O segredo da vela

Texto e imagem por Lorranne Marins


Esses dias me peguei pensando sobre velas. Velas, aquelas mesmas que mães geralmente acendem pedindo a bênção de um ser superior para seus filhos, aquelas usadas em jantares românticos para dar uma certa atmosfera soturna e calorosa ao mesmo tempo, aquelas que provavelmente você tem uma caixinha ou pelo menos algumas unidades em alguma gavetinha de bagunça e que estão lá para o caso de alguma queda de energia. Pois bem, estava pensando sobre elas. Sobre como um item tão simples, quer dizer em suas versões mais humildes, ela é só um barbante e parafina basicamente, e mesmo assim, mesmo sendo tão simplória, é um item que venceu as barreiras da obsolescência. Palavra bonita, não é? Achei que se não usasse agora não usaria nunca mais. Mas deixando mais simples, as velas, elas simplesmente persistem, elas nunca se tornaram totalmente obsoletas.

Quer dizer, pelo que você encontra por aí (sim, eu parei para pesquisar) elas existem desde 500 a.C., as primeiras eram feitas de sebos, pelos Romanos. Vieram as lamparinas, os lampiões, as lâmpadas, e hoje em dia, temos lâmpadas cada vez mais modernas, lâmpadas inteligentes e todas essas coisas Hi-Tech para gerar luz. Mas dificilmente você vai encontrar uma casa sem pelo menos uma velinha velha e quebrada em um fundo de gaveta. Fiquei alguns minutos pensando nisso, e o que me intrigou é que seguindo por esse raciocínio, a gente não precisa das velas. Elas poderiam muito bem ter se tornado obsoletas, ou pelo menos, bem menos populares. Mas então o que faz da vela um item tão especial?

Pensei que poderia ser a atmosfera criada por sua luz irregular, tremeluzente. Aquela mesma atmosfera que embala encontros românticos deixando-os mais acolhedores e quentes. Ou ainda a atmosfera misteriosa que não só clareia ambientes como também evidência cantos e silhuetas sombrias. Talvez seja o nosso encanto pelo fogo, pelo ver queimar. Ou ainda a adrenalina da possibilidade de se queimar. Talvez o segredo seja realmente sua simplicidade, sua facilidade de uso e manuseio, sua composição conhecida e segura, sua essência confiável, afinal, ela sempre funciona, não é como uma lanterna que pode falhar, ou mesmo um lampião que é mais complexo e de certo modo até um pouco perigoso, você sempre pode contar com sua vela para fazer o que lhe é proposto que faça. E então por fim eu concluí que não sei. Não sei por que as velas perduraram. E pensar nisso me fez pensar em tantas outras coisas que perduram mesmo depois que, em tese, deixamos de precisar.

Em tempos de pandemia, pensei em como, mesmo com as facilidades atuais de se manter próximo de amigos, familiares e amores pela magia aproximadora e prática da internet, ainda precisamos de encontros pessoais, de ver cara a cara, de tocar, de sentir o outro fisicamente. Quer dizer, em tese, seria bem mais simples reduzir nossas interações pessoais, todo mundo sabe que o tempo é valioso, e todo mundo sabe que uma ida na vizinha para devolver um ovo emprestado nunca dura menos que meia hora. Mas essas coisas, esse calor, como o da vela, que é proporcionado pelos encontros, nunca se torna obsoleto.

A nossa necessidade de amar e ser amado, quer dizer em um mundo onde você já nasce com a primeira consulta ao psicólogo agendada — inclusive, façam terapia —  um mundo onde sistemas econômicos, políticos, ecossistemas, e tantos outros sistemas estão entrando em colapso, por que é que não declaramos a busca pelo amor como algo obsoleto? Quase parece egoísmo pensar nisso no mundo atual e quase parece difícil demais buscar por isso na situação atual. Mas não, essa também é outra vela da vida humana, precisamos, sem saber bem ao certo porque, mas precisamos. Se nós fôssemos casas, eu poderia apostar que não existe nenhuma casa onde a vela da necessidade de amor deixou de existir. Seja ela uma vela que é colocada para queimar todo dia, ou que fica guardada em uma gavetinha, esperando o momento ideal para ser usada. A literatura, a poesia, a arte em suas diversas facetas e expressões, são outras coisas em uma lista enorme de coisas que parecem não fazer sentido algum, que parecem não ter lugar na atualidade, mas que são tão necessárias, mesmo que ninguém realmente precise. São essas coisas, todas elas, que dão beleza à vida, viver sem elas seria sem graça. Não são essenciais racionalmente falando, mas como a vela, elas parecem ser cruciais, carregam consigo uma atmosfera, são a elas que você se agarra nos momentos de falta de sentido.

Pensei também que provavelmente, cada um tem sua coleção de velas, um monte de coisa que parecem ultrapassadas, que em tempos modernos não parecem fazer sentido, ou são até vergonhosos, mas que continuam lá, com um ar de essencialidade, fazendo parte da casa que somos, ou estão na gavetinha ou estão sendo expostos orgulhosamente como um filtro de barro em casa de mineiro do interior. Aliás, tem o filtro de barro, outro item que me deixa pensativa, mas essa reflexão eu guardo para outro dia.


Lorranne Marins tem 27 anos, curiosa, randômica e apaixonada, sempre teve a escrita como sua forma de expressão mais natural. Atualmente é estudante de Engenharia de Alimentos na UFU.

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