Dia da Visibilidade Lésbica e Bissexual

Por José Eduardo de Oliveira

Para ARAMPX

Imagem: Microsoft Bing

Alguém acreditaria que no passado quase foi necessário que se criasse o “O DIA DA VISIBILIDADE DO CRISTÃO E DA CRISTÔ? É isso mesmo! Nos tempos do Império Romano, ser cristão ou cristã era extremamente fatal, mortal de verdade. Os romanos, em todo o seu imenso e genocida império, perseguiam, crucificavam e ou, atiravam aos leões e aos gladiadores nas arenas todos que fossem cristãos e cristãs, apenas para se divertirem, e claro, externar seu “fundamentalismo religioso”, seus ódios, suas xenofobias e suas taras.

Foi preciso, não por benevolência ou religiosidade, que o imperador Constantino proclamasse em 13 de junho de 313, o Edito de Milão, que determinava a liberdade religiosa em todo o Império Romano.

E, por incrível que pareça, 1710 anos depois, existe um DIA DA VISIBILIDADE LÉSBICA E BISSEXUAL. Ou seja, lésbicas, bissexuais e todos que não são heteros, cisnormativos ou “romanos”, apesar que seres humanos como todos eles, ainda são obrigados, como os primeiros cristãos e cristãs, de se esconderem em “catacumbas” ou armários de suas existências invisíveis.

Assim, em 29 de agosto de 1996, depois de vários embates e combates, inclusive nacionais e internacionais, durante a realização do I SENALE- Seminário Nacional de Lésbicas, no Rio de Janeiro, ficou deliberado pelo coletivo que o dia 29 de agosto, doravante seria o DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE LÉSBICA.

Entretanto, somente em 2014, durante o VIII SENALE, realizado em Porto Alegre é que a sigla mudaria para SENASLEBI-Seminário Nacional de Lésbicas e Mulheres Bissexuais e assim seria oficializado o 29 de agosto como o DIA DA VISIBILIDADE LÉSBICA E BISSEXUAL.

E HOJE, 54 ANOS DEPOIS DE STONEWALL E 40 ANOS DEPOIS DE FERRO'S BAR? *

As lésbicas, bissexuais mais céticas, pessimistas e lutando para que tudo se resolva rapidamente, acham que poucas coisas mudaram e tudo que enxergam é o patriarcalismo cada vez mais chauvinista, a polícia e os políticos, estão cada vez mais truculentos, sobretudo o governo que foi substituído em 2023, onde houve um crescimento avassalador da lesbofobia, homofobia, transfobia, misoginia e do racismo. Entretanto, novos horizontes despontam, mas não serão desvelados sem muita luta.

É claro, houve alguns avanços, ainda que benéficos, mas lamentavelmente apenas nas questões legais. Pois as mudanças nas mentalidades, nos costumes, sobretudo as que ameaçam as velhas sociedades cisnormativas, heteronormativas e binárias, demoram. E como demoram.

O que foi mudado, ou melhor, conquistado inclusive com sangue e muitas vidas saudáveis, não é pouca coisa.

Por exemplo, aqui no Brasil, o Conselho Federal de Medicina retira a homossexualidade de sua lista de doenças (1985); A OMS (Organização Mundial da Saúde) retira a homossexualidade de sua lista de transtornos mentais (1990); No Piauí, Kátia Tapeti é eleita a primeira vereadora trans na história da política brasileira (1990); As primeiras Paradas do Orgulho LGBT são realizadas em Curitiba e no Rio (1995); A cidade de São Paulo sedia sua primeira Parada LGBT. Em 2006, a passeata paulistana entra para o Guinness Book como o maior evento do gênero (1997); O governo de São Paulo promulga a Lei 10.948 que penaliza práticas discriminatórias em razão da orientação sexual e identidade de gênero (2001); O processo de redesignação sexual, a chamada cirurgia de “mudança de sexo” do fenótipo masculino para o feminino é autorizada pelo Conselho Federal de Medicina. Em 2008, passa a ser oferecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde) (2002); STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece a união homoafetiva, um marco na luta pelos direitos LGBT, e várias uniões já foram realizadas (2011), e me lembrei de uma, se não foi a primeira foi talvez a mais célebre, o casamento da cantora Daniela Mercury com a jornalista Malu Verçosa em dezembro de 2013; STF decide que transexuais e transgêneros podem mudar seus nomes de registro civil sem necessidade de cirurgia (2018); STF enquadra a homofobia e a transfobia na lei de crimes de racismo até que o Congresso crie legislação própria sobre o tema (2019); STF declara inconstitucionais as normas que proíbem gays de doar sangue (2020). (Dhiego Maia - Folha de S. Paulo, 16.05.2020 - https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/ha-30-anos-oms-tirou-homossexualidade-de-catalogo-de-disturbios.shtml).

