O universo pop das artes visuais de Gabriel Mota

Por Caio Machado

Gabriel na inauguração do Espaço OCUPA / Foto: Olívia Franco

Quando tinha cinco anos de idade, Gabriel Mota precisou consultar o pediatra Vander por conta da bronquite. Na parede do consultório havia um desenho emoldurado, feito durante a infância em uma atividade escolar em que as crianças deveriam ilustrar o que queriam ser quando crescer. A figura lúdica era a de um médico.

Durante a consulta, Vander perguntou a Gabriel o que ele gostaria de ser quando crescer, mas sem saber o que responder, disse apenas que adorava desenhar. O médico lhe contou sobre a profissão de artista plástico e desde então, aquele menino cresceria determinado a se transformar em um, mesmo sem saber do que se tratava.

Natural de Patos de Minas, Gabriel Henrique Martins Soares, hoje com 27 anos, finaliza a graduação em Artes Visuais pela Universidade de Federal de Uberlândia (UFU) e coleciona realizações no ramo artístico, tendo participado de exposições, mostras e ilustrado livros de escritores diversos.

O interesse dele pela arte surgiu durante a infância, quando ao invés de se ocupar de brincadeiras comuns pelas ruas, preferia desenhar e rabiscar, utilizando lápis de cor, giz de cera e tudo que estivesse ao seu alcance. Ele costumava levar um caderno de desenho para todo lugar e quando o finalizava, logo em seguida começava outro.

“Eu gostava muito de visitar minha tia Vanilda na cidade de Guimarânia. Ela tinha uma loja de vestidos e eu ficava fascinado com as peças das noivas e damas de honra. Adorava a mistura dos exageros com aquela delicadeza e gostava de desenhar várias figuras femininas”, contou Gabriel.

Gabriel sempre preferia desenhar mulheres ao invés de homens, mas após os oito anos de idade, viciou nas animações japonesas Digimon e Dragon Ball e passou a ilustrar também personagens masculinos. Claro que ele criava e fazia as próprias versões femininas dos icônicos personagens daqueles famosos animes.

Ele era conhecido pelos colegas e professores na Escola Estadual Abílio Caixeta de Queiroz (em que estudou durante toda a vida) como o menino que desenhava. Não demorou para que alguns dos mestres lhe estimulassem a procurar por aulas de desenho e se aperfeiçoar no ofício.

Quando tinha 13 anos, a professora Gleide conversou com a artista plástica Walda Queiroz para que Gabriel fizesse uma aula experimental em seu ateliê. Ele se saiu bem no teste, mas não poderia continuar devido à condição financeira, o que mobilizou Walda a lhe oferecer uma bolsa de estudos.

A partir de então, Gabriel começou a frequentar as aulas de Walda aos sábados e passou a aprimorar o traço e a desenvolver um estilo próprio. Ele teve contato com a pintura à óleo e se interessou pela arte. Comprou uma tela, ganhou um estojo de tintas de uma amiga e começou a explorar a nova modalidade artística.

No ano seguinte, a mãe lhe inscreveu na Fundação Promam para que pudesse preparar o filho ao mercado de trabalho. Enquanto frequentava as aulas, Gabriel chegou a levar um portfólio para uma professora, que adorou o trabalho e mostrou para a diretora, que teceu elogios a Gabriel.

Com o término do curso de menor aprendiz, os colegas de Gabriel começaram a serem chamados para atuar como fiscais de zona azul e ele permaneceu na geladeira, apreensivo. A surpresa ocorreu quando a diretora do Promam o convidou para lecionar arte ao lado da professora de pintura em tecido Vanilda.

Aos 15 anos, ele se tornaria o primeiro instrutor de desenho do Promam em um cargo criado especialmente para ele. No começo, a tarefa foi bastante desafiadora, mas graças ao aprendizado obtido com Walda Queiroz, pode se inspirar no conteúdo aprendido com ela e repassar para os alunos que tinha no Cristavo.

“Foi uma época de bastante crescimento pessoal, pois as aulas eram voltadas para um público mais vulnerável da cidade e eu pude conhecer muitas pessoas, com histórias de vida distintas. Os alunos gostavam de minhas aulas e criei amizades importantes nesta época”, recordou Gabriel, que lecionava para adolescentes e adultos.

Enquanto ensinava desenho, observava as aulas de Vanilda que ocorriam em paralelo e aprendia simultaneamente a pintar em tecido. Foi aí que ele começou a pintar panos de panos e a experimentar retratos de artistas que admirava em camisetas velhas. A primeira artista que pintou foi a cantora britânica Amy Winehouse.

