Por José Eduardo de Oliveira
Para Marcos Rassi
Recentemente o jornal online
patense, Patos Hoje, publicou a matéria, “Documentário sobre a gravação do filme
‘Grande Sertão: Veredas’ na região já tem data de estreia - A produção da
Pica-Pau Filmes & Produções em parceria com a Lu Chagas Produz revisita um
dos episódios mais marcantes da memória local. No
dia 19 de agosto, às 20h, o Teatro Leão de Formosa será palco da exibição de
estreia do documentário, Entre Cenas e Memórias – Patos de Minas e o Grande
Sertão: Veredas.”
Nessa matéria, escrevi o seguinte comentário: “Na época das filmagens eu morava na
Rua Juca Mandu e quase todas as tardes ia para a porta do Roza Hotel, na Rua
Major Gote ver aquelas pessoas diferentes vestidas de cangaceiros e que iam e
vinham numa velha jardineira e, uma vez ou duas vi a deslumbrante Sônia Clara –
“Diadorim”. Só muitos anos depois vim a saber o que era aquela movimentação
toda. Se não me falha a memória eu era amigo do menino, Benedito, que aparece
chorando nas cenas finais do filme, “o Guirigó”, sua mãe era cozinheira no
hotel. O filme, que se chamou, “Grande Sertão”, que já vi e revi é muito interessante e
importante e como o outro do mesmo nome feito recentemente (2023) também
deturpou a obra-prima de João Guimarães Rosa e muito. E um detalhe, o casarão
onde se passa a cena final do filme não existe mais. E suas janelas tinham
vergas tortas, caso raro da arquitetura da regão, era um casarão que tinha uma
escadaria sui generis.”
1 - Casarão em total abandono mas de pé - Foto: Patos Hoje - 18/09/2012 |
No mesmo Jornal, Patos Hoje, na matéria do dia
18/09/2012,
“Casarão centenário em Santana de Patos
vira problema para os moradores”. Segundo Farley Rocha, autor da matéria, “Se
existe todo um cuidado com o patrimônio histórico no perímetro urbano, na zona
rural de Patos de Minas imóveis centenários estão abandonados. Um exemplo é o
casarão construído na praça da igreja de Santana de Patos. A estrutura em
estilo colonial teria sido construída por escravos há mais de 100 anos e está
caindo aos pedaços.” E, “O estado de conservação da casa, no entanto, preocupa.
A maior parte do teto já desabou. O piso está apodrecendo e as paredes ameaçam
cair. O mato cresce dentro dos cômodos. De acordo com o arquiteto da
prefeitura, Alex Borges, mesmo se o casarão vier abaixo, as escadarias de pedra
e os muros devem ser protegidos.”
Nesta matéria fiz o seguinte
comentário: “Lamentável
como sempre. ‘A nossa querida Patos’, será lembrada pelos Bretas, Walmarts,
shoppings e faculdades que abrem e fecham, luaus, baladas, drogas etc., além de
políticos de baixos calibres... mas e a memória: pó. O resto serão escombros,
como a Casa do Major Jerônimo, a antiga Capela do Rosário, a Rodoviária Velha,
o casario da Avenida Getúlio Vargas. A lista é infinita. Agora, Santana rogai
por nós! Se não me falha a memória (paradoxo), foi naquela casa em Santana que
aconteceu o final do filme Grande Sertão (: Veredas) -1965, Diadorim agonizou.
Santana agoniza. Uma cidade sem passado...”.
E a casa foi tombada,
literalmente.
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2 - Casarão demolido - Igreja restaurada - Foto: Patos Hoje – 25/09/2020 |
Em outra matéria, desse mesmo diário digital, do dia 25/09/2020, “Encontro destaca a restauração da Matriz de Sant’Ana e a valorização do Patrimônio Histórico”, tem uma fotografia da Igreja solida e belamente restaurada e à sua esquerda os escombros do casarão histórico, onde restam calados e aviltados seus alicerces de terra e a escadaria de pedras brutas, onde anônimos plebeus e nobres, senhores e escravos, pobres e ricos deixaram seus passos hoje apagados e esquecidos.
Não comentei a matéria.
