Clara Kairós: poetisa, atriz e professora

Por Caio Machado


Quando se mudou para Patos de Minas aos 13 anos de idade, a belorizontina Clara Kairós teve a chance de reconstruir do zero a própria identidade. A liberdade para que ela trilhasse o novo caminho num ambiente em que ninguém a conhecia, resultou num emaranhado de escolhas que a levaram em direção à diversas manifestações artísticas.

Filha dos professores Jefferson e Juliana, Clara Araújo Caixeta Vieira Lima lançou o livro de poesias “Fases Poéticas – Crescente” na mesma época em que mudou de cidade. Atualmente ela faz parte do Grupo Primeiro Ato, onde encena e escreve, e também cursa Letras do Centro Universitário de Patos de Minas (Unipam).

Aos 20 anos, ela divide o tempo em que estuda e atua com as aulas de inglês que leciona para crianças no English Studio, e ainda estuda flauta transversal no Conservatório Municipal. Em entrevista ao Jornal de Patos, concedida por meio de videoconferência, Clara Kairós relata um pouco da trajetória repleta de arte.

Jornal de Patos: Como a literatura começou tão cedo em sua vida? Você se lembra de quando escreveu pela primeira vez?
Clara Kairós: Sempre fui apaixonada por artes em geral. Eu adoro ler e antes mesmo de eu conseguir, minha mãe lia muito pra mim. Quando eu era criança eu dizia que seria roteirista de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica. Escrevi minha primeira poesia aos sete anos de idade. Eu ainda guardo o caderno antigo de escola com este e outros textos. Sempre tive uma ligação muito grande com a causa indígena e o poema se chamava “Todo mundo é índio”. É bem bobinho. Lembro direitinho de quando eu me sentei na mesa para escrever e meu pai veio falar comigo. Eu pedi para ele esperar dizendo “agora eu não posso, estou escrevendo um poema”, super compenetrada.

JP: Como você aderiu ao sobrenome Kairós?
CK: Kairos é o nome de uma empresa de assessoria pastoral e pedagógica de meu pai. Aconteceu de minha mãe ir trabalhar em um local em que havia três Julianas e uma delas, inclusive, tinha o mesmo sobrenome. Como todos nós usamos e-mails terminados em @kairos, o pessoal começou a chama-la assim para diferenciá-la das outras Julianas e eu acabei adotando para mim também.

Atuando no Auto da Barca do Inferno
Foto: Lívio Soares de Medeiros

JP: Quando você se envolveu com o teatro?
CK: Desde que mudei para Patos de Minas, cursei do nono ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio no Colégio Nossa Senhora das Graças. Fui aluna de Artes do professor Marcos Nepomuceno, cujas aulas eu adorava. Certa vez ele comentou comigo que tinha vontade de fundar um grupo de teatro. Mesmo que eu nunca tivesse atuado, eu disse que adorava assistir teatro e que gostaria de participar. No ano seguinte ele realmente criou o grupo e eu me inscrevi. Faço parte do Grupo Primeiro Ato desde a primeira turma.

JP: Com o grupo você pode escrever e contracenar nas próprias peças teatrais. Como está sendo esta experiência?
CK: O Marcos comentou que em 2018, todos os textos encenados seriam de autoria dos próprios alunos do Primeiro Ato. Durante as férias eu tentei escrever algo original, mas fiquei com algumas ideias empacadas. Decidi então fazer uma adaptação de um pequeno conto infantil chamado “A História de Tatê Calanquê Catacan Quixilá Calanquê” da Bia Bedran, transformando-o na peça teatral “Tatê o quê?”. No mesmo ano, comecei a escrever o texto “Era outra vez”, um conto de fadas às avessas que finalizei com a ajuda de um dos grupos. Em 2019, escrevemos e encenamos peça “A vítima” de forma coletiva. Neste ano, iríamos encenar outra peça minha, que seria uma paródia de Dom Quixote, mas fomos impedidos pela pandemia.

JP: Pretende seguir carreira na dramaturgia?
CK: Não sei bem se a dramaturgia é um plano ou um sonho, ou um pouco dos dois. Gostaria de profissionalizar um pouco, fazer alguns cursos e tentar investir nisso para ver se é realmente a área que eu gostaria de seguir, mas fico indecisa porque também gosto muito de educação e de lecionar.