Existem também as questões das lutas, urgentes, constantes, mas também difíceis que é também a da diversidade das lésbicas e/ou feministas. As feministas héteros não entram em acordo com as feministas lésbicas ambas brancas; que por sua vez se digladiam com as feministas e lésbicas negras; sem contar os conflitos entres as lésbicas e as bissexuais. E as antigas questões de classes, as ricas contra as pobres. E outros mais complicados, todas elas contra os gays, trans, travestis e infelizmente um etc.

Estas e outras questões foram incisivamente demonstradas no pequeno grande livro lançado recentemente e que merece ser lido, relido e discutido, estou me referindo ao livro de Dedê Fatumma, “Lesbiandade”, lançado pelo selo, Femininos Plurais, de coordenação de Djamila Ribeiro.


E apesar dos avanços, Dedê Fatumma, nos alerta, sobre a questão de outras invisibilidades:

O feminicídio no Brasil tem repercutido na sociedade como resultado de esforços coletivos, envolvendo os movimentos sociais feministas comprometidos com o projeto de vida das mulheres. Todavia, há de se problematizar que, instituições públicas na LGBTQIA+fobia não assumem um empenho que trate do lesbocídio, de acordo com o dossiê “Lesbocídio: As histórias que ninguém conta”, [...]
O dossiê foi elaborado [...] e explicitou as múltiplas violências e vulnerabilidade que acarretaram no lesbocídio e suicídio de sapatonas, lésbicas e bissexuais no Brasil. De modo geral, o dossiê surge como um material político para que a trajetória e a memória de resistências lésbicas não sejam colocadas à margem.A metodologia interseccional é imprescindível para analisar os fatores desses assassinatos, cuja matriz de opressão, seja de gênero, classe, raça, etnia, sexualidade, território, dentre outras, elenca categorias que atuam de forma conjunta nas trajetórias de vida destas mulheres. [FATUMMA, p. 165-6]

 

Dedê Fatumma, defende com unhas e dentes a sua visibilidade, a visibilidade de todas lésbicas e bissexuais, dentro do princípio básico para ela e para todas do “meu corpo, meu território”,

Sair do armário é sair de mãos dadas com a minha namorada na rua, é assumir que o amor fala outras línguas e que a minha orientação sexual precisa ser respeitada: é ter o direito de existir sem ser atropelada na próxima esquina, é dizer que a cisheterossexualidade não se arranja para o manejo e o controle dos meus afetos sociais e sexuais. A realidade é que nossos corpos sempre estiveram em cena, protagonizando notas subversivas de desejos sexuais, contra a colonização, causando vertigem nas estruturas empoeiradas do fundamentalismo cristão, que ambiciona secar o poder do líquido que carregamos em nossas entranhas como fonte de vida. [FATUMMA , p. 36]

 

Paradoxos humanos, ontem os cristãos eram perseguidos e martirizados, hoje, as pessoas LGBTQIA+, passam pela mesma situação, e o pior, pelos cristãos e cristãs matrizes e outros, que sob o manto de pureza e defesa de Deus, Pátria e Famílias ocultam torturadores, inquisidores e assassinos, só que estamos em pleno século XXI, e não no século IV, a caminho da Idade Média, a Idade das Trevas...

VISIBILIDADE LÉSBICA E BISSEXUAL: DILEMAS

Todos sabem que biológico e historicamente, o ser humano binário sempre existiu, mas não só ele, pois outros gêneros sempre conviveram nesta face hostil desse Planeta mais hostil ainda. Não se trata aqui de dizer que os heterossexuais são normais e os homossexuais são aberrações. A questão é como isso é determinado. Ninguém conseguiu explicar ainda. As explicações são culturais e eivadas de preconceitos. Ou não? E para citar alguns exemplos, que isso aqui é apenas um artigo para um Jornal eletrônico. E vou omitir o homossexualismo masculino, ou deixar para outra hora. Porque as questões relacionadas às pessoas LGBTQIA+: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais e outras identidades de gênero, são questões humanas e, portanto eternas.

