Queen Lounge: um ano de resistência e acolhimento ao público LGBTQIA+ patense

Por Caio Machado

Suzy Brasil, Eduardo Almeida, Ameerah, Iuri Nunes e Núbia Pinheiro

Com quase um ano de existência, a Queen Lounge resiste como a única boate voltada ao público LGBTQIA+ em Patos de Minas, cidade conservadora, com trágicas e frequentes demonstrações de homofobia. Antes da pandemia, o local foi palco de inúmeras e badaladas festas e iniciativas sociais de relevância à comunidade LGBT.

A Queen Lounge deriva da Festa Queen, e a ideia de organizá-la, surgiu devido a demanda de eventos voltados à comunidade LGBT, que ficavam desacolhidos e à margem, frequentando baladas que nunca levantavam a bandeira do movimento e até se negavam a afirmar que eram destinadas a aquele público.

O organizador e sócio proprietário da Queen Lounge, Iuri Nunes, relata que as festas eram organizadas por heterossexuais e nunca havia diferenciação de público. “A drag queen Ameerah, que hoje é DJ residente da Queen, testou se lançar em uma destas festas e o proprietário chegou a dizer que não fazia o estilo. Isso causou revolta”.

Junto do parceiro Eduardo Almeida, Iuri organizou a primeira Festa Queen, no dia 03 de novembro de 2018. O evento ocorreu no Liverpool Pub, contanto com a participação das DJ patenses Ameerah e Luana Castro, além das cariocas Veluma e Suzy Brasil, a última, tornando-se futuramente, madrinha da Queen.

Encenada por Marcelo Souza, Suzy Brasil é uma das drag queens caricatas mais conhecidas do Brasil. Ela atua e escreve para os programas A Vila, Baby e Rose, Ferdinando Show, Xilindró, Vai que Cola, Treme Treme, Uma Fortuna Para Dois, e também dubla a personagem Juracy, da série animada Super Drags, da Netflix.

“Organizar a Festa Queen foi algo bem desafiador, pois a cultura de drag queens caricatas ainda era desconhecida para muitos patenses. Inserir o show de stand-up de uma artista tão versátil como a Suzy no meio da festa, foi desafiador, mas além de emocionante, foi de extrema importância para a consolidação da festa”, disse Iuri.

Também organizada na Liverpool Pub, a segunda edição da festa aconteceu no dia 09 de fevereiro de 2019, e além de Suzy Brasil e das DJs Luana Castro e Amerah, contou com a participação do DJ Gui Barros, da drag queen Samara Rios e do grupo de animações de festa Kamikaze.

A draw queen carioca Núbia Pinheiro

Mesmo com a repercussão positiva das festas, Iuri e Eduardo não imaginavam que iriam inaugurar uma boate. Na ocasião em que os eventos ocorriam, o antigo Sweet Home Rock Bar organizava com frequência festas voltadas ao público LGBT, e até então, não seria necessário a abertura de outro local.

Com o encerramento das atividades do Sweet Home - que chegou a abandonar a alcunha de rock bar e tornar-se um pub -, a comunidade LGBT ficou novamente à deriva. Festas foram organizadas em locais diversos por iniciativas como a Frida Produções, mas ainda não existia um local fixo para as festas.

Iuri e Eduardo tomaram conhecimento do antigo imóvel utilizado como restaurante na Rua General Osório e devido ao potencial do mesmo, sugeriram que alguém comprasse e transformasse o local numa boate. Ninguém aderiu a ideia, mas com o apoio de dois sócios, eles decidiram alugar e tornar a Festa Queen em um longe.

Após uma grande negociação, a Queen Lounge foi inaugurada com êxito no dia 20 de setembro de 2019. “Atingimos a lotação máxima e mais de 200 pessoas não conseguiram entrar. Não foi agradável deixa-las de fora, mas isso mostra o quanto a inauguração repercutiu”, descreveu Iuri Nunes.

Por ser a única boate gay na região do Alto Paranaíba, não demorou que o local se tornasse referência e ganhasse vasta adesão do público LGBT. A Queen Lounge abriu espaço para DJs, drag queens e performers de Patos de Minas e região, trazendo também atrações de todo o país.

