Após 20 anos de música, vocalista carmense Vitor Guimarães anuncia encerramento de atividades

Por Caio Machado

No Festival Marreco / Foto: Bonna Morais

De todas as inúmeras dificuldades do cenário underground musical, nada foi tão avassalador e desmotivador para os artistas independentes, quanto a pandemia do novo coronavírus. Nessas e outras, o vocalista, compositor e agitador cultural de Carmo do Paranaíba Vitor Guimarães anunciou que irá pendurar as chuteiras.

Vitor passou por incontáveis bandas autorais, dentre elas cito algumas que me marcaram: Laranja Sonora, Outer Genesis e Boko Moko, esta última que considero ter lançado o melhor disco de rock clássico da região do Alto Paranaíba. Além disso, ele fundou o próprio selo musical, o Gorilla Records, com mais 500 sons publicados.

Outro feito marcante de Vitor Guimarães foi a realização de alguns festivais de música em Carmo do Paranaíba, citando o Grito Rock e o Festival Gorilla, que por um punhado de tempo, fomentou e movimentou a produção musical na capital do café. Foram 20 anos somando muito ao underground carmense.

Para quem não é ligado na cena autoral, mas prestigiava noite ou outra as bandas cover que tocavam no extinto Sweet Home Rock Bar, em Patos de Minas, talvez pode ter se deparado com Vitor emulando com precisão os vocais de Bon Scott e Brian Johnson, vocalistas lendários do AC/DC, pela banda The Jack.

Vitor Guimarães se desligará da música para se dedicar a carreira jurídica. É uma decisão justa e exclusivamente dele. Fico na torcida para que um dia este hiato chegue ao fim e ele retorne com força total para o movimento underground, que com certeza sentirá falta de tudo por ele alcançado.

Leia a seguir a nota de Vitor Guimarães* sobre o encerramento da carreira musical:

Comunicado de agradecimento e desligamento - Foram 20 anos no cenário cultural independente.

No Black Bird, acompanhado o guitarrista Edu Ardanuy

Essa é a jornada de um jovem artista que tentou deixar sua marca no mundo, e mesmo com suas inúmeras limitações, resistindo em um cenário geograficamente não propício ao gênero musical de sua afinidade, não esmoreceu. Lutou, escreveu sua história, zerou seu sonho de vida, e agora, na busca pela calmaria, se presenteia com o direito de sonhar outro sonho.

Com 13 anos de idade, comecei a emular as vozes de Axl Rose, Rob Halford e Dio, no banheiro de casa, no quarto, no pensamento, e logo no início desse entusiasmo, montei minha primeira banda com amigos que também eram pesquisadores de rock.

A banda não tinha nome, fizemos um teste de aptidão dos envolvidos, e acabei ficando com a vaga de vocalista. Começamos os ensaios, e quase fizemos um show no recreio da minha escola, mas ficamos a ver navios.... Levamos um bolo dos integrantes que tiveram provas em outra escola, normal pela época. Nessa fase, eu andava na rua cantando, gritando, e comecei a pesquisar sobre vocalistas de rock e metal com afinco.

Nossa turma era a nova galera do rock, juntamente com outras novas tribos daquela época, houve uma temporada que tínhamos quase que uma banda por bairro na cidade. Reuníamos religiosamente para falar de música, vídeo games, filmes, series, ideias, vida. Depois de alguns experimentos em diferentes formações, fechamos o que seria a primeira banda, e não demorou muito para a primeira apresentação no ‘Phabiu’s Bar’, que aconteceu em 2002), e pode ser conferida no meu canal do YouTube.

O repertório do primeiro show foi praticamente furtado da banda ‘Maverick 70’, que foi um projeto de amigos músicos de Carmo, e que contou com a participação do meu tio, que também é vocalista, minha primeira influência de voz, esse evento mudou minha vida. Fizemos duas apresentações com a primeira formação da banda ‘Burn’, seis com a segunda, e salvo engano, duas com a terceira.

Nessa época, meu tio era dono de uma loja de discos, a ‘New Wave Discos’, que foi uma escola de rock para nossa geração de adolescentes rockeiros, e o início de uma vida pesquisando, baixando músicas, manipulando áudios e garimpando artes.

Em 2006, eu e dois amigos, que também foram integrantes da ‘Burn’, fundamos o projeto experimental chamado ‘Rabinos do Sertão’, que se resumia em inventar qualquer coisa em cima de melodias tocadas ao vivo, no improviso, também fazíamos leitura para cantarolar de qualquer documento escrito que estivesse por perto, e a liberdade criativa no ‘coretu’ era total. Esse projeto lançou sete discos de forma independente, que foram divulgados na internet, e discutidos na saudosa comunidade ‘Analisando Rabinos do Sertão’.

O movimento também foi chamado de ‘Retys My Laites’, uma filosofia de vida de dualidade, onde a loucura precede à sanidade, o bem e o mal em uma jornada de conhecimento, ‘Retys My Laites’ e ‘Stata Laites’, o nosso yin-yang boreal nesses anos de loucura musical. Essas joias da cultura carmense foram lançados recentemente nas plataformas de streaming.


Ainda em 2006, após um show realizado do projeto ‘Hammer of the Gods - Led Zeppelin Tributo’, conheci um músico de São Gotardo, que veio à Carmo exclusivamente para assistir nossa gig, nesse mesmo dia montamos um projeto que logo se tornaria conhecido em um movimento local de sobriedade e fraternidade, a banda ‘Los FaZendas’.

