Sei lá, a gente era jovem

Por Júlia Duarte Megale


Foi em uma mesa de bar – uma mesa meio desconjuntada de um bar meio sujo – que vi meu avô, há tanto, tanto, tempo, olhar para cima, suspirar, e dizer na voz áspera do homenzarrão que era “É... Eu tô velho”.

Claro, eu, com meus poucos anos de adolescência, ri com os outros ao meu redor, dei dois tapinhas no ombro do velho e servi pra ele outra cerveja, sem sentir a empatia pelo olhar distante e reflexivo em seu rosto. É, ele ‘tava’ velho. Gente velha tinha dessas, de ficar toda pensativa do nada.

Talvez fosse aquela coisa da idade, de lembrar de alguns dias soltos por entre aquela fase meio esquisita e meio contínua, muitas vezes arrastada por aqui e atropelada por lá, que popularmente se conhece como crescimento. De recordar dos bons melhores amigos feitos nas mais inusitadas e anárquicas ocasiões, ou dos bons piores inimigos feitos durante os as manhãs pacatas e rosadas de um outono singular.

Talvez fosse tentar entender como levar aquelas companhias desajustadas para aqueles clubes famosos da cidade – todos meio lotados demais, quentes demais, inebriantes, excitantes e sufocantes – levou a formar com elas a família disfuncional, que nunca se esperava ter e, ainda assim, amada mais do que se sabia capaz, no final. Ou talvez fosse mais... Quem sabe os amores coletados em uma esquina ou outra, valseados sob as estrelas da cidade (inteiramente artificiais e sempre nos lugares errados, mas de beleza igualmente estonteante) e largados na sarjeta daquela avenida movimentada que sempre segurava as pessoas que queriam chegar com urgência a algum lugar que guardava os vultosos acontecimentos. Amores resgatados de passados foscos, colocados nos pedestais do desejo desenfreado, e dilacerados pela flamância de uma paixão efêmera.

Contudo, talvez nem fosse o peso de todas as memórias dessa juventude longínqua e desgastada. É possível considerar que aquele olhar divagante e profundo fosse fruto de uma mente pesada, tentando se situar em um presente tão lânguido e frágil. De alguém segurando seus vícios sem as forças necessárias, e sentindo-os pesar cada vez mais para o vazio que espreitava em cada passo, antes repelido por um corpo virtuoso e uma teimosia invejável. Uma alma demasiado absorta em si mesma para voltar à superfície.

Sim, pode ter sido tudo isso que, em uma noite de lua branda, completamente encoberta pelas nuvens da chuva leve por vir, ao jogarem pelos ares a grande questão de “como aguentávamos essas coisas?”, depois de nós, aquela família improvável e tão cheia de um carinho bronco, relembrarmos animados nossas aventuras de moços, nos levou a um suspiro nostálgico e satisfeito, precedendo a indistinção de um “Sei lá, era jovem”. E, assim, carregado por esse momento intoxicante, olho para o infinito sobre mim, penso em tudo que não compreendo sobre ele, recordo os pores do sol, nunca repetidos e nem mesmo similares, me angustio na incerteza, me perco em nostalgia, sinto a vertigem do fim próximo e respiro fundo.

É, eu ‘tô’ velho.


Júlia Duarte Megale tem 20 anos, adora escrever, é fã de Virginia Woolf e estuda Biotecnologia na UFU   

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