Devem ser desamores

Por Júlia Duarte Megale

Foto: Sophia Megali

Devem ser desamores Naquela tarde ardente de um sol incômodo, não queria o sofrimento de um amor medíocre. Isso concluíra após a mais esclarecedora visita à cafeteria da esquina de casa, ocorrida apenas um pouco mais tarde que seu habitual de pós-serviço. Foi que, ao pedir seu cafezinho adoçado de sempre, recebeu o aviso taciturno da atendente entediada de que, passado o horário de movimento, não iriam fazer um novo café, então, “tá bem frio”, ela disse.

Dessa forma, sentada ali de costas para a janela, visando evitar o aborrecido enxame visual da vida urbana, desejou profundamente um amor completamente sincero que, por si só, a permitisse tomar aquele mesmo café – bem frio e forte, com o pó sedimentando ao fundo e tão doce quanto um elogio verdadeiro – com o inigualável prazer de dividir seu desgosto. E essa ideia apenas não era mais atraente que a seguinte, ocorrida em um clarão de inspiração, de que tendo para si um amor dessas proporções faria ela mesma o café, criando o perfeito momento para apreciação da estética doméstica, impossível em sua solidão cotidiana.

Era isso, então! Queria amar. Queria ser amada. Queria algo tão puro, ao ponto de dar um alegre ritmo à dança cardíaca e soltar o corpo através da sensação cálida de conforto e liberdade. Tão puro quanto permitisse o pudor, incendiando a alma com a excitação de ser e de tudo sentir, antes de se entregar à entorpecência (neologismo) da lacônica morte. Sobretudo, almejava um sentimento ímpar, que não estivesse presente nas infinitas noites de celebração e regozijo, sempre iniciadas e findadas em completa alegria e inconsequência, mas que lá estivesse ao amanhecer, quando chegasse a dor das escolhas morais e a abstinência da êxtase (a ressaca, amigos); ou que dispensasse os longos beijos cinematográficos em majestosas rodas-gigantes, mas permitisse a risada divertida de um medo de altura mal escondido... Sim, como queria.

Sentiu-se profana ao idealizar algo de tamanha magnitude naquele diminuto estabelecimento que cheirava a grãos e quitandas. Deveria, de alguma forma, estar errada, pois não era verdade que, perguntando a conhecidos e desconhecidos sobre seus amores, recebia respostas enxutas de esperanças? Não estavam todos com medo de se entregar completamente? De formar laços permanentes, de se unirem em ultrapassados matrimônios, de criar uma família? De terem que assistir suas futuras famílias crescendo em um país pronto para inferiorizá-las e humilhá-las até o fim, como faz em seu atual desgoverno? Ou seria medo de superar tudo isso e não alcançar a reciprocidade? O que quer que fosse, a assustava também.

Queria desamar! Queria, de fato... Ou enganava-se?

No fim, mesmo com todo caos, mesmo com todo o desespero e toda a desesperança, mantinha- se em sua própria vontade, porque não possuía outra escolha. A entropia parecia mais suportável ao lado de alguém, caso conseguisse, mesmo que apenas às vezes – nos momentos importantes – fingir que esse alguém seria imortal.


Júlia Duarte Megale tem 20 anos, adora escrever, é fã de Virginia Woolf e estuda Biotecnologia na UFU    

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1 Comentários

  1. Como o amor, os cafés....o café frio continuará frio e terminará frio. O café quente terminará frio. Mas o gosto do café frio ou quente, nas pessoas que amam, mesmo ao fim do amor, será diferente em cada um...doce, amargo...

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