Por exemplo, quando se fala em LÉSBICA, e alguém quer saber a origem do termo, desse substantivo, adjetivados milhares de vezes, imediatamente nos remetemos à poetisa, musicista e tecelã, Safo de Lesbos, cuja vida é tão cheia de mistérios quanto sua morte. Teria nascido no século VII ou VI a.C.? Sabemos apenas que sobraram fragmentos de seus escritos e vários testemunhos antigos de sua existência e desde os mais remotos escritos ela foi citada por inúmeros homens de letras do passado, só para citar alguns, Heródoto, Estrabão, Aristóteles, Platão, Pausânias, Ovídio e Horácio. Foi casada? Teve filhos? Foi bissexual? Talvez nada disso interessa neste texto, pois ela foi, é e sempre será lembrada como a ardente poeta que amava mulheres. A filha da Ilha de Lesbos, a lésbica. Então toda mulher que ama outra mulher é lésbica. E ninguém se acostuma com essa verdade.

Representação de Safo em detalhe da obra de Rafael Sanzio – Stanza dela Sgnatura – Parnaso [1509-10]

E as BISSEXUAIS? Que muitas vezes foram rejeitadas não só pelas lésbicas, mas pelas feministas e todo o guarda-chuva de gêneros.

Em recente publicação [2022] sobre a bissexualidade, aliás, raras se comparadas com as publicações sobre as lésbicas e outros gêneros, o livro, “Invisibilidade: cultura, ciência e a História Secreta da Bissexualidade”, de Julia Shaw, pode tornar-se uma leitura importante como ponto de partida para novos questionamentos.

Inicialmente, ela nos diz que,

A bissexualidade é o potencial para se atrair, romanticamente e/ou sexualmente, por pessoas de mais de um gênero, não necessariamente ao mesmo tempo, não necessariamente do mesmo jeito, e não necessariamente ao mesmo grau. [...] [SHAW, p. 30]
Então, eu uso “bissexual”, ou “bi” como um termo guarda-chuva que inclui aqueles que se identificam como bissexuais, pansexuais, plurisssexuais, polissexuais, sexualmente fluidos, bi-curiosos e em questionamentos. Às vezes eu uso o termo “comportamento bissexual” para descrever pessoas que têm relações sexuais ou românticas com pessoas de vários gêneros, mas não se identificam como bissexuais ou cuja identidade sexual é desconhecida. [SHAW, p. 30]
Bissexualidade não é uma moda, ou algo “chic” ou “novo”, em vez disso, esse rótulo de sexualidade parece ser mais acessível, potencializador e positivo atualmente do que já foi no passado. [SHAW, p. 35]

 

E a história da bissexualidade dentro da História da Sexualidade?

Em fins do século XIX, Sigmund Freud (1859-1939), tendo por base diversos pesquisadores, dentre eles, Richard von Krafft-Ebing e Havelock Hellis, além de escrever várias cartas sobre a bissexualidade, escreve também ensaios sobre o tema, entretanto, suas conclusões, hoje são tidas apenas como importantes estudos precursores sobre o assunto. (FREUD, 1972; 1996; 2018)

Julia Shaw nos aponta autores com duas versões sobre a História da Bissexualidade. A primeira, como ocorre com a homossexualidade em geral, a bissexualidade “é um comportamento conhecido na Grécia e Roma antigas”. Outras versões apontam que ela foi “inventada” no início dos anos de 1800, ou em meados do século XIX. Outros procuram diferenciar as História dependendo de quando surgiram os atos e ou as identidades. [p. 44-5]

Para Julia Shaw, “Essa discussão de atos, versus identidades tem sido uma característica nos debates sobre história queer há muito tempo.” [p.45]


Nesse contexto e aproveitando um artigo anterior, para quase encerrar. Ou plagiar a mim mesmo de novo:

E A VISIBILIDADE?