Com essa equipe gravamos duas demos, que também podem ser conferidas na internet. Nesse processo de ter bandas e fazer música, pelo timing da vida de cada um, sempre acontece de um integrante ter que sair, para estudar, trabalhar, ou por motivos pessoais, é assim que funciona, e essa é a história da minha vida. Em diversas situações, de rompimento musical, não entendi o tempo dos meus amigos e parceiros de bandas, da mesma forma, quando tive que pular fora, sempre foi difícil. Hoje sei, cada um tem sua correria, sua vida, suas coisas para fazer.

Seguindo para o próximo episódio, surge a ‘Laranja Sonora’ em seu rock brasileiro de sonoridade simples, fundada em 2007, passando por várias formações, e registrando dois trabalhos oficiais e algumas demos. O EP homônimo foi lançado em 2014 e o EP 'Laranja Sonora II' em 2020. Foram muitos dias memoráveis de luta... Eu poderia citar vários acontecimentos eletrizantes nos palcos, inclusive um choque que tomei por cantar descalço em uma estrutura de alta voltagem, e continuei cantando, ‘’nada vai nos parar’’, e eu fui um dos únicos que de fato não parou.

Foram vários projetos concretizados, compartilhamos sonhos e vivências, e o que fica são músicas que sempre serão importantes para quem participou, e especialmente, para quem se identificou. Tirando os shows que por algum motivo não consegui comparecer, não tenho arrependimentos, nem ressentimentos, realizei o tamanho de um sonho, que era existir na história do rock.

Falando em sonhos, o selo ‘Gorilla Records’ não poderia ficar de fora, por muitas variantes, gravar é uma tarefa de difícil acesso, e por um longo tempo cheguei a pensar que eu não conseguiria mais participar disso em vida, então, mesmo que não tenha ocorrido da forma que idealizei, foi um projeto de diversão que me trouxe alegrias e a independência no cenário fonográfico.

A honra de produzir a lendária banda ‘The Gorillas’, as gravinas usando sons do espaço, do mar, experimentações despretensiosas no conforto do lar. Tem uma música do catálogo que gastei vinte minutos para produzir e subir na distribuidora, por um tempo foi terapêutico, mas chegou num ponto que fiquei estagnado, e foi a hora de parar. As últimas produções só saíram recentemente devido ao prazo da distribuidora, e algumas ainda estão pendentes de aprovação.

Mesmo com os desafios impostos pela pandemia, 2020 foi mais um ano de dedicação exclusiva à música, e esse período de isolamento social será lembrado também pela superação, produtividade e reinvenção de uma carreira musical no interior de Minas Gerais. Nesses dias de muito aprendizado, trabalhei com profissionais do áudio e músicos incríveis, o sentimento é de gratidão e respeito por todos os envolvidos, no que eu particularmente considero um importante capítulo na história da música regional, e um marco da minha história na música.


No início de 2021, antes do lançamento do disco "Antes tarde do que nunca", tomei a decisão de voltar aos estudos jurídicos, o que não era uma novidade para ninguém de minha convivência, pois passei um tempo organizando essa retomada. Em acordo com os parceiros da banda ‘Boko Moko’, consegui participar da fase inicial de divulgação da obra, que tem sido bem recebida, e foi notícia em renomados veículos da imprensa especializada.

A banda ‘Boko Moko’ segue firme na divulgação do disco, e na filosofia de manter o rock vivo e forte, com sua nova formação que será divulgada em breve, novas produções estão a caminho. ‘‘Salve salve a todos os amigos de jornada que seguirão na música, o show deve continuar! Sucesso, e bora para cima!’’.   

Por fim, gostaria de agradecer de coração a todos que nos ajudaram na divulgação desses trabalhos. Foram 20 anos de correria no cenário cultural independente. A todos que fizeram parte dessas histórias, muito obrigado pela caminhada! Pelos meus erros e excessos, peço humildemente desculpas, e que a parte boa prevaleça nessas histórias.

O ecossistema musical é uma realidade, e a música sempre vai voltar de alguma forma, pois existe uma estrada pavimentada para uma possível retomada nos trabalhos, na hora certa, e eu tenho fé e gratidão. Espero que novas bandas surjam desse movimento, e que possam mostrar seus trabalhos pelo mundo afora, e principalmente, que a música seja sempre uma parte saudável na vida.

As mídias sociais ficam para posteridade, e sempre que possível, continuarei divulgando por hobby, nas lacunas do underground, canções para eternidade. Nessa última linha, deixo o link de uma playlist para possível conhecimento, são 512 produções até o momento, 26h 33 min de entretenimento puro.


* Vitor Guimarães - Vocalista de rock, cancionista das estrelas, fundador do selo Gorilla Records.

Banda Burn (2002), Hammer of the Gods (2005), Rabinos do Sertão (2006), Los FaZendas (2006), Laranja Sonora (2007), The Jack (2012), Grito Rock CP (2014), Festival Gorilla (2014), Matéria Escura (2015), Outer Genesis (2016), Zoia Enterprises Inc. (2018), CaravanHell (2019), Gorilla Records (2019), Pés de Chumbo & Asas (2020), Boko Moko (2020)

Segue o comunicado de desligamento que foi postado na página oficial: https://www.facebook.com/vitorguimaraesofficial/photos/a.106284467892596/258160672704974


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