Descompasso

Por Elza Maia


Era uma batida.
Uma corrida sem direção, sentado observando o que parecia ser uma solidão.
Era uma vasta imensidão. De quietude. Era uma noite, milhares de noites sob as miríades de estrelas veladas pelo Sol.
Agora a lua.
Era um relance calmo, sereno, mas frio.
Era vazio.
Era imaginar e delirar com o toque quente da carne macia. O ar esvaziava à medida que respirava e pensava... Não, viajava, nas possibilidades do ser... E escorria, era escorregadio, mais sutil que abrir os olhos ao acordar pelo amanhecer. Como acontece sem perceber.
Líquido, translúcido e calmo.
Era o romper de um lacre de carta.
O farfalhar sereno da copa das árvores, o chilrear dos pardais a se aninhar no lusco fusco.
O crepúsculo.
Era viver uma vida, era sentir o mundo todo ao mesmo tempo em sincronia.
Mas era o descompasso do seu coração, quieto, imerso na vastidão.
Era o medo do fracasso escondido, bem guardado, sob as camadas de determinação. Era a solidão. Era estar só consigo. E não ter o abraço, não sentir o afago ou o hálito quente que sai da boca enquanto palavras escapam de maneira afoita como as folhas ao vento que atingem o chão, sem que se note ou se aperceba.
Era existir. De um jeito diferente.
A água corrente, quente, que saia do chuveiro e embaçava a visão turva. Os olhos castanhos, verdadeiros, existem, enxergam, se perdem, divagam, o corpo curvado sentia sentado no tamborete cada partícula e gotícula se espalhar pelo torso.
Era viver.
Era entre viver na impassível rotina impossível de se escapar quando se é o que é.
Humano.
E ser humano, entre quatro paredes... Ou sentado no quintal, sem que ninguém veja além da multidão constelar pode ser diferente.
É quando se é presente.
Como quando dormir.
E durante a vida, a maior parte do tempo, o descompasso tece uma malha fina de fluidez.
Olha-se no espelho condensado pelo vapor.
É diferente ser.
É difícil não se deixar escorrer.
A chaleira apita.
O relógio toca.
A voz rouca imerge de dentro.
“Toc. Toc.”
Hora de sair do banho.
O dia surge.
O tempo urge.

Elza Maia é uma amante da escrita e aprecia colocar no papel os sentimentos da vida cotidiana. Futura psicóloga, pretende mesclar as duas paixões em uma.


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