Iuri destaca que mesmo que o sucesso das festas seja gratificante, o que torna a Queen Lounge relevante são as ações sociais promovidas desde a inauguração da casa. “Iniciativas como a criação de um grupo de apoio psicológico para LGBTs e recrutamento para o mercado de trabalho valem mais do que qualquer festa lotada”.

“A Queen Lounge se tornou muito mais do que uma opção de rolê ou boate. Ela tornou-se referência para um público discriminado que sofre muito com o preconceito. Um local em que as pessoas podem se soltar e ser do jeito que elas são, sem olhares e apontamentos de dedo”, disse Iuri.

Ele relata que um homossexual tem até nove vezes mais possibilidades de cometer suicídio do que um heterossexual e que, para piorar, ainda estamos numa cidade com uma das maiores taxas de suicídio do país. “O acolhimento e apoio psicológico que oferecemos é de extrema importância”, explicou.

Mesmo com iniciativas sociais relevantes, o local sofre com a perseguição e preconceito de patenses conservadores e homofóbicos. Desde a abertura, a Queen protagonizou cenas de preconceito diversas, chegando a ter serviços cancelados, por empresas que se recusaram a atender uma casa de show LGBT, dentre outros.

Suzy Brasil, madrinha da Queen Lounge

Um dos incidentes de maior arbitrariedade, que chegou a repercutir nacionalmente, foi o confisco truculento da aparelhagem de som da boate, feito por cerca de 12 policiais militares que atendiam a uma suposta denúncia de perturbação do sossego, realizada por vizinhos da Queen Lounge.

A apreensão ocorreu por volta das quatro horas da manhã de uma noite de janeiro de 2020, quando o som já estava desligado e os funcionários fechavam a casa. Mesmo com o alvará em dia e toda a documentação para funcionar licitamente, a aparelhagem foi apreendida sem nenhuma explicação.

“Levaram nosso som e ainda nos conduziram para a delegacia. No momento da apreensão, uma festa ocorria a menos de 150 metros no salão da Sociedade Recreativa Patense, com um som extremamente alto e nada foi feito, porque segundo eles, não houve nenhuma reclamação”, lembrou Iuri.

O ato causou revolta nas redes sociais e o caso tramita na justiça. Segundo Iuri, já foram registradas mais de 20 ocorrências de perturbação da paz e em nenhuma delas, foi feita a medição de decibéis, como exige a lei municipal. Algumas das denúncias foram feitas antes mesmo da abertura da casa, escancarando a homofobia patense.

Mesmo com os acontecimentos negativos, as histórias mais lembradas da Queen Lounge envolvem resistência e reconhecimento da comunidade LGBT. Prestes a completar um ano, o local sobrevive com as atividades congeladas devido à crise sanitária provocada pelo novo coronavírus.

“São cinco meses de portas abertas e sete de portas fechadas. Tentamos manter a interação com o público, pelas redes sociais, com lives e publicações, mas estamos totalmente desassistidos, num momento em que as maiores boates do Brasil estão declarando falência”, lamentou Iuri.

Os proprietários afirmam que a imunização das pessoas é o caminho mais seguro para uma eventual reabertura e evitar uma segunda onda de contaminação, pois sem a consolidação de uma vacina, reabrir a Queen Lounge seria um ato irresponsável que colocaria em risco a vida dos clientes e dos próprios colaboradores.

“Estamos transformando tudo que estamos passando em fôlego. Por sorte, toda quinta nossos clientes nos marcam em publicações de #tbt nas redes sociais e nos mandam mensagem de carinho, perguntando se temos alguma novidade. A Queen virou um símbolo de resistência e só fortalecemos nossa identidade”, finalizou Iuri.

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1 Comentários

  1. Orgulho de quando uma reportagem é bem escrita e mais ainda, e admirada com a história de resistência! Meus parabéns! Se forem para cima de vocês, revidem! Essa cidade é muito cheia de conservadores. Já deu!

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