Após um ano de COVID-19, já sabemos qual é a saída

Por Esequias Caetano

Imagem: Pixabay

No dia 26 de março completamos um ano desde o primeiro caso de Covid-19 detectado no Brasil. Era um homem de 61 anos que havia viajado à Itália e que estava, naquela época, internado no Hospital Albert Einstein (São Paulo, SP). Patos de Minas teve seu primeiro caso registrado em 04 de abril, pouco mais de um mês após a doença chegar ao país. Desde aquela época, muito se falou a respeito da pandemia e das medidas necessárias para frear seu avanço, dentre as quais se destacavam a higienização adequada das mãos, o uso de máscara e a evitação das aglomerações. Tivemos tempo de observar o que acontecia em outros países e aprender um pouquinho sobre quais coisas funcionavam e quais não funcionavam. Mas não fizemos isso.

O que a experiência dos outros países nos mostrou?
O estudo Effectiveness of non-pharmaceutical interventions on COVID-19 transmission in 190 countries from 23 January to 13 April 2020 apresenta uma análise cuidadosa da experiência de 190 países com a adoção de medidas comportamentais específicas para a redução na transmissão do Sars-Cov-2 e seus impactos sobre o número de novas infecções. Mais especificamente, os pesquisadores avaliaram o que acontecia quando nenhuma medida comportamental era implementada e compararam com o que acontecia quando medidas como uso obrigatório de máscara, quarentena de pessoas infectadas, distanciamento social e restrição de tráfego eram aplicadas de maneira isolada ou combinada.

O que descobriram?
Qualquer uma das medidas comportamentais foi capaz de reduzir a transmissão do vírus. De maneira isolada, o distanciamento social foi a estratégia mais efetiva para a redução no número de contágios, levando a uma redução de 23,3%. A quarentena de pacientes doentes foi muito pouco efetiva, impactando em apenas 10%. Talvez isso ocorra porque só são colocadas em quarentena pessoas que já apresentam sintomas, porém, uma quantidade considerável das pessoas com COVID fica assintomática ou demora alguns dias para começar a ter sinais da doença e, mesmo assim, estão espalhando o vírus.

Os melhores resultados foram obtidos através da combinação de duas ou mais medidas comportamentais. Quando o distanciamento social foi combinado com o uso obrigatório de máscara, a queda na taxa de transmissão foi de 53,30%. A combinação entre distanciamento e quarentena vem em segundo lugar, levando a reduções de 38,58% na taxa de transmissão. As intervenções mais efetivas foram aquelas que combinaram ao menos três medidas comportamentais, como distanciamento, máscara obrigatória e quarentena, que juntas reduziram em 69,73% a taxa de novas infecções.

Resultados semelhantes foram obtidos em várias outras pesquisas que se propuseram a quantificar o impacto de medidas comportamentais no enfrentamento da COVID-19. Um exemplo digno de menção é o estudo Inferring the effectiveness of government interventions against COVID-19, publicado na Science Magazine. Os autores avaliaram o impacto de outras medidas comportamentais e os resultados foram bastante parecidos: a combinação de um número maior de medidas comportamentais leva a reduções mais marcantes nas taxas de transmissão do vírus. Essa redução chegou a 77% quando foram aplicadas simultaneamente medidas como a proibição de reuniões com mais de 10 pessoas, o fechamento da maioria dos negócios não essenciais, de escolas e universidades e a obrigação de ficar em casa (lockdown). Por outro lado, lugares que não adotaram medidas comportamentais sofreram com o crescimento descontrolado da doença.

E o lockdown?
Este estudo explorou 206 cenários diferentes, contabilizando dados de 41 países. Ainda assim, precisa ser lido com cuidado já que não levou em consideração o impacto de medidas comportamentais como uso de máscara, distanciamento social, quarentena e outras como aquelas avaliadas na pesquisa citada anteriormente. Feita esta ressalva, é importante destacar uma das principais conclusões da pesquisa: depois que todas as medidas comportamentais foram adotadas (fechamento da maioria do comércio, fechamento de escolas e universidades e proibição de reuniões com mais de 10 pessoas), adicionar o lockdown fez pouca diferença: as intervenções se tornaram apenas 13% mais eficazes. Por outro lado, se nenhuma das outras intervenções é adotada, o lockdown sozinho consegue reduzir em 76,4% a taxa de contágio da doença. E por que isso acontece?

Para responder à questão, é preciso entender o que é lockdown e como o vírus é transmitido. Lockdown é a obrigação de ficar em casa: só é permitido sair para usar serviços essenciais, como farmácia, supermercado, padaria, hospitais e outros. Quem sair por qualquer outro motivo fica sujeito à punição. Essa medida impede que as pessoas tenham contato social e, sem este contato, não há meios para o vírus ser passado de uma pessoa para outra que não more na mesma casa. Entenda: o vírus causador da COVID-19 é transmitido quando alguém expele gotículas de saliva ou aerossóis infectados enquanto conversa, espirra ou tosse e outra pessoa que estiver por perto recebe estas partículas via nariz, olhos ou boca. Se a pessoa doente (ainda que assintomática) estiver isolada, sem ninguém por perto, não há como outra pessoa receber as partículas que ela expelir e então a cadeia é quebrada.

Isso significa que para controlar a transmissão do vírus é preciso limitar o contato social o quanto for possível. Isso pode ser feito de maneira voluntária se as pessoas escolherem não se aglomerar. Se as pessoas escolhem se aglomerar, o número de infectados pela doença cresce, os hospitais ficam cheios e o poder público se vê obrigado a buscar estratégias para tentar impedir que os contatos sociais continuem acontecendo. O lockdown é apenas a mais extrema destas estratégias. É como um último recurso para impedir que uma pessoa esteja perto da outra e a cadeia de transmissão se prolongue.

Por que não isolar apenas quem está doente?
Como muitas das pessoas doentes não apresentam sintomas, não é possível identificar quem está transmitindo a doença.

E que caminho seguimos?
Já entendemos o que os outros países fizeram e deu certo e já sabemos também como o vírus é transmitido. Porém, se revisarmos as publicações dos jornais patenses publicadas entre março de 2020 e fevereiro deste ano, encontramos dezenas de notícias falando sobre festas clandestinas em Patos de Minas e região, sobre bares lotados e outros tipos de aglomeração. As pessoas repetidamente vinham escolhendo se aglomerar, independente da existência de um vírus circulando pelo país. Escolher se aglomerar é equivalente a escolher dar oportunidade ao vírus para que ele passe de uma pessoa para a outra. E o Brasil inteiro fez isso. O resultado é apresentado no boletim extraordinário sobre COVID publicado em 17 de março pela Fundação Oswaldo Cruz: o Brasil vive o maior colapso sanitário e hospitalar da história do país (https://portal.fiocruz.br/noticia/observatorio-covid-19-aponta-maior-colapso-sanitario-e-hospitalar-da-historia-do-brasil). E quem paga por isso? Todos nós, inclusive quem tentou seguir as medidas comportamentais recomendadas.

Existe saída!
Ainda há tempo de implementar o distanciamento social da maneira mais radical possível, usarmos máscaras (preferencialmente do tipo PFF2) e higienizarmos as mãos. Isso quebrará a cadeia de transmissão do vírus, o que leva à redução no número de casos, redução na quantidade de pessoas precisando de hospitalização e redução na quantidade de mortes. Além disso, é indispensável acelerar o plano de imunização: só a vacina pode nos tirar da pandemia de maneira definitiva.

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