografar.
Dos brasileiros mais clássicos, gosto do Carlos Moreira, Eustáquio Neves, Mário Cravo Neto, Miguel Rio Branco e João Castilho. Dos mais recentes, curto as fotos do Fernando Cohen, Drago e Andersoulstreet e outros; além dos latinos Sergio Larrain, Manuel Alvarez Bravo, Graciela Iturbide e Juan Rulfo. Lá fora, gosto da Hellen Levitt e Vivian Maier, bem como o Saul Leiter, Stephen Shore, Luigi Ghirri, Eggleston, Mark Cohen, Hiroshi Sugimoto, Daido Moriyama; também acompanho os coletivos Elephant Gun e Magnum Photos.

JP: Já passou por alguma situação inusitada fotografando a rua?
AB: Era aniversário em Patos de Minas e fui para minha cidade natal Lagoa Formosa para fotografar. Fiquei o dia todo clicando e na volta fui abordado pela polícia, levando o famoso “baculejo”. Eles foram muito agressivos e pensaram que eu estava portando drogas ou algo assim. Eu não estava entendendo nada, portando minha mochilinha com o equipamento fotográfico. Eles viram que não havia drogas e começaram o interrogatório. “O que que você está fazendo aqui?”. Aí eu vi que a coisa estava ficando séria e indaguei se eu não tinha direito de fotografar as ruas; eles meio que ignoraram essa pergunta. Continuaram perguntando o que estava fazendo, de onde eu vinha etc., e então percebi que tinha algo sério por trás disso.
Os policiais viram que eu não estava entendendo nada e me explicaram que eu fotografei a porta de um banco que tinha sido assaltado uma semana atrás. E o pior de tudo é que foi uma foto que eu nem aproveitei — tinha uma escultura de um boi muito tosca e feia na porta do banco, achei aquilo hilário e fotografei. Acho que era uma agência do Banco do Brasil. A cidade estava apreensiva e eu fui denunciado.
E o mais engraçado disso tudo é que só entramos nesse assunto porque de tanto perguntarem quem eu era e o que eu fazia, eu acabei falando que era lagoense e que estava apenas visitando a minha cidade. O PM me perguntou de qual família eu pertencia e acabou descobrindo que éramos meio primos. Ele pegou a câmera que eu estava fotografando para ver as fotos e até apontou que um senhor em uma das fotos era meu tio (eu nem sabia). Lá todo mundo é meio parente!


JP: Em julho de 2019 você virou tema de uma reportagem no Patos Hoje após ser denunciado por patenses que equivocadamente acreditam que você estava as expondo. Você imaginava passar por esse tipo de situação?
AB: Eu já esperava por isso. No geral o povo não gosta de ser fotografado. Mas ao mesmo tempo, tem gente que leva numa boa. Já aconteceram casos de me abordarem de forma mais agressiva ou mais amistosa, como no caso do senhor de Santana de Patos.
Enfim, já fotografo há bastante tempo em Patos de Minas e a minha figura com uma câmera no centro da cidade ou nos bairros periféricos já é bem presente. Pessoas que passam de carro por mim, devem pensar equivocadamente que estou a fazer algo errado ou mesmo expondo pessoas de forma pejorativa. Nesse sentido, acho razoável esse tipo de denúncia, mesmo que tenha acontecido no campo de comentários de um site de notícias que não tinha nada a ver com arte fotográfica.
Após isto, fui convidado pelo Maurício Rocha para ser entrevistado. Fui até lá preparado e armado com um monte de livros de fotografia de rua. Até reli algumas coisas para isso, pois sou apaixonado pela história da fotografia. Acho que ele imaginou que eu era apenas um cara doido que fotograva os outros na rua. Quando começamos a conversar, antes mesmo da entrevista, ele me disse que amava fotografia e falou um pouco da história dos fotógrafos de Patos de Minas, algo que inclusive preciso estudar mais. Começamos a ter este assunto e ele percebeu que estava lidando com alguém que realmente era do ramo e entendia um pouco. No mais, a entrevista foi bem bacana e eu consegui expor o que eu penso de fotografia de rua.