Assim as pessoas lésbicas, quando descobrem que são, então têm que viver sem a aceitação dos companheiros, das instituições, do seu trabalho, dos pais, da escola, dos parentes, vizinhos, amigos, em suma do Mundo todo. E o pior é quando não se aceitam a si mesmas mesmo diante do próprio autoconhecimento e traumáticas experiências.

E por que não aceitar o que se é? É simples, as pessoas que você ama e que te amam, não te aceitam, então como te aceitar? Como se alguns seres humanos não fossem criaturas de Deus ou resultado de uma evolução biológica, mas apenas detestáveis e sujos adjetivos: sodomita, lésbica, aberração, sapatão, sapatona, sapas, fanchona, invertida, virago, paraíba, bitrem, e que além de serem consideradas como, pecadoras, anômalas e degeneradas a sua homossexualidade seria, além disso, como um distúrbio mental. As lésbicas ainda seriam estigmatizadas duplamente, pela lesbofobia e o machismo. E as mulheres negras, triplamente, pela lesbofobia, machismo e racismo. Sem contar, uma misoginia atávica patriarcal que as espreitam como um pesadelo constante, ou o que chamam terrivelmente de “estupro corretivo”. E assim as lésbicas ou bissexuais sempre foram condenadas a uma vida dupla e sem visibilidade ou então a uma existência underground em seus próprios cotidianos...as consequências disso, além do sofrimento, um profundo sofrimento, que prefiro nem descrever. Entretanto como disse uma amiga bissexual: “Que seria de nós, mulheres, sem nós mesmas.” Uma questão simples, mas talvez a mais complicada de todas: alguma mulher pode escolher ou anular um desejo que sente por outra mulher? Ou por uma mulher e/ou um homem como as bissexuais?

Simone de Beauvoir (1908-1986), que no seu livro, O segundo sexo (1949), logo no início do segundo volume: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.” Ninguém nasce lésbica, torna-se lésbica? Ninguém nasce bissexual, torna-se bissexual?

Neste livro, que já foi mais lido, suponho, tem um capítulo o 4 do volume 2, que não é o maior deles, intitulado, “A lésbica”, mas é seguramente o mais interessante desse interessante e importante livro de quase novecentas páginas. Infelizmente ela não tratou especificamente das bissexuais, e ao que parece pela sua biografia, ela era bissexual. Começa assim:

“De bom grado imaginamos a lésbica com um chapéu de feltro, de cabelos curtos e gravata; sua virilidade seria uma anomalia traduzindo um desequilíbrio hormonal. Nada mais errôneo do que essa confusão entre a invertida e a virago. Há muitas homossexuais entre as odaliscas, as cortesãs, entre as mulheres mais deliberadamente ´femininas`; inversamente, numerosas mulheres ´masculinas´ são heterossexuais. Sexólogos e psiquiatras confirmam o que sugere a observação corrente: em sua imensa maioria, as mulheres ´malditas´ são constituídas exatamente como as outras mulheres. Nenhum ´destino anatômico´ determina sua sexualidade.”

Disso ela entendia, mulher de mil amantes de ambos os sexos. Inclusive aqui no Brasil. Mas essa é outra história. Ela assumiu?

Queria apenas citar, mais alguns trechos desse capítulo, “Em verdade, a lésbica não é nem uma mulher `falhada´ nem uma mulher ´superior`.” “O que é preciso explicar na invertida não é, portanto, o aspecto positivo de sua escolha, é sua face negativa: ela não se caracteriza por seu gosto pelas mulheres e sim pela exclusividade desse gosto.” “A associação de duas mulheres, como a de um homem com uma mulher, apresenta numerosos aspectos diferentes; assenta no sentimento, no interesse ou no hábito; é conjugal ou romanesca; dá ensejo ao sadismo, ao masoquismo, à generosidade, à fidelidade, à devoção, ao capricho, ao egoísmo, à traição; há, entre as lésbicas, prostitutas, como também grandes amorosas.”

Enfim, “E se se invoca a natureza pode-se dizer que toda mulher é homossexual. A lésbica caracteriza-se, com efeito, pela recusa do macho e seu gosto pela carne feminina; mas toda adolescente receia a penetração, o domínio masculino, experimenta em relação ao homem certa repulsa; em compensação, o corpo feminino é para ela, como para o homem, um objeto de desejo.”

