Afinal, cultura é economia?

Por Helvécio Furtado Júnior

Imagem: Creative Commons

Ainda tem quem insista em dizer que a atividade cultural não é econômica. Este é um pensamento danoso, que a curto prazo diminui a capacidade do artista em enxergar o valor do próprio trabalho, e a longo prazo acaba por enterrar carreiras que de outra forma poderiam se sustentar e prosperar.

Mas o que cultura tem a ver com economia? Costumamos enxergar a economia como um assunto difícil, porque envolve dinheiro e por isso deve ser coisa para os contadores e economistas. Mas a verdade é que, trocando em miúdos, economia significa usar o que você tem e o que você sabe para conseguir mais, e com isso continuar vivendo e aprendendo. Qualquer um pode praticar.

Assim como a economia, a cultura está em todos os lugares: hoje em dia as pessoas passam a maior parte do seu tempo consumindo filmes, músicas, séries, etc. Além disso, estão procurando conteúdos mais alinhados com seus próprios gostos, ao invés de adequar-se à “cultura de massas”. A capacidade de cada um escutar, assistir ou consumir o que quer veio com a internet e teve um efeito muito interessante para nós, profissionais culturais e criativos do século XXI. Vamos imaginar:

Uma pequena fábrica de roupas possui cinco funcionárias, e um aparelho de rádio para entretê-las durante o expediente. A proprietária e as cinco funcionárias escutam Gusttavo Lima o dia todo, pois é o que toca na rádio. Um dia, a filha da dona passa a trabalhar ali. Pouco depois, ela chama a mãe e pede para aposentar o rádio. O aparelho é velho e a música não faz seu estilo. A mãe gosta de sertanejo, a filha prefere o rock. Para evitar o silêncio, as duas passam a ouvir música pelo celular, com os fones de ouvido. As demais funcionárias também passam a usar fones, e agora cada uma ouve o que gosta. Onde antes tocava somente um artista, agora tocam seis.

Quando pensamos que esse aumento de espaço para o artista está acontecendo em todos os lugares e para todas as formas de arte ao mesmo tempo, começamos a enxergar o tamanho não apenas da oportunidade que temos diante de nós, mas também do valor de nosso produto cultural, pois quando todo mundo pode escolher o que quer ver, ouvir ou consumir, sempre vai ter alguém que irá gostar da sua arte. O trabalho do artista passa a ser então, aprender a se comunicar com seu público e apoiadores, e encontrar seu espaço e seus fãs na vastidão da internet. Décadas de carreira na cultura não são garantia de sobrevivência para o agente cultural no século XXI. O momento exige humildade para embarcar nas inovações e aprender com elas.

O trabalho cultural já provou ser capaz de gerar retorno financeiro: Em cidades que investem na cultura, como o Rio de Janeiro, a média salarial do profissional criativo é de R$6.880,00, quase três vezes mais que a média geral nacional, segundo dados da Firjan - Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas aponta que cada R$1 investido pelo governo em cultura gera R$13 de retorno para os cofres públicos. A pesquisa também aponta que o setor emprega 6,6 milhões de pessoas no país, e é responsável por 2,4% do PIB nacional, estando acima de segmentos mais tradicionais como a indústria têxtil e a farmacêutica. Mesmo sendo o mais atingido, o segmento cultural é um dos mais promissores para a retomada econômica pós-pandemia. Ou seja: mais do que nunca, cultura é economia. E quem deseja escapar da irrelevância, terá de viver por essa verdade.


Helvécio Furtado Junior é escritor, produtor, cineasta e roteirista graduando em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atua no setor de elaboração de projetos do Grupo Sintonize, além de gerir a banda Patense Pássaro Vivo. Em 2020, lançou seu primeiro livro, "O Ouvido do Bode Preto", além dos documentários "Congado: Um Reino Oculto no Brasil Profundo" e "Patos de Minas nas Vozes da Folia".

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