Arte por Remedios Varo |
Sucedeu-se, naqueles dias soturnos,
cheios de névoa e chuva grossas,
minha visita a Pitonisa ruiva e distinta.
Sentei-me num bloco,
sobre um tapete de verdura,
sobre um chão de pedra,
sobre um templo de bronze,
sobre um monte resplandecente,
sobre um canto nobre,
sobre um país de sábios,
sobre um mundo perdido,
sobre um nada vagante.
Olhei teu rosto,
sério e sereno,
rosto em transe e
em esmero apolíneo.
Vi, no rosto,
um todo rotundo e
pele úmida, ótica.
Abriu a garganta rouca,
aspirou fundo o aroma louro.
Alacridade sublime em mim,
duas décadas de anseio,
dois terços da vida.
Patrimoniosos ditos surgiram e
cegueira crua me deitou
em cama dura.
Vi, no íntimo de minh’alma,
no íntimo sombrio e grená de minh’alma,
flashes de pedras-quartzo,
rocha ígnea e hexagonal.
Vi Naftali e Dã, filhos de Jacó,
poucos sorrisos, poucos trajes.
Voei num pálido cavalo,
trajei nudez e sandálias.
Vi velas se esfregando e
chorando cera branca.
Vi um manifesto e o futuro,
vi queimarem fêmeas.
Vi o fim.
Vi, no íntimo de minh’alma, o fim.
Coloquei a córnea
para beijar o vento,
coloriu-se como as flores de Ostara,
expandiu-se como as latas de navios.
Em meus cenários inesperados
e místicos, odor de cânfora
retinta e incensos pré-quentes,
num pensamento gordo, grave e
cheio de graça, envolvi-me nas
constantes parábolas das Igrejas Romanas.
Olhei os trechos de mim,
olhei os retratos do templo.
Estava meu corpo quente e latejante
sobre um tapete desbotado,
sobre um chão de taco roído,
sobre um quarto curto,
sobre um prédio velho,
sobre um bairro porco,
sobre um país quebrado,
sobre um mundo perdido,
sobre um nada vagante.
Vi o fim.
Vi, no íntimo de minh’alma, o fim.
Vi, no íntimo sombrio e grená de minh’alma, o fim.
Samuel Mota é estudante e escritor, amante do teatro e da música. Fortemente influenciado pelos escritos de Clarice e Hilst, escreve crônicas, poemas e contos como forma de se libertar, se conhecer e ampliar as possibilidades do próprio eu.
🦆
Apoie o jornalismo independente colaborando com doações mensais de a partir de R$5 no nosso financiamento coletivo do Catarse: http://catarse.me/jornaldepatos. Considere também doar qualquer quantia pelo PIX com a chave jornaldepatoscontato@gmail.com.
5 Comentários
Que poema lindo!
ResponderExcluirEstou muito fã desse jornal ! Super !
ResponderExcluirSempre espero pelas publicações do Samuel, que é, com certeza, um dos melhores escritores deste jornal, senão o melhor!
ResponderExcluira sensibilidade de samuel com palavras me encanta a cada nova obra
ResponderExcluirDe tirar o fôlego.
ResponderExcluirObrigado por comentar!