O Segundo Sexo, um livro inquietante até hoje. Imagem: Divulgação

Entretanto, outros fantasmas ainda rondam todas estas questões, talvez mais profundas, digamos assim. O ser e o estar lésbico e bissexual neste mundo tão tenebroso com quem não se encaixa no modelo ocidental de ser humano perfeito e o seu correspondente feminino: homem, heterossexual, branco, burguês, católico, pater famílias...e muitos deles potencialmente misóginos.

Uma situação real: Há algum tempo estava em um bar - sempre um bar? -, com uns amigos e umas amigas, uma diversidade, tinha lésbica, bissexual e héteros. De repente, dentre tantos assuntos todos descontraídos e etílicos surgiu um assunto sério. Como esses que descontraidamente tenho escrito.

- A situação dos homossexuais melhorou?

- Nunca! Ainda mais com as perspectivas desse novo presidente ou da possibilidade dele ser eleito. [Quando ela pronunciou isso, aquele genocida ainda não tinha sido eleito, mas se confirmou como mais racista e LGBTfóbico de todos os nossos presidentes]

- Mas as conquistas estão aí, tanto para os negros como para os LGBT's.

- Será?

Aí, uma lésbica, branca, jovem, saudável e linda, com formação em curso superior, musicista profissional, que havia pronunciado o “nunca”, melancolicamente e profundamente exclamou:

- Eu não tenho coragem de sair pelas ruas de Patos de Minas de mãos dadas com outra mulher. Eu tenho medo. Então o que mudou?

Acho que foi isso que ela disse. Todos fizeram um silêncio. Que não sei quanto tempo durou. E pensei várias vezes sobre isso. Como pode alguém decidir o que o outro quer viver? Com quem viver? E precisa viver. É vital viver. Não sei.

Gostaria de concluir com uma vigorosa escrita de uma lésbica, poeta, ensaísta e professora estadunidense, com um fragmento de um texto escrito em 1980:

“A existência lésbica inclui tanto a ruptura de um tabu quanto a rejeição de um modo compulsório de vida. É também um ataque direto e indireto ao direito masculino de ter acesso às mulheres. Mas é muito mais do que isso, de fato, embora possamos começar a percebê-la como uma forma de exprimir uma recusa ao patriarcado, um ato de resistência. Ela inclui, certamente, isolamento, ódio pessoal, colapso, alcoolismo, suicídio e violência entre mulheres. Ao nosso próprio risco, romantizamos o que significa amar e agir contra a corrente sob a ameaça de pesadas penalidades. E a existência lésbica tem sido vivida (diferentemente, digamos, da existência judaica e católica) sem acesso a qualquer conhecimento de tradição, continuidade e esteio social. A destruição de registros, memória e cartas documentando as realidades da existência lésbica deve ser tomada seriamente como um meio de manter a heterossexualidade compulsória para as mulheres, afinal o que tem sido colocado à parte de nosso conhecimento é a alegria, a sensualidade, a coragem e a comunidade, bem como a culpa, a autonegação e a dor.” Adrienne Rich [1929-2012], In: Heterossexualidade compulsória e existência lésbica.

 

*Este texto é um excerto modificado e atualizado de: https://www.jornaldepatos.com.br/2020/08/dia-do-orgulho-lesbico.html.

DESAFIOS E CONQUISTAS DOS LGBTQIA+*

A PARTIR DOS ANOS 1950
Surgem as divas trans que se tornam grandes estrelas no Brasil e na Europa, como Rogéria, Jane di Castro, Eloína e Fujika, entre outras

1969
LGBTs de Nova York colocam fim às agressões que sofriam em batidas policiais realizadas num bar da cidade, o Stonewall Inn. O grupo resistiu por três dias em 1969, numa época em que se relacionar com pessoas do mesmo sexo era ilegal em todos os estados americanos.
O movimento estimulou uma marcha sem volta de LGBTs por mais igualdade de direitos em várias partes do mundo e ficou conhecido como a revolta de Stonewall [ver Stonewall: https://www.jornaldepatos.com.br/2020/06/stonewall-28-de-junho-de-1969-o-orgulho.html]

1978
Início do movimento pelos direitos LGBT no Brasil. É fundado, no Rio de Janeiro, o jornal Lampião na Esquina, voltado para as questões da comunidade. Em São Paulo, surge o Somos

