Diagnóstico da sequela

Texto e autorretrato por José Eduardo de Oliveira


Para minha mãe, que tem 92 anos e muito mais honra, humor e esperanças que todos os filhos das putas que recebem os votos que compraram e de alguns que ainda votam e acreditam neles.

 

Já não eram boas as relações familiares desde:

Até que a morte os ignore.

Mas vieram os filhos...

A perpetuação da espécie

Quase como um diagnóstico.

 

Junto com o sangue

Veio o atavismo

 

Mas...

Adoro-os, mas, eles são covardes

Mas, olha só, de novo, não infectam ninguém,

Não enquanto estão olhando.

 

Mas começo a perder o sentido do sentido

Ou dos sentidos.

 

A primeira sensação é que entre

Os avisos de não-velórios

As certezas que nunca mais

Olharemos aqueles olhos

E nem sentiremos o calor

Daquelas mãos

Daquelas mãos

- mãos que falavam...

Mãos memórias.

 

Hoje mãos medo, não toque as mãos, nem das mães...

 

Mas vidas não existem mais

 

E Castro Alves, clamou:

Onde estás que não respondes?

[jamais responderá]

 

E lá fora

Um animal que se acha macho alfa

Devora não só seus filhotes

E a matilha toda

[mas defeca antes em tudo]

Mas só descobrirá que está em decomposição

Quando um dos lobos de sua alcateia faminta

Vomitar seus ossos

Podres...

 

Diagnóstico:

O vírus afeta a memória e o amor.

 

Antes da receita inútil, uma pergunta:

Tem remédio para essas duas coisas?

A memória e o amor? [o ódio já existia, não é sequela e nem efeito colateral é ancestral]

:

Cloroquina...voto impresso... viagra... treizoitão... bíblias virgens...óbolos eleitorais..., na verdade, nem o voto...

 

A primeira, a memória, realmente foi afetada

Antes da pandemia.

 

Mas agora, não febril, mas insano, que é

Uma espécie de febre mais grave

Percebi que perdia a memória:

Alguns sobreviventes diante de mim

Simulam que são meus filhos, minha neta e 

Minha mulher.

[os amigos não contam, exceto se for num bar, e de máscaras e chapado]

 

Não me lembro deles.

Eles se lembram de mim

Como eu era?

 

Também a fala, a audição, na verdade, a comunicação

Foi comprometida, como um pulmão 99%

 

Não, entendo o que falam e eles não me 

Entendem...

 

Mas os seres humanos como as baratas

Estão sobrevivendo, piores do que eram, 

Por suposto.

[como os políticos e que são os mesmos antes da pandemia, só que mais cruéis e podres, e usam deuses como se fossem papéis higiênicos usados mais de uma vez ou então absorventes baratos...]

 

Amém

Aos outros e outras resta:

Revertere ad locum tuum

[retorna ao teu lugar -no cemitério]

 

Mas o único diagnóstico que já vem com receita é 

:

O último que sair, acenda a luz, que ainda há tempo...



José Eduardo de Oliveira é licenciado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto

🦆

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3 Comentários

  1. Lamparinas ao sair. Prá ondular sombras e silhuetas figuras estranhas no imaginário das trevas.

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  2. José Eduardo
    Gosto de seu jeito ímpar e meio caótico de abordar coisas sérias com irreverência. Às vezes leio diversas vezes o mesmo parágrafo tentando entender o sentido, mas nem tudo precisa ser entendido, não é verdade?

    Sua mãe, a quem dedicou o texto “Diagnóstico da sequela”’, era amiga e vizinha de minha irmã mais velha, levada pelas garras da covid.
    Grande abraço
    Jô Drumond

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