JOÃO BATISTA
JOÃO BATISTA É UMA ESPÉCIE de porta-voz dos pacientes.
Diferente dos demais, possui escolaridade. Foi auxiliar de enfermagem. Aluno de Maria Lúcia, na época, professora do curso. Depois, como o auxiliar deixou de existir, passou a ser técnico, técnico em enfermagem. Trabalhou com o Dr. Teotônio, Dr. Tobias e Dr, Roni e outros nomes que não faço ideia de quem sejam, “cuidei do pai dele até o dia da morte”, referia-se a Roni. João morava próximo a Lagoa Grande, andava com pessoas da alta sociedade, consequentemente, frequentava os lugares mais badalados, foi onde conheceu as drogas, entre elas, álcool e cocaína.
A situação agravou-se após a aposentadoria e a separação da esposa, há sete anos, “mente vazia, oficina do diabo”. “Pegava meu salário, ia para o Bar do Macedo, puxava uma cadeira para porta e pedia uma cerveja, e mais outra, e outra mais, só sai na hora de fechar. “Sempre cheguei em casa”, agora, morava na Getúlio Vargas, imagino que não em uma das casas que costumo observar, talvez algo mais simples, um imóvel antigo.
João se expressa bem, diz coisas inteligentes e gesticula bastante, mesmo com a mão enfaixada.
Saiu um cabelo inflamado, na quinta-feira, no dia seguinte uma bolha pequena, domingo já ocupa todo dedo médio. “Pedi aos enfermeiros para darem uma olhada”. Drenaram a bolha, em que saiu apenas água, por cima da carne morta passaram uma pomada e o curativo, fora os antibióticos na veia, que o obrigaram a passar os fins de semana ali também. “Olha, começou a aparecer na perna também”, disse ao erguer parte da coxa, com uma marca vermelha seca. Esse era o motivo da tipoia no braço.
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“NÃO POSSO DIZER QUE ME DERAM AS COSTAS”. Sem dentes, mergulhado na bebida e naquela mesma cadeira no Bar do Macedo, João encontrou um amigo, engenheiro, ou o amigo encontrou João.
– O que aconteceu com você João?
– Uai, tô aqui! – respondeu interrompendo o gole de cerveja.
– E seus dentes? Vamos arrumar isso?
– Arrumar como? Com que dinheiro?
– Onde você está ficando, amanhã às nove, passo lá para te
pegar.
– Rua Dona Luíza, 710.
No outro dia cedo, foram chamá-lo. “Tem um homem em um carrão aí te esperando”, era o engenheiro, levou-o até um consultório, onde consertou dente por dente. Tudo pago pelo amigo.
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– Precisa ter mais regras aqui, regra igual pra todos, pegam as coisas da gente, saem e entram a hora que querem! – afirma Adriano, de pé, enquanto gesticula com as mãos.
– Adriano, já temos essa regra, ninguém pode sair, desde que entrem. Vocês vêm para cá de livre e espontânea vontade. – responde Maria Lúcia, com toda sua elegância.
O CAPS RECEBE APENAS PACIENTES QUE VÃO PELA PRÓPRIA VONTADE, não é como aquelas casas de internação, que muitos que ali estão já passaram, talvez por isso o carinho com aquele lugar.
– Quanto aos pertences, vocês sabem o ambiente em que estão inseridos, tem que tomar cuidado.
– Aqui tem de tudo, nós todos somos usuários de drogas. – fala Adriano ainda de pé.
– Eu não uso drogas, só tomo uma pinguinha, – acredita seu Manoel, que argumenta do fundo da sala, quase imperceptível.
– Nada disso seu Manuel, álcool também é droga, nem pior, nem melhor que as outras.
Agora abre aquele sorriso amarelo, que carrega por todo lugar, mas sempre silencioso, exceto na manhã que consertava a porta do banheiro.
“Pow, pow, pow”. E as telhas tremiam, ia passando em direção ao interior do cômodo, vi seu Manoel com o martelo na mão. Aproximei curioso.
– O que faz com esse martelo seu Manoel?
– Vou colocar um gancho na porta, perdeu a tranca e nem dá mais para usar o banheiro. A gente vai cagar, chega um e abre, aí é aquele constrangimento.
E dá-lhe martelada, “pow, pow, pow”. O gancho ia torto para madeira resistente do portal, que soltava cascas de tinta azul. Segui, parei diante do mural de aniversariantes: Antônio, 09/09; Eleivânio, 10/09; Francineudo, 24/09; Neiva, 13/09 e Lorena, 13/09. Mal sabia que iria conhecer Lorena ao dobrar o corredor, de relance, mas conto a partir dali. Estava no local que chamam de Biblioteca, olhou-me profundamente, retribui o olhar, e tive que ir. Lorena parece ter caído de um dos romances de Jorge Amado, delicada, pele morena, assim a chamam (alguns pacientes), Morena. O único detalhe moderno são os óculos de armação grossa, através do qual olhou-me naqueles instantes.
Era sensível demais, uma garota de Bambuí-MG, perdida naquele lugar, naquela cidade. Como uma ovelha jogada aos leões. Mora próximo do trabalho, não era estagiária, como havia pensado. Formou-se em Uberaba-MG, em Terapia Ocupacional, o cargo que ocupa no Caps AD. Parece feliz com o que faz, chegou há poucos meses, passou em um concurso público. Depois do expediente, vai para casa, aproveita o tempo vago para preparar as atividades do dia seguinte e ver filmes. O apartamento, em que vive sozinha, fica de frente para Lagoa Grande, aos fins de semana aproveita para dar algumas voltas ao redor. É um hábito tipicamente patense – creio que faz parte do período de adaptação, como a resistência que sofreu de alguns pacientes.
[CONTINUA]
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FICHA CATALOGRÁFICA
RUBIM, Gustavo Pereira. Anônimos; entre a vida e a bebida, histórias interrompidas pelo álcool/ Gustavo Rubim – Patos de Minas: EDITORA, 2019, 116 p.
Capa: Gustavo Oliveira
Diagramação: Gustavo Oliveira
Fotografia: Gustavo Rubim
Revisão: Profª Ms. Regina Macedo Boaventura/ Profª Sintia A. Pereira da Silva
Orientadora: Profª Ms. Regina Macedo Boaventura
1. Livro. 2. Livro-reportagem. 3. Alcoolismo. Jornalismo Especializado I - Centro Universitário de Patos de Minas. Fundação Educacional de Patos de Minas, Patos de Minas, 2019.
* Gustavo Rubim, 22 anos, brasileiro, jornalista pelo Centro Universitário de Patos de Minas, Unipam - Brasil. Mestrando em Integração Latino-americana pela Universidade Nacional de La Plata, UNLP - Argentina. Vive em La Plata - Argentina.
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1 Comentários
Envolvente a leitura, aguardando o próximo capítulo.
ResponderExcluirObrigado por comentar!