A imagem vencedora da segunda colocação
do concurso "Patos Coração e Chão"

JP: Como foi obter a segunda colocação no concurso cultural “Patos Coração e Chão” da Prefeitura Municipal com uma fotografia de rua?
AB: Por mais que a fotografia de rua tenha se popularizado dos anos 2000 para cá, ainda é um lance meio marginalizado, não é bem-visto socialmente. Mas ela é algo super essencial e política e foi por isso que achei interessante esse prêmio da prefeitura em uma foto minha. Deu uma valorizada bacana, pois aqui em Patos de Minas ainda não temos essa cultura, mesmo com fotógrafos de rua ótimos como a Cris Romeiro de BH, que constantemente está por aqui, a Isabella Boreli e o Alexandre Rosa, da banda Pássaro Vivo.

JP: Fale sobre o equipamento que você usa para fotografar nas ruas.
AB: comecei com a câmera compacta da minha prima, geralmente cabem no bolso e possuem apenas uma lente fixa. Depois, comprei a Lumix GX1, uma mirrorless que ficou comigo por anos. Este tipo de câmera é mais compacta que uma DSLR ou reflex padrão, pois não tem espelho, mas ainda possui lentes intercambiáveis.
Depois disso comprei um reflex Canon usada, só para me aprofundar, pois acho interessante o domínio de ajustes do ISO, diafragma e obturador dessas câmeras devido à acessibilidade dos botões disponíveis no corpo. Também acho bacana a ótica de um sensor menos cortado (cropped) para a fotografia de rua.
Posteriormente a vendi e comprei esta Sony RX100 III, uma compacta bem completa que tem um viewfinder (visor) integrado, um zoom ótico relativamente bom e um controle mecânico das configurações interessantes.
Mas eu fotografo mesmo mais com meu celular, pois está sempre no meu bolso e a qualidade das fotos de celulares de hoje são incríveis e não deixam a desejar. O celular ainda tem a vantagem de ser mais discreto e você se expõe menos na rua, não deixando aquela ideia de que se é um fotógrafo.
Aliás, sobre isso, eu acho bacana assumir a condição de fotógrafo, pois deixa as pessoas mais confortáveis e seguras “Estou aqui para fotografar, calma! Estou captando a rua”. Mas, por outro lado, a ideia de ser um “voyeur”, e perscrutar escondido o que está acontecendo é interessante demais; gosto mais dessa parte, de ter uma sensação de estar fazendo algo “proibido”.


JP: Quais destes tipos de câmera você recomenda para quem quer ingressar no universo da fotografia de rua?
AB: É melhor começar pelo celular mesmo. Creio que a qualidade das câmeras de celulares tem uma potência de pixel e qualidade fotográfica superior ou muito similar, por exemplo, à dos fotógrafos que fizeram sucesso no início do século XX. Por exemplo, os franceses Henri Cartier-Bresson e Eugène Atget, que são os dois pioneiros da fotografia de rua. Por mais que eles usassem câmeras Leica, com toda a qualidade de uma câmera analógica, com certeza a qualidade não era tão superior à de um celular de hoje. Todo mundo tem no bolso uma potência, basta educar o olhar.

JP: Você assimilou a poesia com a fotografia. Fotografar a rua mudou a sua escrita, ou vice-versa?
AB: Não penso em fotografia quando vou escrever, minhas influências já são outras. Mas eu acho que há uma coisa interessante na fotografia que pode parecer que não exista na poesia, mas que ocorre também: a questão da performance, da experiência sensorial que você tem ao fazer um percurso.
Falamos muito de fotografia pensando na foto em si, porém esquecemos da ideia de que seu corpo está em movimento na rua, numa paisagem, no campo, ou dentro de um interior, como shoppings e igrejas. Para mim, essa ideia é até superior ao objeto final (a foto impressa ou digital). E acho que isso está na poesia também: essa saída e caminhada para captar experiências e criar versos, coisa que os românticos faziam muito e que acho ser uma tendência pós-moderna, essa questão da performance, do seu corpo na arte. E pelo menos na fotografia de rua, isso é o principal. Tanto penso assim, que não costumo tratar minhas fotos, uso um programa muito vulgar para editá-las ou normalmente já as publico sem nenhum tipo de edição. O que eu mais priorizo é o fato de ter descoberto uma rua, uma casa, pessoas ou objetos que encontro.
Em Patos de Minas, o Lívio Soares de Medeiros é um cara que trabalha combinando poesia com foto, diretamente.


