Tratado sobre as filas

Por Neto Moreira

Imagem: Pixabay

Trata-se de senso comum a paradoxal afeição/repulsa do brasileiro por uma fila. Dizem alguns até que, outros, ao passar por um local qualquer, entram em filas pelo simples (des)gosto de estar em uma fila. A fila é o assunto predileto do final de um dia de serviço: “peguei um fila no banco”! A fila é a mãe da paciência. A fila é o chamado da incompetência. A Fila é a prova maior da miscigenação brasileira onde rostos e cores e temperamentos dos mais variados formatos trocam olhares tímidos até o silêncio ser quebrado:

- “Essa fila não anda, né”.

Pronto. O início de tudo. Picadeiro para lamentações. Nascimento de casamentos e amizades. Lennon e McCartney se conheceram em um fila. Batman e Robin. Han Solo e Chewbaca...

1) A FILA É O PRAZER PREDILETO DO IDOSO

- Essa fila não anda, né – é um senhor a minha frente que fala.

- É.

- Sabe que um dia eu fiquei seis horas em uma fila.

- Mentira!

- É verdade. Sabe, eu moro sozinho, sou viúvo, casei três vezes, meus filhos moram em Brasília, só saio de casa pra receber minha aposentadoria...

Alguns minutos depois.

- ... em 46 eu estava na Itália quando minha infantaria...

Muitos minutos depois.

- ... eu chutei na trave! Na trave!

Finalmente o senhor é o próximo a ser atendido. Agradeço a conversa. Ele devolve o meu lenço molhado pelas seis vezes em que chorou. Atônito vejo o velho se despedir da minha pessoa sem se dirigir ao caixa e buscar o fim da fila! Dois minutos após me busco a saída do banco a tempo de escutá-lo dizendo para a jovem que se encontra à sua frente:

-“Essa fila não anda, né. Sabe, um dia eu fiquei seis horas em uma fila”...

2) A FILA É A ARENA DA PAQUERA

- Essa fila não anda, né – ele é que puxa o papo.

- É verdade – responde ela sem demonstrar interesse.

- Você tem muita coisa pra pagar?

- Não, só minha conta de telefone.

- Posso ver? É que tem alguns títulos que este banco não recebe.

- Uai, se é assim, por favor.

O rapaz passa a tomar nota de algo com uma caneta na palma de sua mão.

- Peraí, o que você está anotando?!

- Seu telefone...

3) A FILA DO SELF-SERVICE É PECAMINOSA

Oh, Senhor, Pai de Todos, perdoa, porque se há uma fila onde o pecado mora, é a do Self-Service: a Impaciência, o Julgamento e a Gula.

Você ali, olhando para todos as iguarias diversas do almoço caseiro habitual, a pessoa atrás que se irrita com uma (suposta) demora na escolha, marcando o rosto com as habituais expressões “Pelo Amor de Deus”, invocando-o em pecado para resolver a questão mais mundana possível... a pressa na fila da comida.

E, independente da velocidade na escolha, na medida em que se coloca os itens selecionados, temos a nítida sensação, (ou a certeza expressa), que os olhos então se dirigem para nosso prato: a análise nutricional de terceiros para nossa comida.

Os fitness quase balançam a cabeça na fila pensando quase em voz alta: “Muito Carboidrato simples, pouca salada, arroz e macarrão juntos, meu Deus”. O desconforto de quem serve, é visível, mas, meu amigo, se ela estiver certa, seu desconforto será maior após o almoço...

Filas, filas... em todos os cantos da vida...

E aquele caso verídico do Guardinha que ficava o tempo todo arrumando a fila e, com isso, não percebeu o banco ser assaltado...

Filas, filas... em todos os cantos da vida...

Filas de Bancos, tecnológicas, agora organizadas por um painel, mas, atentos, que, se se perder lendo esse conto no celular, pode ser que seu número seja chamado e você precise “voltar” para o fim da fila...

Filas, filas... em todos os cantos da vida...

Não importa aonde, elas sempre irão existir. Enquanto ser humano, tenho tentado me acostumar a elas. Grandes e pequenas. Demoradas ou não... Sempre nos imbuirão daquela relatividade de tempo que nos remete diretamente ao – “Essa fila não anda, né”... bem como aquela sensação de que a fila ao lado, sempre anda mais rápido... Fui Murphy que disse isso?

Basta-nos então tirar o melhor proveito delas enquanto vivos... ou mortos, porque disseram-me que tem fila pra entrar no céu!


Neto Moreira é um poeta fajutinho, contista e compositor de rocks rurais.

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