Apaixonado por música, Gabriel começou a ilustrar bandas de rock em camisetas e não demorou que logo estivesse realizando encomendas para amigos. “A Lady Gaga tinha acabado de estourar e lembro que pintei inúmeras camisetas dela. Nesta época eu criei uma página no Facebook e comecei a divulgar o trabalho pela internet”.

A primeira camiseta pintada pela Cow Music

Em 2011, uma prima de Gabriel começou a experimentar a técnica de tingimentos de tecidos chamada tie dye e mostrou para ele o que havia pintado. Caroline Borges havia feito o tingimento em uma camiseta de brinde de uma marca de ração de gado e para disfarçar o nome da marca, Gabriel decidiu fazer uma pintura em cima da logomarca.

Ele fez com que a vaca ilustrada na camiseta ficasse parecendo que estava comendo um disco de vinil e como os dois ficaram satisfeitos com o resultado, tiveram a ideia de criar uma marca de roupas autoral e independente que foi batizada de Cow Music (que em tradução literal do inglês, significa Música de Vaca).

Desde então, os primos passaram a combinar a técnica de tie dye de Caroline com as pinturas de Gabriel. Eles ilustravam inicialmente outras vacas, mas logo partiram para bandas de rock e artistas musicais, além de mandalas e figuras relacionadas ao hinduísmo e a cultura indiana.

Quando Gabriel completou 18 anos de idade, ele não poderia continuar trabalhando como menor aprendiz e então foi necessário que ele fosse contratado como prestador de serviços no local, que fez com que as aulas dele expandissem ainda para as quatro sedes do Promam e no Cristavo.

Nesta época, durante alguns meses, ele desenvolveu aulas de desenho para menores infratores do CREAS (Centro de Referência de Assistência Social) a pedido do Senac, e também foi convidado por Walda Queiroz para se juntar a Unart (União dos Artistas Plásticos de Patos de Minas).

Quando terminou o ensino médio se confrontou com a ideia de cursar o ensino superior e pela dificuldade que teria por necessitar mudar de cidade para estudar artes. “Lembro que poucos colegas foram para o ensino superior, pois a maioria trabalhava e não tinha condição de estudar, é algo bem triste”.

Ele estudava a noite devido ao emprego de professor de desenho e mesmo aspirando pelos cursos de artes visuais da UFU ou UNB, decidiu continuar trabalhando. Pela Unart, ele participou de exposições de arte em Patos de Minas e Brasília e visitou o Instituto Inhotim em Belo Horizonte, tendo acesso à arte contemporânea.

“Confesso que eu tinha um pouco de preconceito com a arte contemporânea, pois eu havia crescido realizando algo mais tradicional em Patos de Minas. Mas o contato que tive com Inhotim foi bastante inovador e expandiu os meus horizontes sobre o que eu poderia fazer com a arte”, relatou.

Gabriel participou de vários cursos do Ponto de Cultura ministrados pela artista plástica Arminda Carvalho. Lá ele teve acesso à xilogravura, entalho em madeira e se aprofundou em arte contemporânea e história da arte. Ele também foi convidado por Arminda para ser instrutor de mangá em oficinas diversas.

Ao conhecer a artista e professora Mara Porto, Gabriel foi convidado para expor uma série de retratos de artistas da cultura pop em uma das edições do extinto Domingo no Parque, realizado no Mocambo. Na ocasião, ele passou a tarde fazendo retratos ao vivo e aprimorou a arte de desenhar pessoas.

Em uma das edições do Domingo no Parque, Gabriel fez alguns amigos que culminou na criação Corre Coletivo, um projeto em que trabalhos artísticos e aulas gratuitas eram realizados em escolas públicas. O grupo era formado por Bia, Bertiher, Gabriel, George, Matheus e Marcos.

No ano de 2012, que Gabriel considera bastante prolífico, ele começou a dar aulas particulares num ateliê de um artista que conheceu na Funart e pela primeira vez, realizou uma exposição individual, com um pouco de tudo da própria que refletia o que ele fazia na época.

A exposição intitulada “Internamente Externamente” aconteceu no saguão da biblioteca do Centro Universitário de Patos de Minas. O evento abriu várias portas para Gabriel que chegou a dar entrevistas nos jornais locais e no mesmo ano, foi convidado para ilustrar o livro “Além das Varandas”, do vereador Bosquinho.

Motivado pelo melhor amigo Juraci Alves, Gabriel tomou a decisão de prestar o vestibular para o curso de Artes Visuais da UFU. Juraci ingressou em aulas de canto do curso de música no segundo semestre de 2012 e logo em seguida, em maio de 2013, ele ingressaria no curso tão sonhado.