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3 - O coreto, o casarão e a Igreja em 1995 - Foto do Autor |
Diante disso,
recordei-me que no dia 11 de fevereiro 1995, um sábado, estive naquele distrito
onde fiz algumas fotografias analógicas e depois escrevi um artigo sem muitas preocupações acadêmicas e
históricas sobre o Distrito que foi publicado para a extinta Revista Diga (Ano
I, n. 7, Fev. Mar./1995 – p. 21). E
agora, republico o mesmo artigo, com algumas poucas alterações, os mesmos erros,
para quem gosta de procurar, e algumas fotografias que não constam no original.
Bom proveito.
LENDA E HISTÓRIA:
SANT’ANA DA BARRA DO ESPÍRITO SANTO
4 - Foto – José Mauro Versiani Gonçalves – sem data |
“A memória, onde cresce a história, que por sua vez a
alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos
trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a
servidão dos homens”. Jacques
Le Goff.
Santana de Patos é
o distrito mais antigo de Patos e sua história está recheada de lendas.
Localizada em um
bucólico sítio, a povoação ainda traz em seus casarios soberbos e centenários
as marcas de um passado glorioso, que no presente alguns moradores, com
orgulho, transformam prazerosamente em lendas ou mesmo verdades misturadas com
exageros. Uma delas, é que, quando foram reformar a Igreja de Santana acharam
uma viga de madeira onde havia entalhado a data de “1712”. Outra, é que em
Santana já houve uma “Capela do Rosário”, que foi demolida e estava localizada
onde hoje é a Escola Estadual. E que esta mesma escola já foi incendiada por
questões políticas. Contam também que o primitivo cemitério era situado onde
atualmente é a praça da Matriz. Outro morador, diz que, Santana já foi grande
produtora de peixes. E que os muros de pedra seca foram construídos por
numerosos escravos. Narram ainda, a legendária história de um pároco local que
andava armado e em certa ocasião exortou a população “a pelo menos caiar” a
fachada das casas que estavam muito sujas. O que foi feito. Mas o que é
história ou lenda só um resgate histórico urgente, pode nos determinar.
Com relação à
história, não nos foi possível - e também fugiria ao âmbito de um artigo de
revista - fazer uma pesquisa aprofundada em fontes primárias manuscritas e ou
fonte iconográficas possivelmente existentes. Baseamos nossa breve crônica nos
relatos de moradores do distrito e em fontes compiladas e transcritas por Roberto
Capri (Minas Gerais e seus Municípios: Município de Patos – 1916); Geraldo
Fonseca (Domínio de Pecuários e Enxadaxins - 1974) e Oliveira Mello (Patos de
Minas - Minha Cidade - 1978 e 1982, A Igreja em Patos de Minas – 1983 e depois,
Patos de Minas, meu bem querer - 2008).
Segundo, Roberto
Capri, “O arraial de Sant´Anna de Patos, cujo nome oficial é Sant´Anna do
Paranayba da Barra do Espírito Santo, foi ácerca de um século, fundado por duas
mulheres: D. Anna Soares da Encarnação, viúva do portuguez Custodio Ferreira,
que fez a doação do terreno para o patrimônio do districto, e D. Margarida de
Jesus, que mandou construir a Egreja Matriz.” (Ortografia original)
5 - Vista geral do Distrito com a Igreja de Santana - sem a torre sineira central - Foto: Roberto Capri - 1916 |
Para Geraldo Fonseca “A povoação teve início por volta de 1806” (FONSECA, 1974, P. 182). E em 1822, foi construída a primitiva capela dedicada a Santa Ana, mãe e mestra de Nossa Senhora, mãe de Jesus Cristo, que a partir de então seria a padroeira, cuja festa se comemora em 26 de julho. Segundo Oliveira Mello, “as terras para construir o patrimônio da paróquia foram doadas por D. Ana Soares da Encarnação” (OLIVEIRA MELLO, 1978, P. 91). E também, segundo Geraldo Fonseca “O relatório do governo, de 1855, traz informação das autoridades de Patrocínio, sobre o patrimônio da Capela de Sant’Ana da Barra do Rio Espírito Santo, 80 alqueires de terras de culturas e campos” (FONSECA, 1974, P. 182).
A Igreja Matriz
atual sofreu várias reformas e o seu frontispício foi modificado e acrescido de
uma torre sineira central, possivelmente entre os anos de 1933 e 1935, pelo
Padre Francisco Curvello. Mas o partido arquitetônico original da igreja parece
que continua o mesmo e compõe-se da nave, capela-mor, sacristia e corredores
laterais. No arco do cruzeiro temos quatro singelas capelas ou retábulos colaterais.