1979-1980
Organização dos Grupos LF-Lésbico Feminista [1979], e GALF-Grupo de Ação Lésbica Feminista [1979-1989]

1982
Ocorre a famosa passeata contra o delegado José Wilson Richetti, que realizava batidas policiais no centro de São Paulo contra travestis, gays e prostitutas sobre o pretexto de moralização social

1983
DIA NACIONAL DO ORGULHO LÉSBICO. Em 19 de agosto de 1983, um protesto realizado por lésbicas e apoiado por grupos feministas pôs fim às discriminações sofridas no Ferro’s Bar, centro de SP. O ato ficou conhecido como o "Stonewall brasileiro" [VER: https://www.jornaldepatos.com.br/2020/08/dia-do-orgulho-lesbico.html]

Anos 80 e 90
Anos de pânico: o HIV chega ao Brasil e faz estrago conhecido como “peste gay”. Na Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo é organizado o primeiro núcleo de luta anti-Aids. Morrem Darcy Penteado, Caio Fernando Abreu e Cazuza por complicações da doença

1985
O Conselho Federal de Medicina retira a homossexualidade de sua lista de doenças

1990
OMS (Organização Mundial da Saúde) retira a homossexualidade de sua lista de transtornos mentais

1992
No Piauí, Kátia Tapeti é eleita a primeira vereadora trans na história da política brasileira

1995
As primeiras Paradas do Orgulho LGBT são realizadas em Curitiba e no Rio

1996
DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE LÉSBICA – instituído em 29 de agosto durante o 1o Seminário Nacional de Lésbica-SENALE. Depois, a partir de 2014, no VIII SENALE, ocorreu a mudança para a sigla, SENALESBI- Seminário Nacional de Lésbica Mulheres Bissexuais. E daí, DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE LÉSBICA BISSEXUAL.

1997
A cidade de São Paulo sedia sua primeira Parada LGBT. Em 2006, a passeata paulistana entra para o Guinness Book como o maior evento do gênero

2001
O governo de São Paulo promulga a lei 10.948 que penaliza práticas discriminatórias em razão da orientação sexual e identidade de gênero

2002
O processo de redesignação sexual, a chamada cirurgia de “mudança de sexo” do fenótipo masculino para o feminino é autorizada pelo Conselho Federal de Medicina. Em 2008, passa a ser oferecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde)

2011
STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece a união homoafetiva, um marco na luta pelos direitos LGBT

2018
STF decide que transexuais e transgêneros podem mudar seus nomes de registro civil sem necessidade de cirurgia

2019
STF enquadra a homofobia e a transfobia na lei de crimes de racismo até que o Congresso crie legislação própria sobre o tema

2020
STF declara inconstitucionais as normas que proíbem gays de doar sangue

Fonte: Livro Devassos no Paraíso - João Silvério Trevisan. Editora OBJETIVA (APUD- *Dhiego Maia - Folha de S. Paulo, 16.05.2020 - https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/ha-30-anos-oms-tirou-homossexualidade-de-catalogo-de-disturbios.shtml)

LIVROS PARA SABER UM POUCO MAIS:

ARC, Stéphanie. As lésbicas; mitos e verdades. São Paulo: GLS, 2009.

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 3.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2016. 2 v.

BECHDEL, Alison. Fun Home; uma tragicomédia em família. São Paulo: Todavia, 2018.

BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo: Editora Brasiliense, 2008. [KINDLE]

BIMBI, Bruno. O fim do armário; lésbicas, gays, bissexuais e trans no século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2017.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero; feminismo e subversão da identidade. 15.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

CAPRIO, Frank S. Homossexualidade feminina. São Paulo: IBRASA, 1960.

CARDOSO, Fernando Luiz. O que é Orientação sexual. São Paulo: Brasiliense, 1996.

CARNEIRO, Sueli. Dispositivo de racialidade : a construção do outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023.

CLARKE, Cheriyl. Lesbianismo: um acto de resistencia. In: MORAGA, Cherrie; CASTILLO, Ana. Esta puente, mi espalda: voces de las tercermundistas em los Estados Unidos. São Francisco: ISM press, 1988. P. 98-107. [PDF]

COLLING, Leandro (Org.) Stonewall 40 + o que no Brasil? Salvador: EDUFBA, 2011.