Os dois dividiram um apartamento nas proximidades do campus da UFU, o que facilitou na divisão das despesas. Gabriel ressalta a importância do apoio da família em relação à escolha da carreira, pois durante o curso, deparou-se com diversos colegas que não foram acolhidos pela família após a decisão de estudar Artes Visuais.


Na vida universitária, Gabriel teve dificuldades em se adaptar com a nova realidade, sentia-se descolado e tinha saudade da família. Mas aos poucos foi se adaptando e fez novas amizades, saindo muito bem no curso e logo no primeiro semestre, conseguindo uma bolsa no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid).

O projeto consistia justamente em algo do qual Gabriel já estava acostumado a fazer, ensinar arte, porém desta vez ele iria lecionar em uma disciplina fixa numa escola. Em 2014, ele também participou do programa “Mais Educação, onde dava aula de desenho e história em quadrinho em duas escolas municipais.

A convite da professora Aninha Duarte, realizou uma exposição individual de pintura onde foram expostas obras de paisagens noturnas e diurnas em que retratou uma cena comum da vida que levava em Patos de Minas, a visão da janela da cozinha da casa mãe e também o que via pela janela do apartamento que morava em Uberlândia.

“Fiquei feliz pelo apoio e reconhecimento da Aninha e adorei fazer esta exposição. O trabalho foi inspirado na arte pós-impressionista, expressionista, modernista e contemporânea de artistas como Van Gogh, Paul Gauguin, Georgia O’Keeffe, dentre outros”, explicou Gabriel.

Das amizades que fez na UFU, passou a frequentar a cidade de São Paulo onde pôde visitar exposições de artistas como Basquiat, Lasar Segall, Joán Miró, Wassily Kandinsky, Cildo Meireles, Adriana Varejão, Yayoi Kusama, Tomie Ohtake e se encantar com o acervo do Museu Afro Brasil.

Devido às novas vivências e pelo conhecimento que obtinha, Gabriel começou a repensar a própria arte e quase teve uma crise de identidade artística. “Eu queria abandonar a arte tradicional que havia aprendido, foi um momento de grande experimentação em que me interessei bastante por arte contemporânea”, disse.

Autorretrato em tinta acrílica feito em 2015.

Infelizmente ele foi acometido por problemas de saúde no ano de 2015 e devido às crises de ansiedade e depressão, foi forçado a postergar a graduação, até que se recuperasse, por meio de terapia, em 2018. No tempo em que esteve doente, passou por um limbo criativo e praticamente não produziu.

Durante a recuperação ele voltou a pintar camisetas, desta vez sozinho, pois a prima Caroline havia ingressado no curso de Direito e a distância fez com que o processo criativo ficasse prejudicado. Gabriel começou a frequentar feiras de artesanato, onde expunha os trabalhos ainda sob a alcunha de Cow Music.

“Eu me sentia tímido em relação a minha arte e utilizar o nome da Cow Music facilitava as coisas para mim. Agora eu finalmente me aceitei e encontrei como artista e passei a usar meu disse”, disse Gabriel, que agora assina com o sobrenome “Mota” devido à árvore genealógica da família.

Após retornar para o curso, Gabriel foi recuperando o ânimo e gradativamente foi voltando a produzir. A tristeza que o assolou durante o período em que esteve doente agora é parte integrante da nova fase artística em que se encontra. “A ideia de que o artista produz quando está mal não funciona pra mim, só consigo quando estou bem”.

Ele se matriculou em diversas disciplinas e voltou a comparecer com a frequência e entusiasmo de antes o curso de Artes Visuais. O ano de 2019 marcou o retorno de Gabriel às exposições e mostrar, e ele participou dos eventos musicais Festival Timbre e Mineiro Beat em Uberlândia, além do Festival Marreco de Arte e Cultura.

Em 2020, ele finalmente conseguiria finalizar a graduação, mas a pandemia do novo coronavírus deu uma desacelerada neste projeto. Ele retornou para a casa da mãe em Patos de Minas e está empenhado em divulgar e vender a própria obra pelo Instagram, além de estar produzindo bastante e se capacitando em cursos online.

Apesar de tudo que passou durante a carreira artística, Gabriel Mota considera o presente como o momento mais marcante de sua vida. “A vida de qualquer artista já é difícil normalmente e continuar fazendo isto no meio de uma pandemia é uma grande conquista e só reforça a vontade que tenho que continuar”, concluiu.

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6 Comentários

  1. Gabriel sou fã do seu trabalho!!! 👏👏👏👏

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  2. Quase uma biografia! Gabriel é um grande artista visual patense!

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  3. Obrigado pela oportunidade, Caio! Parabéns pela iniciativa do jornal!

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  4. Você é um artista maravilhoso. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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  5. Grande artista Gabriel Henrique! Muito bom!

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