Final de ano, final de nada

Por José Eduardo de Oliveira


Ou, aquele cara disse que a história se repete, só que da primeira vez como tragédia e da segunda...esqueci, comédia? erro de... mas o final de ano trás uma coisa que pode ser boa: um ano novo e novas esperanças. Será?

Ainda bem que gosto de escrever. Quem escreve algumas coisas diferentes e sendo gente do meu naipe sem talento e sem propósito deve ser realista e não esperar que tenha leitores, sobretudo leitoras fieis. E como escreveu meu velho e bêbado conhecido Ch. Bukowski: dedicado a ninguém. Escrevo para mim. Quem estiver ao redor ou fizer parte de meu passado é melhor fingir que não me conhece ou que eu sou um louco. E se lembra de mim, e se arrependeu porque cometeu um erro de pensar que eu era alguma coisa pior que eu parecia. Mas essa é a minha maneira de me sentir humano também.

E nada melhor que um fim de uma porra de um ano como esse para pensar no que nos espera ou o que esperamos. Como escreveu o portuga mais profundo do século XX, Pessoa: não me venham com conclusões, a única conclusão é morrer. E se estiverem lendo isso, em pleno 31 de dezembro de 2020, é porque não morreram, não concluíram e sobreviveram a essa coisa que todo mundo entende e que todo mundo explica que é essa pandemia, e parafraseando um cara que nunca li, “2020 o ano que começou, acabou e nos fudeu!” Apesar do luto e da melancolia, nosso isolamento, nossa angústia, principalmente porque nunca tínhamos convivido com nossos filhos e netos ao ponto de não nos reconhecermos uns aos outros de tanto nos olharmos cotidianamente, mesmo assim alguns filhos das putas enriqueceram, se elegeram e algum dia também irão apodrecer, com ou sem o dinheiro roubado da saúde, com ou sem tornozeleira e inocência presumida e reais nas nádegas como se fossem merdas, só que dos outros. Fico pensando nas crianças, nas crianças de todas as cores que não sabem o que estão fazendo com elas e quando crescerem farão o mesmo com outras crianças de todas as cores. E a gente descobre que é muito pior e diferente que pensávamos e que um vírus invisível mostrou toda nossa visibilidades cáustica e frágil, mesmo que em nome do amor. Do amor. Do amor?

Eu poderia escrever: os historiadores ou memorialistas do futuro dirão que a década de 20 do século XXI iniciou-se com uma pandemia que definiu o que vivemos hoje. Papo furado. Mas pelo menos agora, com muita visibilidade, sem os hipócritas e covardes e preconceituosos véus do passado cada um sabe se é homem, mulher, não mulher, não homem, não nada, nonada, Beauvoir tinha razão, ninguém é o que nasce ou o que nasce não é, torna-se. O homem não quer ser homem ou viu que não era homem, a mulher não é mulher, ela é homem que nasceu mulher. Assim o paradoxo do gênero, começou a ser explicado direito no século passado, mas foi desvelado neste século, uma mulher trans não queria ser homem e virou mulher, um homem trans não queria ser mulher e virou homem. As lésbicas não gostam de homens e os gays não gostam de mulheres e os héteros gostam de coisas que sejam diferentes deles: homens gostam de mulheres, mulheres gostam de homens. Os bi e as bissexuais gostam de homens e mulheres e para o Covid-19, tanto faz desde que não venham com fobias que senão te cancelam no WhatsApp. E assim, doravante deixaremos de ser sexistas, machistas, feministas, enfim, todos seremos anjos e anjas... sublimes como os querubins no teto da Igreja São Francisco de Assis de Villa Rica. Amém.

Mas vivemos e viveremos no pior e melhor momento desses animais racionais chamados humanos, se o canibalismo não renascer ou pelo menos virar moda, não por opção, mas por falta de arroz e picanha, tudo será diferente despois dessa coisa. Não é? Lembre-se da Peste Negra? Pelo menos sobrou o Decameron...