COLLINS, Patrícia Hill. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2018. DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016

FALQUET, Jules-France. Lesbianismo. In: HIRATA, Helena et alii. Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: UNESP, 2009.

FATUMMA, Dedê. Lesbiandade. São Paulo: Editora Jandaíra, 2023.

FERNANDES, Marisa. Ações Lésbicas. In: GREEN, James N. et. al. História do movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Alameda, 2018.

FREUD, Sigmund. Cartas sobre a bissexualidade (1898-1904). In: Amor, sexualidade, feminilidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. P. 37-79.

FREUD, Sigmund. Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade (1908). In: Gradiva de Jensen e outros trabalhos (1906-1908). Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. IX. P. 145-154.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre teoria da sexualidade: aberrações sexuais – a bissexualidade (1905). In: Edição Standard das obras psicológicas completas (1901-1905). Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. VII. P.122-175. HOOKS, Bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019. [1981]

HURWOOD, Bernhard J. As bissexuais. 3.ed. São Paulo: Nova Época Editorial, sd.

JIMÉNEZ, Rafael M. Mérida (Org.) Manifiestos gays, lesbianos y queer; testimonios de uma lucha (1969-1994). Barcelona: Icaria, 2009 [pdf]

LAMBLIN, Bianca. Memórias de uma moça malcomportada; A verdade sobre o triângulo amoroso entre a autora, Sartre e Simone de Beauvoir. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 1995.

LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo; corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.

LEMOS, Ana Carla da Silva. Rachas ou agregações? Uma análise sobre os movimentos de lésbicas e movimentos feministas no 8º SENALE - Seminário Nacional de Lésbicas. In: 18° Encontro Nacional da Rede Feminista Norte e Nordeste - REDOR: Perspectivas feministas de gênero: desafios no campo da militância e das práticas científicas, 2014. Recife - PE. Rachas ou agregações? Uma análise sobre os movimentos de lésbicas e movimentos feministas no 8º SENALE - Seminário Nacional de Lésbicas. Recife - PE: EDUFRPE, 2014. v. 01. P. 2330-2337.

LERNER, Gerda. A criação do patriarcado; história da opressão das mulheres pelos homens. São Paulo: Editora Cultrix, 2019.

LESSA, Patrícia. O feminismo-lesbiano em Monique Wittig. In: Revista Ártemis. V. 7, dez. 2007, p. 93-100. LORDE, Audre. A unicórnia preta. Belo Horizonte: Relicário, 2020.

LORDE, Audre. Entre nós mesmas; poemas reunidos. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.

LORDE, Audre. Irmã outsider; ensaios e conferências. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.

LORDE, Audre. Los usos de lo erótico: la erótica como poder. In: JIMÉNEZ, Rafael M. Mérida (Org.) Manifiestos gays, lesbianos y queer; testimonios de uma lucha (1969-1994). Barcelona: Icaria, 2009, p. 207-8 [pdf]

LORDE, Audre. Sou sua irmã; escritos reunidos e inéditos. São Paulo: Ubu Editora, 2020.

LOURO, Guacira. Um corpo estranho: ensaio sobre sexualidade e teoria queer. 3. ed. Belo Horizonte: autêntica, 2022.

MEINERS, Nádia Elisa. Entre mulheres. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.

MILLETT, Kate. Política sexual. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1974. (1969) [xerox]

MOIRA, Amora; NERY, João W. Vidas trans: a coragem de existir. Bauru: astral cultural, 2018.

MONEY, John; TUCKER, Patrícia. Os papéis sexuais. São Paulo: Brasiliense, 1981

MONNIER, Adrienne. Rua do Odéon. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

MORAGA, Cherrie; CASTILLO, Ana. Esta puente, mi espalda: vocEs de las tercermundistas em los Estados Unidos. São Francisco: ISM press, 1988. [PDF]

MOTT, Luiz. O lesbianismo no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.

NASCIMENTO, Beatriz. O negro visto por ele mesmo. São Paulo: Ubu Editoria, 2022.

NASCIMENTO, Beatriz. Uma história feita por mãos negras. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.

NASCIMENTO, Letícia. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021.

NAVARRO-SWAIN, Tania. O que é lesbianismo. São Paulo: Brasiliense, 2004.

NELSON de, Maggie. Argonautas. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

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José Eduardo de Oliveira é licenciado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto

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