JP: Como tem sido a graduação em Letras?
CK: Sou apaixonada pelo curso e acho muito gostoso estudar vários conteúdos que não foram trabalhados em sala de aula. Há tanto da literatura que não fazemos ideia apenas pelas aulas do ensino médio, muitos autores que eu não tinha acesso e que agora tive o prazer de conhecer. Uma área que também considero interessante é a Linguística.

JP: Em uma entrevista com o fotógrafo de rua Agostine Braga, ele mencionou que os alunos de Letras (que ele também cursou) passam a sentir vergonha dos próprios escritos devido a uma onda de perfeição e autocrítica. Você está passando por algo do tipo?
CK: Para mim, grande parte deste sentimento é culpa do próprio Agostine, pois antes de ingressar no curso de letras ele me disse: “escreva tudo que você tiver que escrever antes de entrar nesse curso, porque assim que entrar, vai achar tudo que escreveu ruim”. Não é bem assim, mas acho que ficamos bem mais criteriosos com tudo que escrevemos.
Eu não tenho esse complexo de ficar procurando erros no passado. Não vou comparar um texto que escrevi hoje, com algum feito pela Clara de sete anos de idade. Acho os autores que fazem isto muito injustos com eles mesmos. Existe um processo de crescimento e amadurecimento. A seleção de poemas que fiz com meu pai pro meu próximo livro, por exemplo, foi muito mais difícil, porque pra mim, nenhum deles estava bom. Precisei fazer algumas modificações e alterações. Realmente nos tornamos mais rígidos com a própria produção.

JP: Como se chamará seu próximo livro?
CK: Assim como meu primeiro livro, que segue o calendário lunar, pretendo lançar este com o mesmo nome de “Fases Poéticas”, porém com uma nova fase da lua.

O primeiro livro de Clara

JP: Como você tem lidado com a pandemia do novo coronavírus?
CK: Estou cansada de ouvir falar sobre esse “novo normal”. No English Studio decidimos continuar com aulas online, o que dificulta um pouco devido à falta de interação com os alunos. Havia muitas dinâmicas e brincadeiras de sentar-se no chão com os meninos e agora isto fica impossível. Estamos tentando nos desdobrar e descobrir outras ferramentas e jogos que possam ser feitos online.
Quanto à faculdade, muita gente está achando difícil, mas como meu curso não tem laboratórios e cálculos, não sinto muita diferença. O que me mata mesmo de saudade é o teatro, ainda mais para nós que somos muito físicos, amáveis e dispostos a estar presentes. Também sinto falta da minha família, de almoços em casa de vó e de sair para fazer coisas atoas. Eu sempre dizia que não gostava de sair, mas agora que eu não posso mais, eu quero ir pra todo lugar.

JP: O que você está lendo agora?
CK: Estou lendo o livro “A Hora da Estrela” da Clarice Lispector, para a faculdade. Terminei de ler “Fahrenheit 451” do escritor Ray Bradbury e fiquei assustadíssima em como um livro escrito a tanto tempo se assemelhe tanto com a realidade que estamos vivendo. No posfácio, o autor fala sobre como surgiu a ideia das queimas aos livros, enquanto ele observava pequenas minorias que foram queimando as partes que as ofendiam e que não gostavam. Isso é tão real e tem muito a ver com a cultura do cancelamento que estamos vivendo, de como as pessoas preferem queimar os conteúdos que não as agradam, ao invés de tentar conversar ou simplesmente deixar as coisas mais divididas. Lógico que não queremos nada que vá ofender os outros, mas essa cultura do cancelamento tem tudo a ver com o que livro trazia há muitos livros.

JP: Em “Fahrenheit 451”, livros eram queimados devido à censura do governo e para que a literatura não fosse perdida de vez, alguns personagens decoravam o conteúdo das obras, para que no futuro pudessem republicá-los. Se você fosse um deles, qual livro decoraria?
CK: Eu sou apaixonada pela escritora Jane Austen e escolheria algum romance dela. Fico entre “Orgulho e Preconceito” e “Mansfield Park”. Dá até aquela dor no coração, né? Tanto livro bom, tanta coisa boa, que se a gente parasse pra pensar que se eles realmente fossem perdidos, seria uma tristeza enorme, tanto pessoalmente, quanto culturalmente. Nós já perdemos muito, pois temos tantos autores bons por aí, dos quais nem ficamos sabendo.


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