Imagem: Victor Caixeta |
A sede era tanta que ao menos sabia por onde começar.
Perfurava a garganta e o estômago enquanto continuava pela sua busca por ar, tentando não se afogar na corrente densa que embrulhava sua mente. Abraçava, sem medir qualquer esforço, a forma que a imaginação tomava, se agarrava mais uma vez ao que a lembrança deixava, encolhia sobre os joelhos, afundando-os no chão à medida que sentia o espaço derreter sobre o peso de seu corpo...
Era tomado pelo vento, como uma doce melodia de uma canção sinuosa, se via exposto ao vazio e recoberto pela própria solidão. O dia frio, a penumbra do entardecer rosado, seco, o olhar no espelho que se perdia como um andarilho vagante que não se conhecia a si... Ergueu o queixo sobre o ombro, permitiu que seus olhos fossem de encontro ao desenho do rosto jovem e cansado, ao semblante tomado pela inércia, ao lábio ressecado por todas as vezes em que quis falar e se conteve, por todas as vezes em que suspirou e isso foi tudo o que teve, palavras escapulidas, esculpidas pelo medo de talvez nunca existirem.
Era dolorido. Como abrir os olhos após o despertar, era se tocar e se desmanchar como uma linha de aquarela sobre a tela de tecido. Ou sobre a pele despida. Era sede, vontade, imensa, de sentir, mais uma vez, o toque. Era a água que descia como gotas profundas por suas costas ao banho, desenhando inúmeros caminhos e traços sobre o torso encurvado.
Era ao mesmo tempo busca pela vida, velejando na escuridão, era a voz gritante que acordava seu coração. Ergueu os dedos, frios, e sentiu em sua mão o calor do próprio rosto. A sensação macia, como algodão. Deslizou-os até a boca e suspirou, percebendo o conforto da própria respiração. Escorreu dali uma pequena lágrima. Afundou-se em uma serena paz, estranha, que acalentou o espaço apertado que havia entre seu pulmão e alma. Sentiu calma, inaugurada pela ternura que emanava dos olhos marejados.
Era sede do que se foi, sede por nadar de volta a superfície, sede por saber que a mais estranha paz nascia singela entre o abraço, entre os braços que protegiam de qualquer coisa, entre o amor infindável e inalcançável. Aquela pequena e única lágrima se foi, em um salto, um mergulho que atingiu a roupa sobre o corpo e ali fez uma pequena mancha sem muita importância. E seus ombros então desmoronam, seu corpo se soltou sobre o chão, apoiou-se com as mãos e livrou-se do peso que tomava a batida de seu coração. Enxergava do topo uma singela canção que lhe dizia e lhe trazia a sensação de que tudo ficaria bem. E nenhum outro lugar poderia ocupar o que era aquela pequena porção de sua mente, que tão melancolicamente, lhe dizia como nada no mundo faria mais sentido que amar.
Elza Maia é uma amante da escrita e aprecia colocar no papel os sentimentos da vida cotidiana. Futura psicóloga, pretende mesclar as duas paixões em uma.
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1 Comentários
que coisa linda que eu li. que delicia que foi ler isso! parabéns poetisa
ResponderExcluirObrigado por comentar!