Por exemplo: o século XX também começou com uma guerra, com as repúblicas, com uma pandemia, com ditaduras, claro, antes tinham uma euforia dos infernos. A bela época. A crença no progresso, na ciência e na democracia, e of course, nas ideologias “de fascistas ou comunistas”, jura? Na democracia. Claro, tínhamos ou pelo menos, os chefes, tinham um Timão, não é o Corinthians, nem o Galo, eles ainda não existiam, o timão era uma sigla WASP, (White, Anglo-Saxon and Protestant), ou seja, branco, anglo-saxão e protestante, o resto era agregado ou subjugado ou comprado ou arreganhado, ou como dizem em algumas regiões do Brasil, arrombado. Eles seriam os carregadores do pesado fardo civilizador e sifilizador, como disse o poeta... E por causa disso, no finalzinho do século XIX, dividiram e muito mal dividido, o que foi um problema, não só para o rebanho, a África, a Ásia e o que sobrou da América infra-Equador. E aí o butim foi recolhido por uns e por outros de pele branca, armas brancas, roupas brancas, dentes nem tão brancos mas sujos de sangue vermelho mas sem muitos glóbulos brancos. Mas, o resto todo mundo já sabe.

Digeridas todas as tragédias e comédias que se seguiram, inclusive todas a guerras e atrocidades em cada vértices e axilas peludas ou raspadas e regiões fétidas e perfumadas da mãe Terra, e mesmo a Grande Guerra, a gula onívora de todos inclusive dos que estavam sendo devorados, tudo voltou ao normal. O normal étnico, o normal xenofóbico, o normal genocida, o normal feminicida, o normal racista, o normal belicista, o normal escravagista, o normal infanticida, o normal sobretudo anormal e pasmem, paranormal. Se Rimbaud, chamou o século XIX, de o século manual. E o século XX pode ser chamado de sangrento. Como chamaremos o XXI? Pestilencial?

Menos, muito menos, estamos apenas no pórtico, na soleira. Vamos de mãos dadas, como disse o itabirano? Precisamos seguir de mãos dadas, mas não esqueçam o álcool em gel e nem a máscara, a de pano, não a sua, ímpio! Se quiserem podem levar sua ivermectina, sua cloroquina, sua 51, seu Jack, sua água de coco, sua cervejinha, suas pantufas e suas havaianas e o celular, esse, principalmente esse, pré-pago...ainda que no crediário...

E no século, digital e do isolamento social antes da coisa... Cada sistema econômico com nomes e cascas que não cabiam em seus corpos seguiam rosnando ou ronronando uns contra os outros e triunfaram, os cadáveres, ora os cadáveres. Pior foi o dilúvio e apertavam seus aromáticos gatilhos em alvos móveis e pretos e pobres. A Rússia soçobrou momentaneante e tristemente, levando Cuba et caterva, a Europa ocidental, Europa, meu Deus, que coisa sublime, a Europa Ocidental [ficou apenas como parte da Rota da Seda?] e os Estados Unidos viraram moedas, tipo dólar, libra...e o resto, continua o velho bordão, e tudo, ou todo? o resto é filosofia, cadáveres pretos, amarelos, vermelhos, brancos e matéria-prima, e automóveis e celulares e não se esqueçam da rosa de Hiroshima e todas as... já esqueceram. Ney não te ouviram! E a China? E culparam a China pela chacina sem vacina. Antes culparam a África pela AIDS. E pensar que leram Carlos Magno, quer dizer Karl Mao, leram mau, não Karl Marx? Fidel leu? Lula leu, não, Lula Lá. O Capitão não leu e não gostou. África leu? A Venezuela leu? Neruda leu? Drummond leu? Então... Mudar de assunto não rima e nem é solução, mas faz parte.

Enquanto isso, o Guverno disguvernado digladia-se com os outros puderes, também dispudorados e os imperfeitos prefeitos [e os veriadoris] tomarão posse dos vivos da pandemia e dos cadáveres anunciados. Juro, juro mesmo, eu queria ser mais otimista, com a vacina, com o 2021, com a mega da virada, com as possibilidades, com todas as possibilidades humanas, mas quando eu olho de perto ou de longe e no espelho, prefiro ficar novamente feliz, mesmo que não tenha motivo nenhum...

Afinal, repito, se está lendo isso, ou pelo menos começou e não gostou é sinal de que ainda há uma chance para nós - que estamos vivos -, e mesmo que tenhamos destruído a metade do planeta e os genocídios nunca acabaram desde a Arca de Noé, a Guerra de Tróia, a Guerra de Canudos, nós estamos aqui. E se quisermos, e como diz a N. Lúcia, mais ou menos assim: E nós haveremos de querer.

E para concluir, um trecho de uma música do quase esquecido Belchior [1946-2017] que está na moda e que cantaremos todos no ano que vem:

“...ano passado eu morri mas esse ano eu num morro.” [In: Sujeito de Sorte]



José Eduardo de Oliveira é licenciado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto.


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