O retábulo-mor com sacrário é majestoso, mas simples e sobre a peanha está a
imagem da padroeira Santa Ana, que disseram não ser a original, que foi
roubada. As proporções da igreja são de bom tamanho, resquício de alguma
opulência do passado. O sino do campanário data de 1954. Existe no coro, um
harmônio (pequeno órgão de fole)
bastante danificado.
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6 – Um velho harmônio que estava no coro da Igreja |
Administrativamente
Santana pertenceu primeiro ao Termo de São Domingos do Araxá, que até 1816,
fazia parte da Capitania de Goiás. Em 15 de outubro de 1827, ela foi elevada a
Distrito de Araxá, até que em 1840, com a criação da Vila do Patrocínio,
Santana passa a ser seu distrito até 1866. A paróquia foi criada pela Lei n°
1903 de julho de 1872.
E o que não deixa
de ser intrigante, é que o povoado de Santo Antônio da Beira do Paranaíba -
antigo nome de Patos de Minas - era uma “aplicação”, um povoado que dependia
judicialmente (juiz de paz) e espiritualmente (batizados, casamentos etc.) de
Santana até 17 de janeiro de 1832 quando foi elevada a Distrito de Patrocínio,
que por sua vez pertencia a Paracatu. Entretanto, em 1866, pela Lei 1.291, de
30 de outubro, que elevou Patos à categoria de vila, Santana passou a ser seu
distrito.
Os documentos
compilados por Geraldo Fonseca, em que segundo ele, encontram “elementos
preciosos”, de alguns aspectos da história de Santana. Em um desses documentos,
de 1827, encontramos que Santana já possuía uma escola custeada pelos moradores
com “sete discípulos”. No entanto, em 1832, no ano de elevação de Patos a
distrito, o povoado já experimentava uma certa decadência e por fim a
estagnação, e o Juiz suplente, Francisco de Paula Gomes, aponta que “não temos
uma escola particular neste Distrito”. Outro Juiz, Luiz Alberto Duarte de
Albuquerque, em 1836, relata que “Esta povoação compõe-se de dezoito casas
habitadas e as demais vazias...” Já Patos, em seu primeiro recenseamento feito
cm 1834 contava com 806 habitantes entre machos e fêmeas (sic): 411 brancos,
260 pardos livres, 29 pardos escravos, 6 pretos livres e 100 pretos escravos.
A partir de 1911,
já aparece o nome de Santana de Patos e o Decreto-lei n° 88 de 30 de março de
1938 torna-o definitivo.
Tem uma história
verídica e curiosa que Oliveira Mello nos conta em seu livro Patos de Minas,
meu bem querer: - É que Santana foi um dos lugares da região que serviu de locação
e para as cenas finais do filme Grande Sertão (1965), que aconteceram na praça,
no adro da Igreja de Santana e no casarão ao lado da igreja, dirigido por
Geraldo e Renato Santos Pereira, baseado no livro de João Guimarães Rosa,
Grande Sertão: Veredas (1956). Eu me recordo que, os atores, atrizes e toda
equipe técnica ficaram hospedados no Roza Hotel.
Em nosso entendimento, Sant’Ana da Barra do Espírito Santo (que também já foi chamado de Sant’Ana do Paranaíba) é um nicho histórico riquíssimo e de grande valor. Quanto à sua arquitetura civil e religiosa, ela já se encontra bastante descaracterizada, mas a memória histórica (inclusive econômica e social) e iconográfica ainda pode ser restaurada e preservada.
FOTOS DO AUTOR DE 1995
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8 - O casarão em 1995, já com as vergas retas etc |
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9 – Fachada do casarão com a escada em pedra lavrada e da Igreja com torre única com nártex em estilo neogótico. |
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10 – O casarão em forma de L e telhados com telhas de canal ou colonial de quatro águas visto da torre sineira da Igreja |
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11 - Frontal do retábulo-mor com o Senhor Morto |
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13 - Muro de pedra seca do casarão da praça também muito usada na região |
Matéria publicada
orginalmente na extinta Revista Diga, Fev. Mar./1995 – p. 21
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