JP: Como a pandemia do coronavírus alterou sua rotina artística?
AB: Ando escrevendo mais textos críticos sobre arte e versos. Porém com a fotografia estou parado. Às vezes quando saio para a padaria, para o mercado, ainda tiro uma foto ou outra e publico, mas, por uma questão política, decidi parar. Pois se é fotografia de rua e não devemos ir para a rua, isso se torna uma questão ética. Mas nada contra outros fotógrafos de rua que estão explorando este momento para retratar o povoamento e a realidade das ruas durante a pandemia. Isso também é importante.
O Michael Dantas, por exemplo, está fazendo um trabalho excepcional. Foi ele quem fotografou as covas rasas em Manaus com um drone. Ele tem também uma série de imagens com crucifixos ao lado de pessoas com máscaras, fotografias que considero símbolos do que estamos passando. O próprio Gustavo Minas está fotografando normalmente, só que agora as pessoas estão mascaradas nas ruas. Eu acho que isso também é uma forma de documentar o que estamos passando.

JP: Pretende realizar alguma exposição ou publicar algo físico como um fotolivro?
AB: Adoro e tenho diversos fotolivros, pois o objeto em si ganha uma completude — A fotografia separada fica muito descontextualizada. Antigamente se acreditava muito que a fotografia era uma espécie de retratação documental da história, só que elas também podem ser entendidas como uma armadilha. A fotografia é sugestiva e mente demais. As pessoas criam uma fantasia entorno delas, imaginando, por exemplo, que um senhor numa foto pode estar triste, etc. Uma fotografia únicatem um poder de sugestão assim como um verso, criando uma imagem que deve ser preenchida com o que está entorno dela. Fotografia é sugestão.
Quando se tem um fotolivro, existe um discurso imagético; uma história delineada pelo fotógrafo e a subjetividade do mesmo fica mais clara. Infelizmente um fotolivro é muito caro e não me imagino publicando um. Nesse formato penso em lançar folders ou pequenos cadernos mais baratos de serem publicados. Outra coisa que quero é pregar lambe-lambes em paredões da cidade com diversas fotos que fiz de Patos de Minas.
Em 2017, o Fábricio Henrique do projeto Hiatabambara realizou um projeto audiovisual no MUP (Museu de Patos de Minas) e pude participar com três fotos minhas impressas. Além disso, outras imagens minhas ilustraram os clipes das canções dele. Acho a música dele muito urbana e ela preenche perfeitamente a narrativa de fotos de rua, pretendo realizar outra mostra deste tipo com ele assim que a pandemia acabar.
E, principalmente, assim que tudo melhorar, pretendo criar uma oficina de fotografia de rua, pois vejo uma galera da cidade interessada no tema. Quem sabe até formar um coletivo com os fotógrafos de rua daqui.

JP: O que planeja para o futuro com a fotografia?
AB: Neste momento comprei uma câmera e filmes e estou estudando fotografia analógica. Com a pandemia podemos pensar em outros meios de expressão artística. Estou cansado de fotografar gente nas ruas.
E uma coisa que sempre esteve na minha fotografia é o minimalismo. Pretendo explorar texturas, objeto sem focos, com enquadramentos que fogem da norma. Quero fotografar objetos na rua, como lixo, animais mortos, cabeceiras de cama jogadas num lote, um sofá velho na porta de uma casa, televisores estragados. Esses retalhos do dia a dia.
O fotógrafo Mark Cohen faz isso muito bem, mesclando partes de corpos de pessoas passando pelas ruas junto do ambiente. Fiz algumas fotos assim e gostei muito do resultado. Já que eu não trabalho com isso, não ganho dinheiro e nem pretendo ganhar, tenho liberdade para experimentar como eu quiser.

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4 Comentários

  1. Muito bom...bela entrevista, matéria, com esse excelentíssimo fotógrafo.

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  2. Continue fotografando,seu trabalho tem excelência.

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  3. Sempre gostei de fotografar. É aquela ideia maluca e sublime de que eu vou aprisionar aquele "instante fecundo" da música, para sempre. Como se pudesse capturar e reviver a cada momento aqueles fragmentos infinitos de felicidades visuais. Mas, na entrevista revi o que já sabia: detrás de toda máquina tem um ser humano sensível, em busca de si mesmo, em busca de sua humanidade, de toda humanidade. Parabéns!

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